Minha mãe conta que quando
criança eu afirmava, cheia da confiança e da tranquilidade tão comuns aos piamente
crentes em suas capacidades, que quando eu crescesse seria uma cientista. Não que
eu amasse as ciências, nunca me interessei muito por elas. A verdade é que esta
era a maneira mais prática por mim imaginada para resolver o maior dos
problemas, a única coisa que poderia me assombrar. Eu seria cientista, e como
tal inventaria uma pílula que não deixaria ninguém morrer. Assim, sem motivos
para medos, resolvia-se feito passe de mágica o maior dos medos de toda criança
por mim – a morte de dos pais.
Os medos de criança passam, e
isso dá-nos pena quando somos adultos porque então também somem as mágicas
soluções. Os meus medos incluíam uma eminente guerra atômica, a perda dos meus
pais e a possibilidade de um dia topar de frente com um urso ou um leão (apesar
de saber que leões e ursos em São Paulo eram vistos apenas no zoológico. Vai
entender?!). Por motivos que desconheço, talvez por uma criação cheia de amor e
liberdade para brincar ou porque sempre foi característica minha sentir-me
segura e certa sobre tudo que penso, (defeito e/ou qualidade que persiste até
os dias de hoje), para todas estas mazelas havia uma solução por mim pensada e
repensada, tida como certa e infalível. E sem mais nem menos, eu cresci
tranquila e feliz.
Depois, durante um bom tempo da
vida não há muito tempo para medos. Chega a adolescência e há tanto a sentir, a
descobrir; tanto a fazer que não nos sobra tempo para pensarmos muito nos
outros. E pela vida vamos esquecendo um pouco de nossos pais, esquecemos a
família, esquecemos os medos e queremos simples e unicamente viver tudo. Somos os
malandros que sabem de tudo e querem tudo. Tudo e muito mais.
Pois, não é que Deus, o mais sábio
dos malandros, fez o Mundo redondo em tom de ironia e de propósito. E por sua
redondeza não há como evitar: o Mundo dá voltas e nós nele somos levados, meio
que por acaso e um pouco a contra gosto, para o ponto de partida.
E nesse ponto da vida, no momento
em que vemos tudo o que passou de frente, entendemos que a infância não está
tão distante de nós como parecia. De repente, não mais do que de repente como
nos ensina o poeta, queremos mesmo é ser criança e poder voltar pra casa dos
pais. Queremos ter colo todo santo dia, ver a mãe da gente a preparar-nos o
café da manhã e o pai, dono de toda a autoridade do Mundo, a dizer-nos não. “Não
porque não e ponto final.”, assim o meu pai dizia em alto e bom tom.
Pois 2, eu, por aqui, ando com
uma saudade avassaladora das minhas soluções e certezas de menina porque o tempo
passou, e porque hoje eu sei que não há pílula no mundo que evite a morte. Não há
como para-la. E sinto pena, pena de mim, de todos nós que não temos mais as
mágicas soluções de meninos e meninas à mão. Agora, menos do que na infância, e
muito menos ainda do que na adolescia sinto-me pronta para a perda de meus
pais, dos velhos tios, de alguns amigos. Por estes dias o que eu mais queria
era poder ser cientista mais uma vez, uma cientista capaz de inventar tudo o
que o coração mandar.
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