Pedaços de Lygia Fagundes Telles
Com
a ponta da língua pude sentir a semente apontando sob a polpa.
Varei-a.
O sumo ácido inundou-me a boca.
Cuspi
a semente: assim queria escrever, indo ao âmago do âmago até atingir a semente
resguardada lá no fundo como um feto.
Não
separe com tanta precisão os heróis dos vilões, cada qual de um lado, tudo
muito bonitinho como nas experiências de química. Não há gente completamente
boa nem gente completamente má, está tudo misturado e a separação é impossível.
O mal está no próprio gênero humano, ninguém presta. Às vezes a gente melhora.
Mas passa ... E que interessa o castigo ou o prêmio? ... Tudo muda tanto que a
pessoa que pecou na véspera já não é a mesma a ser punida no dia seguinte.
Quero
ficar só. Gosto muito das pessoas, mas essa necessidade voraz que às vezes me
vem de me libertar de todos. Enriqueço na solidão: fico inteligente, graciosa e
não esta feia ressentida que me olha do fundo do espelho. Ouço duzentas e
noventa e nove vezes o mesmo disco, lembro poesias, dou piruetas, sonho,
invento, abro todos os portões e quando vejo a alegria está instalada em mim.
A
beleza não está nem na luz da manhã nem na sombra da noite, está no crepúsculo,
nesse meio tom, nessa incerteza.
Quando
na realidade o amor é uma coisa tão simples... Veja-o como uma flor que nasce e
morre em seguida por que tem que morrer. Nada de querer guardar a flor dentro
de um livro, não existe nada mais triste no mundo do que fingir que há vida
onde a vida acabou.
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