Quino para mim
Quando meu irmão e eu éramos bem
pequenos minha mãe lia para nós, como tantas outras mães, na hora de dormir. No
geral, estórias saídas da coleção dos contos dos irmãos Grimm, dos quais a
minha favorita era a Pequena Sereia. Nessa versão, sem os retoques açucarados
da Disney, a tal sereia que havia se apaixonado pelo príncipe morria e virava,
como todo sereia quando morre, espuma do mar no final. E eu achava aquilo lindo! Sinal de minha prematura
paixão pelo drama, não?
Seja lá porque for, meus pais tinham
o hábito de comprar coleções de livros para a casa: enciclopédias, a Bíblia em
vários volumes (os quais eu nunca li), os Clássicos da Literatura Mundial (quase
todos lidos até os 20 anos onde descobri muito - Eça de Queiroz, Émile Zola, Tolstói,
Standhal, Machado de Assis, Kafka, Dante e outros), e uma coleção de livros
sobre a educação de crianças.
E foi aí, numa divertida coleção
de livros dos anos 70 que tentava ensinar aos meus pais como educar aos seus
filhos que eu descobri a Mafalda, a minha Mafaldinha. Em cada capítulo da tal
coleção havia uma tira em quadrinhos de Quino com Mafalda e sua família e amigos
a ilustrar o tema. Ainda me lembro de pedir a minha mãe que lesse as estorinhas
para mim, de procurá-las entre as páginas, de serem uma das primeiras coisas
que eu li sozinha.
Assim, ainda antes de aprender a
ler, lá pelos 4 ou 5 anos de idade, eu já era apaixonada pela menina dos anos
60, Mafalda, com sua inteligência e personalidade espirituosa. Não sei ao certo
o quanto essa personagem influenciou-me, ou se apenas encontrei nela, muito
cedo em minha vida, um exemplo de menina com a qual me identificava
profundamente. Para mim Mafalda existe, e é um ser de carne e osso até os de
hoje. Mafalda é minha heroína para a vida.
Cresci e comprei todos os livros
editados com as tirinhas de Mafalda que encontrei pelo caminho. Versões em português
e espanhol de Toda a Mafalda, com as tirinhas que Quino aceitou publicar em
uma edição fantástica para mim, e Mafalda Inédita com as tirinhas que
na opinião dele deveriam ter ficado longe de nossas vistas. Nunca! Nenhuma Mafalda
deve ficar escondida. Não me canso, e creio que nunca me cansarei, de ler e
reler mi Mafaldita que já não é escrita desde 1973. E isso é incrível.
No último dia 30, um dia depois
do meu aniversário, Quino faleceu aos 88 anos. Mafalda foi oficialmente
publicada pela primeira vez no dia 29 de Setembro de 1964 no hebdomadário Primera Plana na Argentina. Meu coração triste ficou apertado e meus olhos
alagados com a notícia. Quino não deveria morrer nunca, muito menos perto do
dia 29 de setembro! Senti a perda dele como se um membro de minha família tivesse
partido. Quino é o pai de Mafalda, e foi o criador de tantos outros personagens
geniais. Um homem de ideais e que, tanto quanto pode, resistiu ao capitalismo
sem ideias. Quino era Mafalda em carne e osso e, sendo assim, um verdadeiro
herói para mim.
Mafalda e eu estamos em luto por
um tempo.
Hasta luego Señor Joaquín Salvador Lavado. Hasta
mi Quino!