Ontem montamos a árvore de Natal
aqui em casa que, de maneira a “homenagear” a todos aqui, tem enfeites que
representam cada membro desta família que ganhei durante a vida. Adoro montar
árvores de Natal e gosto muito desta época que desde 2012 voltou a
apresentar-se como um momento muito feliz: uma volta a São Paulo para ficar
junto aos meus, minha família e meus amigos, por um bom tempo. Antes, quando eu
vivia em Sampa, eu gostava muito da Páscoa porque aquela era a época que eu
vinha à Fortaleza para estar com estes daqui que, por méritos, também são meus.
Pois, parece-me que as saudades são condição sine qua non desta minha existência que, por minha própria escolha,
é dividida. Eu queria ser muitas para poder estar em todos os lugares ao mesmo
tempo. Mas, não dá.
Contudo, voltando à minha “bola
de Natal”, aquela que me representa. Bom, devo dizer que gostei demasiado dela,
e que acho mesmo que tem a minha cara: uma caveira mexicana, colorida, bem
humorada e com cara de maluca. Ou seja, tem muito de mim. (risada) Brincadeiras
à parte, na verdade, gosto muito destas representações da morte mexicanas, além
de gostar muito de sua estética, por elas explicarem-me muito de como sinto a
vida. Não tenho medo algum da morte, pelo menos não da minha que pouco me
afetaria no final das contas, e sinto que a vida em seu percurso ensina-nos a
não temê-la.
Durante a vida deixamos de ser
quem já fomos até outro dia inúmeras vezes. Eu não sou mais a menina que fui um
dia, ou a adolescente da época do colégio, nem... Bem, não sou mais nem quem eu
era há 12 meses. E, apesar do desconforto e da dor que a mudança traz num
primeiro momento, não há como negar que é ela, a mudança e a transformação que dela
resulta, que nos faz sentirmo-nos vivos. Que faz a vida ser bela e valer a pena. E, por
esse ponto de vista, a morte nada mais é que uma nova mudança, não?
Claro que sinto muita falta dos
que já morreram. Só eu sei quanta saudade sinto dos meus avós e de outros que
eu, por mais que queira, não posso rever. E é claro também que não queria
jamais ter que sentir a morte dos que amo, nunca. Muito ao revés do que brinca
meu pai, a cada dia que passa, eu percebo menos reconfortante a resposta à
notícia da morte de alguém – “Antes ele do que eu.”. E, por isso mesmo, gosto
muito do que representam as caveiras mexicanas.
De acordo com as crenças astecas,
maias e de outros povos que cá estavam antes de nós e que constituem, (para
minha grande felicidade), muito de quem somos - latino-americanos, a morte nada
mais é do que uma passagem, uma transição. Por isso mesmo, sua festa mais
alegre é o dia dos mortos. Porque nesse dia, no qual lembramos os que já
morreram, “recebemos a visita” daqueles que ainda amamos e que, por enquanto,
estão longe de nós. Mas é fato: um dia nos encontraremos outra vez, e disso,
não há cristão ou pagão que duvide. Há? Então, um dia, estas saudades também
morrerão.
Portanto, entre os maias e Albert
Einstein que dizia crer na existência de Deus quanto mais compreendia o
Universo cientificamente, sinto-me confortavelmente esperando pelas próximas
mudanças e pelas transformações que com elas chegarão. Que venha o próximo ano!
Um beijo e boa semana.
"I, at any rate, am convinced that He
(God) does not throw dice."
Fernando Pessoa é uma de minhas
paixões, uma daquelas que começaram na adolescência e que não têm tempo para
terminar. Uma admiração que, como o objeto desta, multiplica-se com os anos e
amplia-se, e que muito ao revés deste cavalheiro, não é nada única ou
particular. O Mundo admira a este poeta desde muito antes de eu respirar pela
primeira vez e, com certeza, assim o será muito depois d’eu cerrar os olhos pela
última. Isso, porque Pessoa foi um gênio tal como o foram Mozart, Gaudí, Michelangelo
e Einstein, por exemplo. Ele foi, e o é, inacreditável.
Eu, por minha vez, admiro-o tanto
que já dei por falar sobre este Senhor ou citá-lo inúmeras vezes. E, isso não
quer dizer que eu saiba e entenda muito sobre este homem, não. Quer dizer que
ele me é um enigma, que me encanta todas as vezes que o leio e releio como
hoje; e que muito de todo este encantamento advém do fato dele parecer-me algo
difícil de entender ou explicar. Eu não quero entendê-lo, não tenho tal pretensão. Quero,
apenas, senti-lo. Sentir alguém que, para mim, se assemelha às Cordilheiras dos
Andes pelo tamanho de sua obra, e que me faz pensar, “Meu Deus, como isso é
possível? Que engenho mágico é este homem pelo Senhor feito?”.
Por mais que eu o leia e releia,
não consigo atinar como um único homem foi capaz desta imensidão que é a obra
de Pessoa, não só por seu volume e diversidade, mas também por seu teor e pela
força que as palavras escritas por ele têm, até hoje. Envergonho-me dos meus
rabiscos, mas conformo-me quando lembro que a intenção destes é apenas terapêutica,
nada mais. Escrever impede-me de enlouquecer. Por outro lado, sinto orgulho de
ter como minha a língua de Fernando Pessoa, e creio piamente que todos os
portugueses deste mundo deveriam sentir-se grandiosos por compartilharem com
ele não apenas as palavras, mas também as ruas, os cafés, o falar metálico e
melancólico, a visão do Tejo... Enfim, por serem eles uma parte do maior poeta
desde sempre.
Sem regras, conceitos ou teorias
para explicá-lo, gosto de ter Fernando em minhas mãos apenas pelo prazer de
tê-lo. Apenas para sentir o quão gigantesco foi aquele homem de talhe tão pequeno
e de alma oceânica. Ao ler Pessoa, tenho a sensação que as palavras fluem nele
como se dele elas nascessem. Como se antes de ser constituído de ossos e
carnes, este homem português tivesse sido feito de palavras e letras. Fernando
Pessoa nasceu homem, mas foi durante toda a sua vida um poema. Por isso, digo e
repito: Eu adoro ler o Fernando Pessoa.
Lisboa, desde o Castelo de São Jorge em Outubro de 2012.
LISBON REVISITED (1923)
Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafisica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem
conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!)
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
Ó céu azul o mesmo da minha infância ,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
Som do Mau e seus amigos, ou melhor, Maurício Gerace e Trio. Menino que eu gosto desde a época em que ele ainda andava agarrado aos pais, e que depois de grande anda a fazer um som lindo de se ouvir.