A noite
O céu perdera
sua cor habitual, e do azul vivo restavam apenas memórias mornas. Ana olhava a
escuridão que crescia ao seu redor enquanto, na memória, resumiam-se em poucas
cenas quase importantes todos os anos de sua existência. Seu mundo diminuíra aos
poucos e silenciosamente, de forma que por algum tempo ela não notara tal tendência
angustiante a todo claustrofóbico. Agora, porém, o vagaroso encolhimento de seus
horizontes era um fato e nada poderia detê-lo. Ana aceitou-o, então, sem muito
esforço.
As janelas
estavam abertas e o mar calado, quieto, respirava com dificuldade em tempos sem
ventos; sem movimento. O mundo de Ana, sem vontade, perdera a capacidade de
mover-se. Nele tudo se resumia a uma opaca espera sem fatos ou atos onde a ela
restava observar, à boa distância, a tudo; a todos. Todos, que um dia
importaram à menina que ela fora, haviam partido de uma maneira ou de outra: em
viagem, à força, por vontade, pela morte.
Hoje, sem
curiosidades para aquilo que acontecia para além de suas terras de horizontes
egoístas, Ana não ouvia ao rádio. Faltava-lhe vontade para ligar a televisão e
descobrir novas guerras por motivos tão antigos quanto a humanidade. Novidades antigas,
repetitivas, não lhe interessavam mais depois de tanto ter brigado na vida. Ana
cansara-se de todas as lutas e resolvera que não brigaria mais, não reclamaria
mais, não choraria mais. Nada mais.
Atemporal,
Billie cantava seus Blues no toca discos enquanto Ana escolhia um novo livro na
estante empoeirada para reler. Germinal de Zola capturou seus olhos e o ar
pareceu-lhe mais palpável; pesado. Ana sorriu.
Um dia ela também havia acreditado em todas as possibilidades de um Mundo que
ainda seria criado. Ela sentou-se à janela, acendeu a luz da luminária antiquada
e abriu o grande livro. Etiénne e Catherine ainda respiravam em suas páginas e o
mundo de Ana, tão pequeno e preguiçoso, definitivamente, parou.
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