domingo, 16 de março de 2025

Na Mata

 


Na mata

O verde invadiu seus olhos míopes tão intensamente que os óculos de Ana pareciam não ter mais razão de ser. A mata era muito mais poderosa do que muitos acreditavam ser com suas árvores infinitas de galhos eretos cantando aos céus e raízes agarradas a terra com paixão.

Ana pensava compreender as árvores, e as sentia como quem sente a presença da família; como um abraço acalentador. Na mata ela estava em casa, e por isso a viagem de carro pela serra lhe parecia tão bom quanto chegar ao destino. Porque através da janela do carro a visão era inacreditável: a Mata Atlântica oceânica.

Sentirei saudades da mata quando não puder mais vê-la. Pensou a menina.

Pensou com a certeza de quem partirá muito antes do que as árvores que a viam passar. Ana já contara aos amigos seus desejos finais: quando morrer, não haverá choro nem vela, como diz a canção; a menina queria uma festa antes do destino final – virar humus e crescer Ipê Amarelo no meio da serra.

O mundo era mesmo muito bonito, as pessoas é que estragavam um pouco a beleza da vida com suas ideias mesquinhas de corações egoístas. Sendo assim, na próxima vida Ana não queria ser gente, pois não lhe parecia necessário viver feito gente mais uma vez. Ser árvore seria muitas vezes melhor. Sentiria suas raízes ligadas à terra, passaria seus dias a dançar no ritmo dos ventos. E quando as gotas grossas de chuva caíssem, abriria olhos e boca para sentir a graça da vida.

Quero ser árvore no meio da mata. Dizia a menina

Ela adoraria ter ninhos de pássaros em seus galhos. Vê-los crescer. Aprenderem a voar. Ouvi-los cantar. E como seriam divertidas todas as vezes que os micos e outros macacos passassem por seus galhos com suas acrobacias ágeis a gritar. Deus do céu, se sentiria bela como nunca quando com a chegada da primavera suas flores desabrochassem chamando a atenção de todos que por ela passassem.

Seria bom ver as pessoas de olhos curiosos passarem pela estrada. Seria melhor ainda se a família, os amigos e o amores viessem ao seu pé se sentar. Nesse momento leria seus pensamentos e ensinaria aos seus meninos e meninas a ouvi-la para que se sentissem abraçados. Seria bom ouvi-los de violão em punho a cantar. Seria inacreditável ouvir ao João cantar, e então, sem muito pensar lembrar-se que na vida passada havia sido gente feliz.