quinta-feira, 30 de junho de 2011

O Doce Carlos


O ELEFANTE 
                   ( Carlos Drummond de Andrade )

    Fabrico um elefante
    de meus poucos recursos
    Um tanto de madeira
    tirado a velhos móveis
    talvez lhe dê apoio .
    E o encho de algodão,
    de paina , de doçura .
    A cola vai fixar
    Suas orelhas pensas.
    A tromba de enovela,
    É a parte mais feliz
    de sua arquitetura .


    Mas há também as presas,
    dessa matéria pura
    que não sei figurar .
    Tão alva essa riqueza
    a espojar-se nos circos
    sem perda ou corrupção .
    E há por fim os olhos,
    onde se deposita
    a parte do elefante
    mais fluida e permanente,
    alheia a toda fraude .


    Eis meu pobre elefante
    pronto para sair
    à procura de amigos
    num mundo enfastiado
    que já não crê nos bichos
    e duvida das coisas .
    Ei-lo , massa imponente
    e frágil , que se abana
    e move lentamente
    a pele costurada
    onde há flores de pano
    e nuvens , alusões
    a um mundo mais poético
    onde o amor reagrupa
    as formas naturais .


     Vai meu elefante
     pela rua povoada ,
     mas não o querem ver
     nem mesmo para rir
     da cauda que ameaça
     deixá-lo ir sozinho .


     É todo graça. Embora
     as pernas não ajudem
     e seu ventre balofo
     se arrisque a desabar
     ao mais leve empurrão.
     Mostra com elegância
     sua mínima vida ,
     e não há na cidade
     alma que se disponha
     a recolher em si 
     desse corpo sensível
     a fugitiva imagem,
     a passo desastrado
     mas faminto e tocante .


     Mas faminto de seres
     e situações patéticas,
     de encontros ao luar
     no mais profundo oceano,
     sob a raiz das árvores
     ou no seio das conchas ,
     de luzes que não cegam
     e brilham através
     dos troncos mais espessos.
     Esse passo vai
     sem esmagar as plantas
     no campo de batalha,
     a procura de sítios,
     segredos, episódios
     não contados em livro,
     de que apenas o vento,
     as folhas, a formiga
     reconhecem o talhe,
     mas que os homens ignoram,
     pois só ousam mostrar-se
     sob a paz das cortinas
     à pálpebra cerrada .


     E já tarde da noite
     volta meu elefante,
     mas volta fatigado,
     as patas vacilantes
     se desmancham no pó.
     Ele não encontrou
     o que carecia,
     o de que carecemos,
     eu e meu elefante,
     em que amo disfarçar-me.
     Exausto de pesquisa,
     caiu-lhe  o vasto engenho
     como simples papel.
     A cola se dissolve
     e todo o seu conteúdo
     de perdão , de carícia,
     de pluma , de algodão ,
      jorra sobre o tapete,
      qual mito desmontado.
      Amanhã recomeço.
Dedicatória
Poema um dia dedicado
àquele que perturba  meu sono
porque não está a meu lado
mas que mesmo assim
vive ainda aqui
a acompanhar meus passos
completamente descompassados
 (by me)

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