terça-feira, 31 de março de 2020
historias da unha do dedao do pe do fim do mundo
Manoel de Barros é uma paixão para mim porque o invejo. Invejo o mundo que ele criou com suas palavras porque nele eu queria viver. O mundo do Manoel é mais bonito, mais simples e mais verdadeiro do que tudo que eu vejo todo santo dia. Nos dias de hoje, tão pesados, a leveza de Manoel leva minha alma a sonhar.
Um pouco de Manoel de Barros em forma de desenho animado para trazer por cá alguma animação.
Hoje eu queria ser beija-flor
ou borboleta,
desimportante e feliz
esquecida dentro de mim mesma
entre flores, folhas
e a sombra cheirosa que só fazem as mangueiras.
Um abraço desde longe, de braços esticado e vontade cheia.
domingo, 29 de março de 2020
Diário da Torre
Diário da Torre
Depois de uma
semana fechada sozinha na torre o que posso dizer é que não tenho qualquer
vocação para Rapunzel. Isso de estar trancada é muito mais difícil do que
parece, e a verdade é que apenas depois de passar por algo assim conseguimos
compreender o que realmente significa não poder colocar os pés na rua para
viver. A nossa casa será sempre refúgio onde nos sentimos bem. Porém, é fora
dela que grande parte de quem somos respira e acontece a vida.
Para além da
loucura que é estar trancada, é difícil ver a loucura que é a vida ser virada
de ponta cabeça do lado de fora da janela. É assustador imaginar quem
perderemos, quantas pessoas perderemos, e o que será a vida com tanta ausência
dentro de nós. Apavorei-me como nunca antes me sentira apavorada. E, no meio da
semana, surtei. Entrei em pânico pensando no tamanho da desgraceira que nos
espera. Travei; congelei dentro de mim.
Parei, esqueci o
mundo um pouquinho e respirei durante um dia. Respiraram comigo os amigos e a família
que estavam ao meu lado desde longe. Melhorei, mesmo que quase nada tenha mudado. Não sei o que acontecerá e para mim, que
geralmente finco os pés no chão e controlo toda a minha vida, a incerteza
incomoda. Hoje apenas sei que cá por dentro está uma tristeza pesada, e a certeza de que choraremos muitas vezes.
Talvez muita
gente tenha surtado, afinal, não estávamos preparados para uma pandemia como as
vistas no cinema e que pareciam pertencer a tempos medievais. Ainda não
estamos. Contudo, depois do primeiro susto começo a perceber que estamos a nos
organizar. Agora, apesar de toda a dificuldade que virá, já percebo que
lutaremos juntos. Aqui é: cada um na sua casa e, ao mesmo tempo, todos juntos.
p.s. Eu fugi para
casa do meu pai. Ufa... agora consigo respirar mais tranquilamente com um
quintal para ver o sol e com a certeza de que o papito não vai se aventurar num
supermercado por aí. Seguimos juntos.
domingo, 22 de março de 2020
Eu Me Lembro...
Minha Cabeça
Minha cabeça não é
Flor que se cheire, não é
Minha parceira, não faz
Nada que eu peço
Minha cabeça repete
As mesmas coisas, repete
As mesmas coisas, até
Não ter mais coisa
Minha cabeça escreve
Mil roteiros com fins
Mirabolantes em que
Ninguém sai vivo
Minha cabeça é tão
A minha cara, que eu
Fico de cara quando eu
Lembro que existo
Só quem consegue calar
Tudo aqui dentro, arrumar
Tudo aqui dentro, é você
Só quem consegue fazer
Psiu aqui dentro, botar
Ordem aqui dentro, é você
Minha cabeça é pior
Durante a noite
Porque ela fala mais alto
E tem muitas certezas
Minha cabeça me faz
Crer que eu sou doida, e aí
Me deixa doida, vê só
A ironia
Minha cabeça não quer
Calar a boca, sequer
Por um segundo, pra eu
Ouvir os outros
Minha cabeça só faz
Me passar a perna, e eu não sei
Se ela é minha ou se
Eu que sou dela
Só quem consegue calar
Tudo aqui dentro, arrumar
Tudo aqui dentro, é você
Só quem consegue fazer
Psiu aqui dentro, botar
Ordem aqui dentro, é você
Minha cabeça, alguém cala
Minha cabeça, alguém tira
Minha cabeça, alguém troca
Minha cabeça, alguém muda
Minha cabeça, alguém cala
Minha cabeça, alguém tira
Minha cabeça, alguém troca
Minha cabeça, alguém muda
Minha cabeça, alguém cala
Minha cabeça, alguém tira
Minha cabeça, alguém troca
Minha cabeça, alguém muda
Minha cabeça, alguém chuta
Minha cabeça, alguém mata
Minha cabeça, alguém soca
Minha cabeça, alguém corta
Minha cabeça, alguém cala
Minha cabeça, alguém tira
Minha cabeça, alguém troca
Minha cabeça, alguém corta
terça-feira, 17 de março de 2020
hoje
hoje
de uma torre de pedra observamos a vida
que aqui desacelera
pau la ti na men te
proibido o beijo,
o desejo
o abraço agora é
crime,
fetiche old school que ficou em tempos passados
pandemia em tempos modernos
é vivida através das telas sem cheiro e sabor
e por aqui fica a certeza de que o passado
não é algo tão distante assim quanto imaginávamos
afinal, ainda
somos
meros mortais
quinta-feira, 12 de março de 2020
quarta-feira, 11 de março de 2020
Olhos
Olhos
fecho os olhos para enxergar
realizar
o intenso desejo do qual faço parte
toda a humanidade
dentro de mim apenas uma ínfima parte
inteira
pedaço que a mim me cabe
com toda a alegria do mundo e suas mazelas
respiro
reflito sobre a desimportância vital da minha existência
e sorrio
sou a gota d’água, o grão de areia
e a essência de meu universo inteiro
abro os olhos apenas para ver
com olhos tranquilos
uma outra parte de mim;
você
domingo, 8 de março de 2020
domingo, 1 de março de 2020
A dobrar o Cabo...
A dobrar o Cabo...
Meio século me parece
uma maneira um tanto dramática para designar 50 anos. Ui, a verdade é que dizer
tal número tão redondo, e cheio de peso, perto da palavra anos não suaviza em
nada o problema: a tal idade é mesmo assustadora. Pois, não é que eu, para o
meu desgosto, ou gosto, já que ainda respiro, estou a caminho da tal idade a
passos largos. Meu Deus, estou velha! (risada... ou algo que a isso se
assemelha)
Lembro-me de
pensar, lá pelos 20 anos, que em 2020 eu teria 50 anos e isso me parecia um
futuro tão longínquo quanto aqueles das ficções cientificas. Flashfoward para
carros voadores e vestuários insípidos, imagens que pululavam minha cachola a
imaginar, então, um futuro que só aconteceu em teoria. Amém! Gosto bem mais
desse futuro orgânico que temos.
Bom, o futuro
não aconteceu como eu imaginava, apesar de ter hoje a independência e a liberdade
que desde a infância eu queria. Objetivo número 01 para minha existência era então:
ninguém me diria o que eu deveria fazer. E cá estou, dona do meu nariz e do resto do
corpo que já não é o mesmo; isso, aliás, é um tanto difícil de digerir. Contudo,
a verdade é que desde que iniciamos o 2020 tenho me sentido mais à vontade com a
tal idade. Sei lá, acho que estou a pendurar as luvas da juventude. Entreguei-me.
(kkkkkkkkkk...)
Não há planos
para festa, podem todos tirar o tal cavalo da chuva, posto que de maneira
alguma vou me dar ao absurdo de apagar tais e tantas velinhas. Um horror! Os
planos são para uma viagem, seja lá para onde for, em boa companhia. Ver o mundo
ainda é uma das coisas que mais me agrada, mesmo que ele esteja menos
inteligente e democrático do que eu gostaria. Às vezes parece que a humanidade
caminha de marcha ré, e isso sim me dói muito perceber.
Bom, seja lá
como for, sinto que agora chega a hora de imaginar um novo futuro enquanto
aproveito o início da tal vida de uma senhora que já dobrou o tal Cabo da Boa
Esperança. Que venham as novas aventuras!
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