quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015
O Campo do Politicamente Incorreto
Ontem houve jogo de futebol, como
todas as quartas e domingos durante muitos meses do ano, como alguns sábados em
terras brasilis, como as segundas e terças além-mar. Coisa que eu amo, aliás, e
que chega a fazer-me falta nos meses de recesso de “la cancha”. Contudo, eu e
todos os fãs do esporte bretão devemos perceber que o futebol, muito longe de
ser uma unanimidade no planeta Terra, tem pouca ou nenhuma importância para
quem por ele não nutre paixão. Apesar de toda a importância que ele tem para
seus aficionados, o futebol é um esporte e só. E ponto final.
E mesmo sendo uma paixão para muitos,
o tal esporte arte que replica batalhas de reinos antigos, este xadrez mais
barulhento e divertido, não deve ser racionalizado demais. A lógica não
pertence a este campo desimportante enquanto paixão, e gastar muito tempo a discutir
sua filosofia e o comportamento dos torcedores do tal esporte é mesmo um desperdício
de tempo. Para o dia-a-dia do cidadão, a realidade séria e fundamental dos
homens, o papo de boleiro é uma bobeira, papo furado de botequim; algo útil
apenas para os torcedores que são capazes de passar horas a fio a discutir um
lance qualquer que não mudará a vida de ninguém.
Claro que o “fair play” é
fundamental, pois através do esporte pretende-se ensinar e aprender belas
lições como o trabalho em equipe, a solidariedade, a disciplina e etc e tal. Entretanto
e com todos os “contudos”, a boca-suja é parte fundamental do tapete verde (e
da sala de estar em dia de jogo do time do coração) tanto quanto todas as
outras partes que dele fazem parte. Xinga-se no futebol. É feio, eu sei, mas
esta é a única arma que se tem contra o exército inimigo para quem ocupa as
cadeiras dos estádios ou o sofá de casa.
As mães são xingadas, manda-se os
adversários a atos libidinosos sodomitas, e profere-se toda sorte de palavras
de baixo calão ou qualquer outra coisa que se imagine útil para gozar com um
sujeito ou deixá-lo para lá de irritado, feito crianças mal-educadas. E, apesar da ciência da falta de educação que
isso denota e do quão agressivo e ofensivo pode parecer, ou ser em alguns casos,
tudo que se fala em campo não deve ser levado tão a sério, pois, não é.
Assim como no humor, o politicamente
correto e ético não cabe aqui. A partida de futebol é um dos poucos antros onde
a má educação tem licença poética, e não se espera que o que ali é dito dali
saia a repercutir como se fosse uma opinião formada por qualquer coisa que
seja. Provoca-se o adversário com o que se imagina provocador apenas porque é
divertido provocar, mas no final das contas tudo não passa de bobagem sem
intenção na grande maioria das vezes.
Sei que a linha entre o que podemos e
o que não podemos fazer é muito tênue e que a ultrapassamos todo santo dia
mesmo sem querer e com a melhor das intenções. Todos nós fazemos isso. Mas
também sei que não se deve levar a sério aquilo que é apenas uma brincadeira. Já
xinguei e já fui xingada em alto e bom tom em partidas de futebol sem nunca
preocupar-me com isso. Porém, acabada a peleja em campo, acaba toda a troça e,
fora de campo e pela vida a fora devemos respeito a quem quer que seja sempre.
No final das contas o fundamental é
lembrar que o segredo da vida é não levá-la tão a sério, pois que já há uma porção
de coisas sérias a nos chatear. E o futebol cá está para distrair-nos da rotina
da vida; nosso circo romano moderno.
sábado, 14 de fevereiro de 2015
terça-feira, 10 de fevereiro de 2015
Surdez
De repente cala-se o mundo
ensurdeço eu.
De repente o que não chegou a ter começo
termina.
E a história fica assim sem ser dita
e sem motivos para quase ter sido
a mais bela história sem fim nesta vida.
De repente não ouço nada
calo-me.
E ficam sem motivos todas as palavras já escritas
e mesmo aqueles que ainda viriam
a ser, morrem.
Abraço-me a surdez.
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015
Ana (parte 3)
Parte 1
Ana percebeu-se.
Suave e indefinida, apenas uma leve consciência do existir respirava. A menina
sabia-se viva, porém não passava de fina consciência todo o saber que a ela lhe
cabia. Ana... Ana era a única coisa que dela restara; toda sua identidade. Sua
consciência resumia-se a três letras – Ana. Com os olhos fechados, pregados
pelo medo do que pudessem ver, de tudo o que não poderiam compreender, a mulher
jazia numa cama. Braços inertes, pernas inertes. Por algum motivo que ela
desconhecia havia um pânico do mover-se. Mover-se doeria? E se sua pele abrisse
pelo esforço; pelo desejo agudo dos ossos de rompê-la para fugir dali. Para
fugir de um corpo que a eles não pertencia, um corpo do qual a dona não tinha
memória e que, mais que ela mesma, lhe parecia um peso; um estorvo.
Passaram-se
minutos, dezenas arrastadas deles. Horas de caminhar lento passaram antes que
Ana abrisse os olhos castanhos e opacos no exato instante em que a curiosidade
tão natural da alma humana venceu o medo. Os olhos viram o branco corpo que não
reconheciam, mas que a eles pertencia. Um vestido branco e leve de delicadas
flores amarelas e pálidas cobria-lhe o ventre, parte das pernas; a metade das
coxas. Os olhos desceram pelas coxas, a canela... A unha do dedo maior do pé
esquerdo sumira. O dedo latejava, ou ela imaginava-o a latejar porque é
exatamente isso que se espera de um dedo cuja unha foi arrancada.
Arrancaram-na? Quando? Por quê?... Por quê?... Por quê?
Os porquês
reproduziam-se em ecos doloridos, magoados. Os porquês provocaram lágrimas
silenciosas e órfãs. Ana não se reconhecia, e sentia-se dona de uma solidão tão
ampla quanto podia ser a solidão de quem não se sabe. O choro ganhou ânimo para
afogar os olhos da menina que os tornou a fechar. Ana queria esquecer-se
completamente.
Parte 2
Pela janela,
através de exaustas venezianas de madeira azul claras, entrava delicada luz que
tocava o braço direito de Ana. O choro cessara há algum tempo, talvez ela
tivesse adormecido mais uma vez; talvez. Não se lembrava desta luz a tocar sua
pele assim como não se lembrava de sua vida, de seu nome completo, de onde
estava, de qual dia, mês ou ano aquele era. Assim, tão sem lembranças e apenas
certa daquilo que não sabia, Ana duvidava até mesmo de sua própria existência.
“Estou mesmo
viva?” pensava a menina estática que jazia na cama. “Estou mesmo viva e respiro
ou apenas imagino este respirar?”
Ana lembrou-se
da falta da unha em seu pé esquerdo e reabriu seus olhos. Era verdade,
faltava-lhe uma unha e havia um pequeno bocado enegrecido de sangue que saíra
do dedo e escorrera pelo peito do pé. O dedo lhe doía e, portanto, ela estava
viva; concluiu Ana. Os não vivos não sentem dor, não sentem nada, e a dor do
dedo do pé esquerdo era, naquele momento, um conforto para aquela mulher que
não sabia quem era ela e nem onde estava. Havia uma certeza; quiçá a única que
qualquer ser humano podia ter nesta vida: Ana sabia-se viva porque seu dedo
doía.
Por que havia
tanto medo nela? Medo de mover-se, medo de ouvir algo, medo de ver algo para
além do vestido florido e da unha ausente. As paredes do quarto eram brancas e
nuas como se tivessem sido recém pintadas e contrastavam com as cansadas
venezianas de azul sem vida. Não havia quadros, não havia manchas, não havia
nem ao menos um único prego ou gancho que maculasse aquele branco completo e
sufocante.
“Onde estou?”
pensava a atordoada mente da moça que jazia numa cama barata de metal cinza
claro.
Ana abriu a
boca, pois percebera os secos lábios rachados e sentiu a urgente necessidade de
umedecê-los como se disso dependesse a manutenção de sua vida. A língua de Ana
tocou lhe os lábios e percebeu um pequeno corte à direita assim que o sal do
sangue invadiu-lhe o paladar.
“Onde estou, meu
Deus?” pensou a menina que não ousava falar por medo de que alguém a ouvisse.
Voltaram as
lágrimas ao rosto de Ana.
Parte 3
Ana tentou
acalmar-se, conter o pranto; pensar. Pensar o quê? Não sabia. Sabia apenas que
jazia na cama com medo, que lhe faltava uma unha, que a boca estava ferida e
que emagrecera. Emagrecera? Como podia ser dona desta impressão se não se
lembrava de nada? Mais que um fato, aquela era uma sensação. Ana sentia que
tinha sido mais gorda, que havia alguma carne no corpo que agora parecia seco.
Ela estava seca. Como alguém seco chora?
Então, a menina
chorou sem lágrimas. Sentindo a mágoa a invadir-lhe, a dor a abraçá-la. Havia
tanto silêncio e solidão. Tanto silêncio que parecia que o mundo deixara de
existir.
“O que existe
por detrás da janela azul?”, perguntou-se. “O quê?”
Por alguns instantes
a mulher de vestido florido e gasto tentou ouvir o mundo afiando os ouvidos.
Nada. Ana não entendia como podia haver tanto silêncio e lembrou-se da mãe. Não
de sua mãe, talvez, mas de uma mãe. Ela devia ter uma mãe como todos têm, não
têm? Onde estava a sua mãe que não estava aqui ao seu lado? Todas as mães ficam
ao lado de seus filhos nos momentos difíceis, e aquele era um momento difícil.
Muito difícil.
“Qual o nome de
minha mãe?”
“Pareço-me com
ela?”
“Está viva?”
“Por que não está
aqui agora?”
Eram tantas as
perguntas que atormentavam sua cabeça que Ana sentiu-se irritada; com raiva. E
num impulso sem qualquer medo ou pensamento, sentou-se na cama. Seus olhos
arregalaram-se, o coração acelerou, o medo cresceu. E pela primeira vez Ana
ouviu sua própria voz baixa, rouca e pouca.
“Mãe?”
Não havia
nenhuma dor para além da dor do dedo do pé esquerdo. Ana estava um pouco zonza
pelo levantar-se de repente, mas não havia dor. Ela olhou para a janela e
sentiu que o medo diminuía. Ela tinha que olhar pelas frestas. Talvez pudesse abri-la
e ver. Talvez.
O chão estava
fresco, não frio. A suave temperatura do solo de um revestimento bege a
reconfortou porque com ele veio a idéia de que o dia deveria estar bonito lá
fora. O chão estava quase morno; era verão com certeza, porque apenas no verão
o chão fica agradável daquele jeito dentro das casas. Ana amava o verão e seu
sol cheio de força e vida. Amava os dias longos e as pessoas com roupas leves a
passear pelas ruas. No verão havia mais gente na rua e ela adorava este tempo
de vestidos levianos, coloridos, suaves e pequenos.
Ana tentou
levantar-se da cama, pois queria ver o verão pelas frestas da janela. E ela
imaginava uma bela tarde ensolarada a julgar pela luz que entrava pelas
frestas, imaginava pessoas nas ruas, e imaginava que alguém dentre todos que
passeavam pela rua poderia explicar-lhe onde ela estava. Ana imaginava algo
bonito quando uma dor sem precedentes invadiu-a. Os ossos da perna esquerda
pareciam ruir-se por dentro, e a dor cortou-a sem piedade ou compaixão.
A mulher vestida
de verão sentou-se novamente e, assustada, fitava a perna que latejava
tremendamente e parecia querer desmanchar-se em pedaços pequenos.
Ana deitou-se,
fechou os olhos. Sem forças, sem lágrimas, ela queria esquecer-se mais uma vez.
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