segunda-feira, 13 de junho de 2011

Pessoa

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
Fernando Pessoa


Fernando Pessoa nasceu no dia 13 de Junho de 1888, ano no qual aqui no Brasil abolíamos a escravatura, pelo menos no papel, que isso das pessoas serem livres, iguais e não serem exploradas ainda não o temos nós cá por estes dias. Pois que, a cada dia que passa, parece ficar mais claro que o homem, apesar de toda a evolução, é realmente o lobo do homem e que um dia, inexoravelmente, irá devorar-se comprovando assim sua natureza antropofágica.
Mas, voltando ao que interessa, hoje, se estivesse vivo Pessoa faria 123 anos, o que seria tão fantástico quanto sua poesia e, ao mesmo tempo, assombroso também. A idéia de termos um Pessoa ainda vivo me faz pensar em tudo o que ele poderia ter dito, no quanto ele poderia ter escrito e descrito sobre a alma humana; algo que me soa infinito, pois que nem em muitas vidas conseguiríamos dar conta de tanta genialidade. Ainda hoje, não conseguimos parar de admirá-lo pela modernidade de seus pensamentos, pelo frescor que encontramos em seus poemas, pela pluralidade de seu gênio e personalidade. Um homem nascido para as palavras, para a poesia e destinado a ter seu nome a ecoar durante muitos séculos à frente.
Apesar de ter nascido em 1888, numa Lisboa que quase já não existe mais, e de ter morrido apenas 47 anos depois, ao lermos sua obra percebemos que Fernando Pessoa tem aquela qualidade dos gênios que o torna atemporal como poucos puderam ser. O que este querido autor português escreveu não pertence ao seu tempo nem mesmo à própria pessoa franzina que constituía todo o seu ser, a poesia de Fernando Pessoa, assim como o teatro de Shakespeare, parecerá sempre algo que foi escrito ontem por alguém que entende como ninguém os dilemas contemporâneos.
Adoro escrever, mesmo sabendo de minhas limitações na área, contudo, neste caso, acho que vale muito mais à pena ser o mais breve possível, para que assim possamos gastar nosso precioso tempo com alguém que realmente vale ler. Então, vamos ao Sr Fernando Pessoa e, espero que vocês o aproveitem tanto quanto eu.  
Boa semana e um beijo português (doce e melancólico como os fados)

(by Carlos Pac Nobre)
Poema em linha reta
Fernando Pessoa(Álvaro de Campos)
[538]

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

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