E de repente, não mais do que de repente,
aqueles que pareciam resignados aos seus lugares neste mundo, posições
pré-definidas e estabelecidas por sua renda mensal, algo como castas hindus não
declaradas oficialmente aos quatro ventos, mas ainda assim sabida por todos, invadiram
a praia alheia. E como quem pode, pode, e quem não pode se sacode neste país
desde que Cabral pôs seus pezitos em nosso solo. Quem pode anda a chiar muito
contra o absurdo que é esse bando de moleques da periferia a andar por onde não
deveriam estar com seus bonés, suas músicas, seu mau gosto e falta de educação.
Pois é, dar um “rolé” é algo que
a meninada paulistana faz desde que eu era menina, e não conheço adolescente
que não tenha dado, pelo menos uma vez na vida, uma voltinha no shopping porque
não tinha nada melhor para fazer. Eu mesma fiz isso uma ou duas vezes na vida. Mas,
agora, a história é outra, não é? A verdade é que eu não acho que este seja um
protesto social em sua essência, apesar de agora estar sendo, claramente, usado
como ferramenta política. Contudo, é sim o reflexo de nossa condição brasileira
de sermos uma nação injusta para com os seus cidadãos.
A grande diferença desta molecada
da periferia, e da época que eu era uma parte deles, é que esta de agora pode
mobilizar-se como nós não podíamos e nem sequer imaginávamos 30 ou 20 anos
atrás. E as ações tomam proporções maiores quando publicadas nas tais redes
sociais, pois que o grupo de amigos
virou uma multidão nos dias em que apenas um telefone celular pode garantir
nossa conexão com o Mundo. E mais uma vez, percebo o valor real das tais redes
sociais, elas são amplificadores e fazem muito barulho. Taí. Gostei de ver.
É, gostei de ver os que não podem
a sacudir o nosso mundo, o mundo daqueles que se acham seres mais bem educados,
bonitos, mais bem vestidos e, portanto, possuidores do livre direito de ir e
vir neste país sem perceber que a merda fede. É, ela fede. Claro que eu, como
todo ser humano, não gosto de ser incomodada, quem gosta? Porém, achar que podemos
passar por esta vida a ignorar todo o mal que nela existe e todas as coisas
erradas que acontecem e, ainda assim, vivermos felizes e incólumes para todo o
sempre amém, é apenas uma doce ilusão. A vida, aquela de verdade, real, se
encarrega de acordar-nos deste sonho de classe média europeia. Pois, não
vivemos na Europa, nem nos Estados Unidos. Vivemos no Brasil, um país caro,
onde quase 50% das famílias têm que viver com menos de R$ 1.500,00 por mês e
quase sem direito algum.
O que me assustou, de verdade,
não foi ver os tais rolés a ocorrer. O
que me assustou foi perceber as pessoas no meu país a defender que a liberdade
de ir e vir de todo cidadão não tem valor, e que podemos sim ser julgados e
sentenciados antes que qualquer coisa ocorra. Foi perceber que, de maneira
aberta e despudorada, ou de forma discreta, muitos brasileiros estão a favor de
proibir a entrada dos indesejados neste ou naquele lugar, de limitar suas
liberdades, de criar guetos, de segregar.
Como sempre, creio que miramos o
inimigo errado. Errado é termos um governo extremamente caro e completamente
ineficiente que não cumpre seu papel fundamental: administrar bem este país
para que ele seja um lugar melhor para todos os seus cidadãos.
Para mim, ainda vale a máxima: um
país que não é feito para todos os seus cidadãos não será jamais um bom país
para ninguém.
A realidade desta grande nação |
Nenhum comentário:
Postar um comentário