quarta-feira, 29 de abril de 2020

perdidos




perdidos


Estamos perdidos

falidos

fodidos

sem rumo

direção ou destino

mais sozinhos do que nunca entre milhões

e seguimos

seguimos numa carroça ladeira abaixo,

guiados por uma mula míope e acéfala de palas nos olhos;

perdidos

O futuro me assusta

me assusta mais do que qualquer estória do Stephen King

mais do que o mal que eu percebo dentro de mim

bora dar rewind na fita só desta vez

e voltar para o tempo no qual a vida parecia estar  em nossas mãos

quero, novamente, a minha capacidade de acreditar

na ilusão

aqui

a dizer que sim

E agora?





JOSÉ

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
(...)
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho do mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Carlos Drummond de Andrade


E agora? 

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Não Existe Amor em SP



Com a realidade escancarada fica mais difícil fingir que não vemos
não sabemos
não reconhecemos
a falta de amor e solidariedade tão características do mundo brasileiro
Não existe amor em SP
cinza e fria ela e nós seguimos
quase sem vida

terça-feira, 21 de abril de 2020

Em casa à deriva



Em casa à deriva

Escrever é uma terapia solitária e desavergonhada que me acompanha há alguns anos. Expressão mais sincera daquilo que cá por dentro me enche a cabeça e o coração. Gosto muito de escrever porque a escrita me conforta, porque dessa maneira não se empilham nem se perdem as ideias e os sentimentos escondidos na cachola que não para de pensar. Ao escrever guardo-os fora de mim e, sendo assim, a tal escrita é quase tão terapêutica quanto a meditação.

Tenho escrito pouco, quase nada. E isso me incomoda bastante porque quiçá me mostre que com o passar dos anos, destes últimos anos, estou cada vez mais distante de tudo e calada. (risos) Eu sei, isso de eu estar calada parece piada para qualquer um que me conheça um pouco melhor. Eu calada é algo tão raro quanto um eclipse solar. Muito raro mesmo.

É verdade que tenho escrito pouco porque ando a trabalhar muito. E, não, a escrita não é, e não pretendo que seja jamais, trabalho. Falta-me talento para tal e gosto de nutrir a bonita ideia de que ela seja única e exclusivamente uma paixão. Sem regras e nem razões alheias a mim. Uma vez um amigo me disse que eu gosto de viver como se a vida fosse poesia. Um tanto fantasiosa e dramática. Pois, ele tinha razão.

Por esses dias, em meio a tal pandemia, tem me sobrado um pouco mais de tempo e há dias ensaio colocar no papel digital algumas palavras. Só ensaio. Sobra-me tempo; falta-me a vida talvez? Não sei. O que sei é que me sinto em suspensão, como se estivesse a flutuar no espaço sem direção. Vago, náufraga à deriva, sem sair do lugar e foge-me qualquer sentimento e quase todo pensamento. Quiçá muitos sintam-se assim, um tanto perdidos sem saber muito bem o que sentem e pensam de tudo que temos vivido por esses dias.

A única certeza que tenho é de que não vejo a hora de sair por aí. Quero encontrar os amigos, abraçar meus miúdos, sentar numa mesa de bar, andar de bicicleta no Ibirapuera, ir ao cinema, fazer uma festa em casa cheia de gente, viajar. Quero a rua!

Bom, é fato que algumas coisas boas ganhamos com a tal pandemia e a quarentena que parece eterna. Eu ganhei muitos dias e muito tempo com o meu pai. Há alguns anos não passávamos tanto tempo juntos e quase já sinto falta destes dias com ele porque sei que eles terminarão. Dias de muitos jogos antigos de futebol na TV, de yoga pela manhã, de almoços com conversa e de uma companhia que a mim me fazia falta; muita falta.

In My Heart

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Preta Pretinha... Acabou





Uma voz a menos cantando quem somos nós,
e o Brasil mais silencioso
e eu a lamentar o fim de quem esteve aqui a minha vida inteira
mudos por cá nós choramos a perda de Moraes Moreira.
Preta, Preta, Pretinha acabou.
Já não descemos mais a ladeira a cantar


Preta Pretinha
Novos Baianos

Enquanto eu corria
Assim eu ia
Lhe chamar!
Enquanto corria a barca
Lhe chamar!
Enquanto corria a barca
Lhe chamar!
Enquanto corria a barca

Por minha cabeça não passava
Só! Somente só!
Assim vou lhe chamar
Assim você vai ser
Só! Só! Somente só!
Assim vou lhe chamar
Assim você vai ser
Só! Somente só!
Assim vou lhe chamar
Assim você vai ser

Laiá larará lararará larará
Preta, preta, pretinha!
Preta, preta, pretinha!
Preta, preta, pretinha!
Preta, preta, pretinha!

Abre a porta e a janela
E vem ver o sol nascer
Abre a porta e a janela
E vem ver o sol nascer
Abre a porta e a janela
E vem ver o sol nascer
Abre a porta e a janela
E vem ver o sol nascer
Abre a porta e a janela
E vem ver o sol nascer
Abre a porta e a janela
E vem ver o sol nascer

Eu sou um pássaro
Que vivo avoando
Vivo avoando
Sem nunca mais parar
Ai, ai! Ai, ai! Saudade
Não venha me matar
Ai, ai! Ai, ai! Saudade
Não venha me matar
Ai, ai! Saudade
Não venha me matar
Ai, ai! Ai, ai! Saudade
Não venha me matar


Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira


Quem desce do morro
Não morre no asfalto
Lá vem o Brasil descendo a ladeira
Na bola, no samba, na sola, no salto
Lá vem o Brasil descendo a ladeira
Na sua escola é a passista primeira
Lá vem o Brasil descendo a ladeira
No equilíbrio da lata não é brincadeira
Lá vem o Brasil descendo a ladeira

E toda cidade que andava quieta
Naquela madruga acordou mais cedo
Arriscando um verso, gritou o poeta
Respondeu o povo num samba sem medo
Enquanto a mulata em pleno movimento
Com tanta cadência descia a ladeira
A todos mostrava naquele momento
A força que tem a mulher brasileira


quarta-feira, 8 de abril de 2020

Sem tempo



Sem tempo


O tempo para

                        pela primeira vez para nós

enquanto 

                   e  ao mesmo tempo

o mesmo tempo voa

                                                                         enlouquecido pelas ruas vazias

Cronos sem freios passeia solitário e sem rumo

                             rumo a

um ano que antes de começar

termina

pela segunda vez na vida o futuro me dá

medo

porque, de soslaio, antevejo

vestida de branco e a afiar as garras

a imensa tristeza,

que de mãos dadas ao nosso porvir,

                                                              caminha

sexta-feira, 3 de abril de 2020