Quando eu era criança, (já faz muito tempo, eu sei), os
objetos significavam muito menos do que significam hoje, e eles para além de
suas funções nos diziam muito pouco. Um sapato servia para calçar os pés, podíamos
procurar aquele mais bonito ou o que mais nos agradava. Podíamos até mostrar
nossas opiniões através do calçado que levavam nossos pés ou das roupas que vestíamos,
mas o nome e o sobrenome dos tais e quanto eles valiam pouco importava. Bom,
para mim não importava nada.
Porém, a vida mudou muito nas últimas décadas e as coisas passaram
a ter um valor tão grande e tão fundamental para nós que passaram a ser a nossa
felicidade e o objetivo de nossas vidas. Pois, estranho não? Muito estranho,
sim senhor. E nessa vida guiada pelo capitalismo e pelo consumismo o importante
é ter. E temos. Temos coisas demais, coleções de coisas; tantos objetos que nos
falta espaço para guardá-los. E trabalhamos, feito loucos, para termos coisas
que nunca nos satisfarão porque em um segundo a novidade envelhece e queremos
algo mais moderno. E, de repente, a vida se resume ao dinheiro e àquilo que ele
pode comprar. Anda a nos faltar muito conteúdo n’alma para precisarmos de tanto
conteúdo externo a atulhar o universo, não?
E, para quê? Alguém poderia,
por favor, me explicar para que serve uma coleção de sapatos se nem chegamos a
calçar muitos deles num ano inteiro? Por que uma pessoa tem uma coleção de
carros se ela não pode ocupar dois lugares ao mesmo tempo e um já seria mais do
que bom? Para que temos tanta roupa no armário se algumas das peças chegam a se
estragar e viram comida de traça sem dar ao menos uma volta fora de casa? Por
que fazemos coleção de maquiagem, de calças jeans, de perfume, de relógios, de
vestidos, de gravatas, de livros que não lemos, de comida que não comemos; de
gente que nem conhecemos? E nada chega, nunca. Jamais chegará, não?
Pois, vale lembrar que ainda gostamos de coisas que não são
coisas. Eu gosto, e sei que há muita gente que gosta também. Gosto de ganhar
flor apanhada na rua de presente, de palavra bonita dita para mim, de abraço e
da companhia dos que amo. Gosto de ganhar riso e não me importa nunca o valor
monetário de qualquer coisa que eu ganhe. O que me importa são os sentimentos e
as intenções que outro traz. Claro que tenho meus caprichos e meus vícios, e
sei que gasto muito dinheiro com café, música, comida, livros, viagens e vinhos;
eu sei. Mas, por estes dias, um amigo me perguntou o que eu mais gostaria de
ganhar de alguém, aquilo que eu não pudesse comprar. E a resposta: bom, nada que o dinheiro possa
comprar. Gostaria de ganhar os bons sentimentos, um gesto, muita poesia,
momentos. Quero ganhar, mais uma vez, canções feitas só para mim; isso sim. Quero
uma coleção de canções para cantar por aí.
Tudo nesta vida tem começo, meio e fim
sempre; sempre mesmo. A própria vida o tem, pois que esta consciência presente
de quem somos agora, a nossa identidade atual com direito a foto em documento e
etc e tal, (cá em Terras Brasilis chamado de RG), um dia deixará de existir. Seremos
outra coisa, algo que até chegamos a imaginar e que, dependendo da crença ou da
imaginação, varia entre o nada absoluto e uma noção lírica de uma alma eterna
que, às vezes, dá-nos direito a asas, auréolas e tudo mais. Contudo, seja lá o
que nos espera depois desta vida, o fato é que esta vida já não será mais.
Entretanto, apesar da plena consciência da
efemeridade de nossa existência, a verdade é que vivemos a ignorar que a morte
é um fato tão seguro quanto, quiçá, próximo. Então, céticos seres com super
poderes, nós ignoramos o verdadeiro valor do que importa porque cremos que tudo
e todos estarão sempre ao alcance de nossas mãos porque temos e teremos sempre mais tempo; milhares de dias, vários e vários anos, um par de décadas para resolver
qualquer questão, não? Sem o sermos, cremos sermos eternos e termos como
garantido tudo o que hoje chamamos de nosso.
Pois, infeliz ou felizmente, as coisas
não são assim. Mais cedo ou mais tarde,
por vezes cedo demais, perderemos tudo o que cremos nos pertencer: nossa casa, nossos
discos, os livros que carregamos pela vida, a coleção de relógios ou sapatos, o
gato, o cão, os amigos, a família; nossos filhos. E, neste momento, de nada,
nada mesmo, adiantará chorar. Podemos chorar oceanos pelo tal leite derramado,
por não termos feito as coisas de outra forma, por não termos sido mais
compreensivos ou mais corajosos, por não termos sido mais sinceros ou por não
termos tentado com mais força mudar. Podemos secar de tanto chorar, contudo,
depois do fim nada nos restará e o tempo nunca, jamais mesmo, volta atrás.
Por isso tudo e porque me deparei hoje
com algo dito por Bertolt Brecht – “Temam
menos a morte e mais a vida insuficiente” -, e que muito me agrada, achei
que valia a pena escrever para me lembrar e para vos lembrar do que é
importante nesta vida tão delicada que nos foi dada. Importante é: estarmos com
as pessoas que amamos e darmos a estes amores o devido valor.(Bora lembrar que o tal amor não é tão fácil
de ser encontrado como parece e vale muito, muito mesmo?). São os beijos, os
abraços, os carinhos e todas as risadas que damos com quem nos acompanha neste
caminho. Fundamental é: fazermos o que gostamos e o que nos faz felizes nesta
vida, aquilo que nos dá prazer. É estarmos perto da família e dos amigos, é brincarmos
com nossos meninos toda santa semana. É aproveitarmos a vida, é vermos o Mundo,
é aprendermos com as outras pessoas e com tudo o que os cinco sentidos podem
captar.