João
Assim que dobrou
a esquina, João percebeu que havia algo de errado. Apesar de não conseguir
distinguir o que lhe causava aquele estranhamento, ele sabia que alguma coisa
estava fora do lugar. Mais do que um fato, um sentimento o atingiu e, por isso,
ele diminui o passo na avenida abafada no centro da cidade.
Esquecera a
carteira, talvez. Buscou-a na mochila cinza que ele carregava, displicente, no
ombro direito. Não. Ele não tinha esquecido a carteira, nem o telefone, nem
mesmo seu caderno de anotações. João gostava de escrever. Escrever era uma
terapia e, papel e caneta estavam sempre à mão. Caderno azul e caneta preta.
O que era aquele
sentimento então? Bobeira, pensou. Continuou seu caminho em direção do trabalho
na rádio e tudo lhe parecia normal. As pessoas caminhavam apressadas, os carros
abarrotavam as ruas, fazia muito frio num dia cinza de inverno e a manhã
passava rotineiramente. Chovera muito na noite anterior e ainda agora ele podia
sentir a umidade nos ossos. Que dia gelado, pensou.
João já descia
as escadas do Metrô quando ele se lembrou: Hoje é dia 27, é isso. Por onde
andará a Ana? Há mais de um ano não nos falamos, e já se foram tantos anos
depois daquele maio. Ana...
Um homem esbarra
em João e lhe interrompe os pensamentos. João balança a cabeça jogando para
fora as tais bobeiras e continua seu caminho. O dia será cheio e ele não acha
qualquer razão para se lembrar da Ana. Esta é uma estória que já acabou há
algum tempo; há um bom tempo. A vida é outra e há outras coisas a fazer, outras
pessoas.
O trem chega à
estação, lotado, e João suspira resignado. Não há o que fazer, ele precisa
estar na rádio em meia hora. O homem se espreme entre tantas pessoas num
pequeno espaço, encostado ao lado da porta no final do último vagão. A porta se
fecha e o trem sai.
João olha
distraído para frente e seus olhos se impressionam. Alguns metros à frente,
sentada num banco a ler, está Ana. Os cabelos mais curtos, ela está menos magra,
talvez; com um vestido de inverno que João nunca havia visto. Ana...
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