quinta-feira, 31 de outubro de 2019
terça-feira, 29 de outubro de 2019
domingo, 27 de outubro de 2019
Desperta
Desperta
Ana observa o
teto branco e silencioso do quarto há alguns minutos sem se mexer. Lá fora, na
cidade, um dia de verão começara como sempre: apressado, abafado e sem qualquer
intenção de amenizar as dores daqueles que ocupam as ruas. Um ônibus acelera
pesado com a barriga cheia de gente suada cedo pela manhã, uma ambulância passa
anunciando a finidade da existência humana, carros sem paciência buzinam.
A vida se move
lá fora enquanto Ana permanece, imóvel, pensando no sonho daquela manhã. Ana
sonhara com João. E isso, agora, lhe parecia não fazer qualquer sentido. Há
anos não o via, não se falavam mais há algum tempo e, depois de tudo, Ana
aceitava que seus sentimentos não faziam qualquer sentido. Eles eram uma
bobagem infantil, um capricho teimoso quiçá; uma fantasia antiquada. João não
fazia mais parte de sua vida e Ana sentia-se melancólica às 7:30 da manhã.
O tal sonho
tinha sido tão real com seus cheiros e gostos. Ana podia ainda sentir-se dentro
do abraço de João e tal fato não se acomodava à realidade. Nunca um sonho com
João tinha sido tão real e em tantos anos eles foram tão parcos; dois ou três,
talvez. Porém, agora, numa contradição cruel, antagônica à realidade, sempre
que fecha seus olhos Ana pode ver João como não o tinha visto ainda.
No sonho eles eram
muito mais jovens do que quando se encontraram. Ele tinha já os cabelos longos
e ela ainda dançava. Estava dançando no meio do sonho; dançando apesar de não
poder ouvir qualquer música. João assistia a tudo sentado no meio da multidão. E
a olhava sabendo que ela era sua. Ele a observava tranquilo e Ana se sentia bem
como antes. Como quando João estava com ela e o Mundo fazia mais sentido.
Final da
apresentação e lá fora faz frio, mas no meio do abraço de João a existência da
bailarina era morna, feliz. O rosto dele se aproxima e Ana pode ouvi-lo
sussurrar palavras no seu ouvido; palavras esquecidas; perdidas pelo caminho. Ana
sorri e eles se beijam como sempre. Como se naquele momento o ar fosse acabar...
Sem querer se
mover, Ana observa o teto branco do quarto e ouve a vida lá fora sabendo que não
há lugar para sonhos no seu dia. Fecha os olhos mais uma vez a menina.
segunda-feira, 21 de outubro de 2019
quinta-feira, 17 de outubro de 2019
Páginas Úmidas
Páginas Úmidas
Faço força para
não chorar no vagão do metrô. Sim. Pois, chorar assim, de um repente, num vagão
de transporte público em São Paulo não me parece adequado. Aperto os olhos e
engulo o choro como a vida mo ensinou a fazer. Respiro fundo e tento compreender
o que está a passar diante dos meus olhos. A visão embaça, as letras dançam, e
não posso crer no que leio. Imani Nsambe, uma menina Moçambicana, que numa
virada de página chega aos 95 anos de idade, de mim se despede com dor. A dor dela
e a dor minha misturam-se porque sentimos ela e eu o mesmo aperto no peito. E,
por isso, tão difícil é segurar as lágrimas que engulo e me descem atravessadas
pela garganta.
Mia Couto, com
seus três volumes de As Areias do Imperador e suas mais
de mil páginas, me trouxe a emoção que Gabriel García Márquez trouxera com O
Amor Nos Tempos do Cólera. De um repente, com uma virada de página, sem
que disso eu me apercebesse, brota-me o choro como se alguma torneira tivesse
sido aberta por detrás dos olhos. Queria estar em casa, penso eu com grande
incômodo. E, a verdade, é que assim que chego ao meu pequeno apartamento choro
o choro retido por meia hora. Queria poder abraçar Imani. Queria não saber como
nos atingem as dores dos amores perdidos. Mas eu sei.
Fica na ponta da
minha língua uma sentença ditada pelos dois escritores de formas e maneiras tão
distintas: o amor não vivido como o deveria ser jamais morre. Pois... Tento
imaginar os anos que ainda me restam a carregar o meu amor e como acomodar algo
tão grande à realidade das coisas miúdas e cotidianas. Sinto tanta vontade de
falar com o meu Preto e o mundo enche-se de água salgada me turvando a visão mais
uma vez e como há anos. Mas não o faço; não o farei. Tudo tem começo, meio e
fim - como as mais de mil páginas úmidas de Mia Couto, mesmo que cá por dentro
dure para sempre. C’est la vie.
p.s. Quem nunca
leu Gabriel García Márquez e/ou Mia Couto o deveriam fazer, pois ampliar os
limites da alma que carregamos no peito será sempre um dos mais belos e
importantes atos de toda e qualquer existência.
Por algum motivo desconhecido vem-me Cartola à cabeça. Cá está ele.
segunda-feira, 14 de outubro de 2019
Músculo
Músculo
Em paz está o coração
que já não bate mais apressado.
Cansado
e realista, ele segue músculo sem poesia,
feito de sangue
carne e fibras.
Feia fotografia num
livro empoeirado de anatomia
já não se lhe
distinguem os compassos.
Aos covardes pertence a tranquilidade
e a longevidade dos que não se arriscam ao mergulho à beira
do rio.
Covarde me deito à espera de que o tempo passe
sem atropelos
de pés e cabelos secos.
domingo, 13 de outubro de 2019
quarta-feira, 9 de outubro de 2019
Sincretismo
Sincretismo
Fico a pensar se
isso de eu crer um pouco em quase toda religião não demonstra mais a minha
falta de crença do que a minha verdadeira fé em que há algo para além daquilo
que vemos. Catolicismo, Budismo, Umbanda, Espiritismo... gosto de tudo um
pouco, sem radicalismos nem muita fidelidade. Creio, isso é fato. Creio em Deus como uma
força maior, como uma força natural que emana a bondade e creio também que
nossa missão cá por Terra é a de tentarmos ser corretos uns com os outros.
Contudo, isso de
crer em milagres e de que quase tudo é pecado, de crer fielmente numa igreja e
nos homens que a pregam; isso eu não tenho em mim. Sendo assim, como muitos
diriam, acendo uma vela para Deus e outra ao Diabo. Estou a brincar, já que não
creio nisso de que o Diabo exista; e deixo a maldade restrita ao âmbito dos
nossos demônios terrenos. Definitivamente não são as almas penadas que me
assustam.
O fato é que
para mim, muito mais do que religiões diferentes, o que temos são leituras
culturais distintas acerca da mesma fé. Cristo e Buda, Nossa Senhora Aparecida
e Iemanjá, Deus e a Natureza são para mim representações distintas das mesmas
ideias: a fé sem preconceitos nem muitos preceitos, o culto ao amor materno que
nos provê e protege vindo das águas, a energia pura que cria a vida.
Ainda bem que vivemos,
por enquanto, num país onde há liberdade religiosa. Ou eu seria condenada como
herege e, sendo mulher, estaria a poucos passos de uma grande fogueira. Espero que
isso não mude, apesar do que andamos a ver e ouvir por aqui. Eu, enquanto isso,
sigo com minha crença particular e universal, e prefiro crer mais na capacidade
que temos para a bondade do que em nossos monstros internos.
São Francisco de
Assis e sua oração...
Senhor, fazei-me
instrumento da vossa paz
Onde houver
ódio, que eu leve o amor
Onde houver
ofensa, que eu leve o perdão
Onde houver
discórdia, que eu leve a união
Onde houver
dúvida, que eu leve a fé
Onde houver
erro, que eu leve a verdade
Onde houver
desespero, que eu leve a esperança
Onde houver
tristeza, que eu leve a alegria
Onde houver
trevas, que eu leve a luz.
Ó mestre, fazei
que eu procure mais consolar do que ser consolado
Compreender do
que ser compreendido
Amar que ser
amado
Pois, é dando
que se recebe
É perdoando que
se é perdoado;
E morrendo que
se vive
Para a vida
eterna
domingo, 6 de outubro de 2019
terça-feira, 1 de outubro de 2019
(s)Em Rotina
(s)Em Rotina
Organizado numa burocrática rotina
tens dia e hora certa para
através de uma fresta da janela
cerrada
espiar o meu dia
que ainda transcorre sem regras
ao sabor do que sente meu mareado coração
levado por vagas persistentes
Há anos lançou-se ele ao mar para não mais voltar
enquanto tu...
tu fincavas teus pés na terra para florescer árvore,
carvalho mudo
de raízes profundas agarradas às rochas
Com dia e hora marcados,
a todo o instante, hoje, agora
cada um como sabe ser, tentamos nós
sem grandes sucessos
não deixar
a mais bela fantasia
a maior de todas as mentiras
morrer
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