A Sra. Lygia Fagundes Teles, com
toda a sua oratória fluida e de excelência, teve seu ponto final numa história
de mais de 100 anos. Nosso país, por onde anda em baixa o uso das faculdades
mentais, perde uma mulher cheia de inteligência e lógica. Perdemos todos.
Um pouco de Lygia Fagundes Telles
Solução melhor é não enlouquecer
mais do que já enlouquecemos, não tanto por virtude, mas por cálculo. Controlar
essa loucura razoável: se formos razoavelmente loucos não precisaremos desses
sanatórios porque é sabido que os saudáveis não entendem muito de loucura. O
jeito então é se virar em casa mesmo, sem testemunhas estranhas. E sem
despesas.
Não separe com tanta precisão os
heróis dos vilões, cada qual de um lado, tudo muito bonitinho como nas
experiências de química. Não há gente completamente boa nem gente completamente
má, está tudo misturado e a separação é impossível. O mal está no próprio
gênero humano, ninguém presta. Às vezes a gente melhora. Mas passa... E que
interessa o castigo ou o prêmio? Tudo muda tanto que a pessoa que pecou na
véspera já não é a mesma a ser punida no dia seguinte.
Quero ficar só. Gosto muito das pessoas,
mas essa necessidade voraz que às vezes me vem de me libertar de todos.
Enriqueço na solidão: fico inteligente, graciosa e não esta feia ressentida que
me olha do fundo do espelho. Ouço duzentas e noventa e nove vezes o mesmo
disco, lembro poesias, dou piruetas, sonho, invento, abro todos os portões e
quando vejo a alegria está instalada em mim.
Quero te dizer que nós as
criaturas humanas, vivemos muito (ou deixamos de viver) em função das
imaginações geradas pelo nosso medo. Imaginamos consequências, censuras, sofrimentos
que talvez não venham nunca e assim fugimos ao que é mais vital, mais profundo,
mais vivo. A verdade, meu querido, é que a vida, o mundo, dobra-se sempre às
nossas decisões. Não nos esqueçamos das cicatrizes feitas pela morte. Nossa
plenitude, eis o que importa. Elaboremos em nós as forças que nos farão plenos
e verdadeiros.
Na vocação para a vida está
incluído o amor, inútil disfarçar, amamos a vida. E lutamos por ela dentro e
fora de nós mesmos. Principalmente fora, que é preciso um peito de ferro para
enfrentar essa luta na qual entra não só o fervor, mas uma certa dose de
cólera, fervor e cólera. Não cortaremos os pulsos, ao contrário, costuraremos
com linha dupla todas as feridas abertas.
Aprendi desde cedo que fazer
higiene mental era não fazer nada por aqueles que despencam no abismo. Se
despencou, paciência, a gente olha assim com o rabo do olho e segue em frente.
Imaginava uma cratera negra dentro da qual os pecadores mergulhavam sem
socorro. Contudo, não conseguia visualizar os corpos lá no fundo e isso me
apaziguava. E quem sabe um ou outro podia se salvar no último instante,
agarrado a uma pedra, a um arbusto?... Bois e homens podiam ser salvos porque o
milagre fazia parte da higiene mental. Bastava merecer esse milagre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário