A Felicidade
Todos sorriem nas fotos e à
distância a felicidade é possível sem se saber o que acontece nas horas
escondidas, nos fatos não narrados. João fuma seu cigarro à janela d’uma tarde úmida
de domingo. Os filhos saíram para brincar com os amigos e a mulher assiste na
TV a qualquer coisa que pouco, ou nada, lhe interessa. João pensa no que lhe
incomoda.
O que lhe incomoda mais é o não
saber bem o porquê deste sentimento cinza e úmido que, volta e meia, o acorda
nas horas de silêncio. João se inunda nestes momentos sem palavras; momentos
cheios de pensamentos e sentimentos de uma força incompreensível. Por quê? Ele tem
tudo: duas crianças as quais ama mais do que poderia crer, uma boa companheira,
um trabalho que lhe dá prazer, amigos para os copos e algum dinheiro para as
coisas desimportantes da vida. Nada lhe falta; verdade. Então, por que há
dentro dele esta tremenda falta de algo cujo nome próprio ele não pode definir?
Na rua passam caminhando algumas
pessoas. Homens a conversar, casais de mãos dadas, crianças apressadas. A vida
passa regularmente, tranquila e feliz, da janela de seu apartamento no segundo
andar de um prédio antigo. Anos 50, 60 talvez. João rói as unhas das mãos e
acende o segundo cigarro. O certo era parar de fumar, ele pensa. Tenho dois filhos
e a saúde já não é a mesma que há vinte anos; certamente.
Uma vontade grande de sair se
apresenta. Sair pelas escadas abaixo sem dizer nada a ninguém. Sair sem destino
e direção. Sair. João morde o canto de seu dedo anular direito um pouco forte
demais. O sangue escorre. Que merda! Pensa
ele. Isso vai doer-me amanhã. E amanhã há muito que ser feito. Decisões a
tomar, números, ensaios. João se lembra de que há muito para ler, para estudar.
Contudo a concentração e o foco andam um tanto turvos nos últimos dias; nos
últimos meses. Difícil concentrar-se e, talvez, o melhor fosse mesmo recorrer a
um médico. Deve haver drogas para isso. Deve haver uma droga qualquer para tudo
isso.
João ouve a voz da filha vindo da
rua. Ela e seu irmão correm na calçada com os amigos sem qualquer adulto por
perto e, apenas nesse instante, ele se dá conta de quão grande está sua menina.
Dez anos já! Como pode ser isso? O que foi que eu deixei para trás? João apaga
o cigarro e sai da janela.
Vou descer um pouco e ver os
meninos. Grita João para a sua mulher. O mundo silencioso adormece.
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