A Vazante
Parte 1
João já nasceu sério, menino
velho, dono de um corpo pequeno e de uma alma há muito tempo nascida. E apesar
de todas as danações e estripulias de garoto: ele corria, caçava passarinho,
queimava formigas e amava a rua como a ama todo garoto; João era calado. Falava
pouco, o necessário. Um quase nada de palavras saía de sua boca apenas por
necessidade quando na carência de um-qualquer-coisa ou quando questionado.
Assim, com seus pensamentos em
silêncio, foi crescendo o menino que não via muito sentido em gastar palavra à
toa. A mãe o fitava a crescer e pensava. E o questionava sobre o dia, a escola,
a rua, as meninas... João já ganhava pelos na cara, entretanto, da boca do
rapaz escorregavam reticentes monossílabos, pequenas frases, econômicas manifestações
de sua capacidade de comunicação com o mundo exterior. João era um rapaz
calado.
Em alguns anos veio a primeira e
única namorada. Pelo menos a única que chegou ao conhecimento da mãe e
toda a família. Aos 19 anos João, como todos os de sua idade, trabalhava numa
das inúmeras fábricas do bairro de casas pequenas e caiadas; ia ao cinema aos
domingos para ver as fitas americanas, os vídeos de futebol, as notícias e,
sábado à noite, namorava.
João era homem sério, de poucas
palavras e pensamento reto. E desta feita, namorava a menina Ana para casar. E
casar era coisa importante e cara. O menino crescido trabalhava mais para poder
alugar uma casa, comprar coisas, pagar a igreja e, estava decidido, haveria festa.
Ele tinha que pintar paredes, entregar convites e todo um etc. e tal sem fim.
Não havia muito tempo para quase nada, muito menos para conversas ou pequenas
declarações de amor. Então, João namorava calado para o estranhamento da
namorada. Como o dinheiro, João economizava as palavras no peito para os dias
de precisão.
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