domingo, 10 de novembro de 2013

Fernando Pessoa (mais uma vez)


Fernando Pessoa é uma de minhas paixões, uma daquelas que começaram na adolescência e que não têm tempo para terminar. Uma admiração que, como o objeto desta, multiplica-se com os anos e amplia-se, e que muito ao revés deste cavalheiro, não é nada única ou particular. O Mundo admira a este poeta desde muito antes de eu respirar pela primeira vez e, com certeza, assim o será muito depois d’eu cerrar os olhos pela última. Isso, porque Pessoa foi um gênio tal como o foram Mozart, Gaudí, Michelangelo e Einstein, por exemplo. Ele foi, e o é, inacreditável.

Eu, por minha vez, admiro-o tanto que já dei por falar sobre este Senhor ou citá-lo inúmeras vezes. E, isso não quer dizer que eu saiba e entenda muito sobre este homem, não. Quer dizer que ele me é um enigma, que me encanta todas as vezes que o leio e releio como hoje; e que muito de todo este encantamento advém do fato dele parecer-me algo difícil de entender ou explicar. Eu não quero entendê-lo, não tenho tal pretensão. Quero, apenas, senti-lo. Sentir alguém que, para mim, se assemelha às Cordilheiras dos Andes pelo tamanho de sua obra, e que me faz pensar, “Meu Deus, como isso é possível? Que engenho mágico é este homem pelo Senhor feito?”.

Por mais que eu o leia e releia, não consigo atinar como um único homem foi capaz desta imensidão que é a obra de Pessoa, não só por seu volume e diversidade, mas também por seu teor e pela força que as palavras escritas por ele têm, até hoje. Envergonho-me dos meus rabiscos, mas conformo-me quando lembro que a intenção destes é apenas terapêutica, nada mais. Escrever impede-me de enlouquecer. Por outro lado, sinto orgulho de ter como minha a língua de Fernando Pessoa, e creio piamente que todos os portugueses deste mundo deveriam sentir-se grandiosos por compartilharem com ele não apenas as palavras, mas também as ruas, os cafés, o falar metálico e melancólico, a visão do Tejo... Enfim, por serem eles uma parte do maior poeta desde sempre.


Sem regras, conceitos ou teorias para explicá-lo, gosto de ter Fernando em minhas mãos apenas pelo prazer de tê-lo. Apenas para sentir o quão gigantesco foi aquele homem de talhe tão pequeno e de alma oceânica. Ao ler Pessoa, tenho a sensação que as palavras fluem nele como se dele elas nascessem. Como se antes de ser constituído de ossos e carnes, este homem português tivesse sido feito de palavras e letras. Fernando Pessoa nasceu homem, mas foi durante toda a sua vida um poema. Por isso, digo e repito: Eu adoro ler o Fernando Pessoa.

Lisboa, desde o Castelo de São Jorge em Outubro de 2012.



LISBON REVISITED (1923)

Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafisica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) ­
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

Ó céu azul ­ o mesmo da minha infância ­,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

Álvaro de Campos

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