Dentro de Casa
Não me agrada
nada isso de haver um dia da mulher. Nunca me agradou porque o vejo, ou via,
como uma grande hipocrisia. Como um mimo fútil dado às mulheres para que assim
elas acreditassem que alguém se importava com seus direitos neste mundo. Isso
se dá muito porque não aceito, como nunca aceitei, que teria sido melhor ter
nascido homem já que a vida é melhor e mais justa para eles. Não tendo nada
contra os homens e compreendendo que há sim diferenças entre os gêneros como há
diferenças entre cada um de nós, não me sinto um ser menos privilegiado por ser mulher. A diversidade é uma de nossas melhores qualidades e respeitá-la deveria
ser uma condição sine quo non de todo
ser humano.
Sou uma mulher
latino-americana, sem muito tamanho de gente grande, entretanto, isso nunca me
afetou. Sou mesmo, como cantou lindamente Cássia Eller, minha, só minha e não
de quem quiser. Entretanto, vejo que a realidade e as coisas não são tão
simples assim quando abro um pouco mais meus olhos para o Mundo, porque a minha sorte
não é a sorte de todas as mulheres que habitam este planeta azul.
Em 2012 uma
menina indiana de 23 anos que voltava do cinema com um amigo às 8 horas da
noite foi brutalmente violentada e agredida por seis homens num ônibus. Por causa
de todos os seus ferimentos ela morreu alguns dias depois. Lembro-me de ler
sobre o caso na época e de sentir o grande pesar que sempre sinto nestas
ocasiões por saber que mulheres são violadas, feridas e mortas no mundo
todo todos os dias. Sei que a violência e a dor são fatos comuns em nosso
mundo. Contudo, todo o meu pesar não me levou a nada. Não mexi um dedo sequer
por ela ou por qualquer outra mulher ou pessoa naquele dezembro. Eu não
conhecia os detalhes do fato e, simplesmente, não me interessei por sabê-los.
Hoje eu os
conheço. Eu os conheço e eles me assombram desde o dia que, quase sem querer,
assisti a um documentário sobre a violência contra a mulher na Índia; o pior
país do mundo para uma mulher viver de acordo com uma avaliação da ONU. Nunca
imaginei que um ser humano conseguisse, pudesse ou tivesse a coragem de fazer
com qualquer ser vivo o que aqueles seis homens fizeram com Jyoti Singh Pandey,
a menina de 23 anos. E tenho aprendido, desde então, que as pessoas são capazes
de atos mais tenebrosos do que aqueles executados pelos mais cruéis personagens
do cinema e, por isso, sinto-me envergonhada por todo meu silêncio nestes anos todos.
Pela minha cegueira “saramaguiana”.
Não devo repetir
aqui o que se passou naquela noite de dezembro de 2012 porque ninguém mais
deveria saber que tais coisas podem acontecer; que elas já aconteceram.
Entretanto, é muito importante salientar que toda a violência contra a mulher
na Índia, como toda a violência contra mulheres no mundo inteiro, se deve
principalmente ao fato de que temos educado nossos filhos e filhas por gerações
a crer que as mulheres são seres de menor importância e poder e que, por isso,
devem estar sujeitas às vontades e aos desejos dos homens. Pois, apesar de não
haver nada que queiramos mais do que a felicidade e a segurança de nossos
filhos, a realidade é que a violência que os atinge nas ruas começa dentro de nossas
casas.
Mais do que leis
para proteger quaisquer minorias, que somadas se tornam a grande maioria das
gentes que caminham sobre o planeta, devemos ensinar o devido respeito para com
todos em nossas casas. Mulheres, homossexuais, pobres, negros, gente muita
magra, gente muito gorda, os mais velhos, os muito mais jovens; todos têm o
mesmo valor que um homem branco com algum dinheiro. Eles sempre tiveram e sempre terão, e não
enxergar tal fato é uma de nossas maiores fraquezas, nosso maior pecado.
Jyoti Singh
Pandey, antes de morrer, sussurrou a sua mãe que a desculpasse por tudo que
havia acontecido. Ela acreditava-se culpada, como quase toda sociedade indiana acredita e como muita gente acredita nesse mundo, apenas por ser quem ela era. Afinal, uma
mulher indiana não deve andar à noite à rua com um amigo. Da mesma maneira que uma mulher no
mundo não deve andar com roupas curtas ou pode ser atacada. Uma mulher não deve
andar só por aí ou... Todo santo dia, ouvimos coisas como essas, dizemos coisas
como essas, não? Por quê? Pois, o fato é que não deveria haver nada neste mundo que uma
mulher não pudesse fazer apenas por ser uma mulher. E a responsabilidade sobre tudo
isso também é nossa.
Às minhas meninas.
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