Olhos
Ana fechou os olhos secos. Há tanto tempo
abertos, escancarados, desidratados; esperando enxergar algo inexistente. Aquela
mulher pequena fechou os olhos para melhor ver o que se passava pela alma dela;
aquele lugar onde ela habita, onde poucos, muito poucos, habitam tranquilos
como se o tempo não existisse. O amor nunca termina. Fica apenas escondido dos
outros e de nós mesmos por detrás de um grande armário, no fundo de uma gaveta.
Ana fechou os olhos cansados para
procurar no escuro de toda a existência o amor dela. Para saber e perceber se ele
ainda respirava, mesmo que pouco, aos poucos. Mesmo que fraco como um fiapo;
ajudado por aparelhos. O amor nunca termina. Apenas seca escondido na terra,
como secos estavam os olhos da menina. Porém, basta chover, não? Pensou ela.
Ana fechou os olhos, sem muita vontade
de abri-los depois. Queria apenas estar. Sem pensar, sem saber, sem querer. Queria
ser um grande jatobá carregado de flores e frutos, sozinho no meio de uma planície
de gramínea rasteira e montanhas ao fundo. Sem olhos de gente por perto a mulher
de tronco e galhos, cheia de folhas, seria feliz a ouvir o canto dos
passarinhos que por seus galhos montassem seus ninhos.
Ana abriu seus olhos, e o mundo cá
fora não lhe parecia tão belo quanto toda a planície que ela concebia por
detrás da retina. E pensou, tranquila, que seria melhor ser árvore grande a
olhar os campos de cima. Suas flores abertas a perfumar o ar, seus frutos
maduros tombando por terra, seus galhos bercinhos para os ovos de
passarinhos... O amor não termina, não morre. Apenas se esconde dentro do
coração da gente pelo resto da vida.
Ana fechou os olhos.
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