domingo, 29 de março de 2020

Diário da Torre




Diário da Torre

Depois de uma semana fechada sozinha na torre o que posso dizer é que não tenho qualquer vocação para Rapunzel. Isso de estar trancada é muito mais difícil do que parece, e a verdade é que apenas depois de passar por algo assim conseguimos compreender o que realmente significa não poder colocar os pés na rua para viver. A nossa casa será sempre refúgio onde nos sentimos bem. Porém, é fora dela que grande parte de quem somos respira e acontece a vida.

Para além da loucura que é estar trancada, é difícil ver a loucura que é a vida ser virada de ponta cabeça do lado de fora da janela. É assustador imaginar quem perderemos, quantas pessoas perderemos, e o que será a vida com tanta ausência dentro de nós. Apavorei-me como nunca antes me sentira apavorada. E, no meio da semana, surtei. Entrei em pânico pensando no tamanho da desgraceira que nos espera. Travei; congelei dentro de mim.

Parei, esqueci o mundo um pouquinho e respirei durante um dia. Respiraram comigo os amigos e a família que estavam ao meu lado desde longe. Melhorei, mesmo que quase nada tenha mudado. Não sei o que acontecerá e para mim, que geralmente finco os pés no chão e controlo toda a minha vida, a incerteza incomoda. Hoje apenas sei que cá por dentro está uma tristeza pesada, e a certeza de que choraremos muitas vezes.

Talvez muita gente tenha surtado, afinal, não estávamos preparados para uma pandemia como as vistas no cinema e que pareciam pertencer a tempos medievais. Ainda não estamos. Contudo, depois do primeiro susto começo a perceber que estamos a nos organizar. Agora, apesar de toda a dificuldade que virá, já percebo que lutaremos juntos. Aqui é: cada um na sua casa e, ao mesmo tempo, todos juntos.

p.s. Eu fugi para casa do meu pai. Ufa... agora consigo respirar mais tranquilamente com um quintal para ver o sol e com a certeza de que o papito não vai se aventurar num supermercado por aí. Seguimos juntos.

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