Desperta
Ana observa o
teto branco e silencioso do quarto há alguns minutos sem se mexer. Lá fora, na
cidade, um dia de verão começara como sempre: apressado, abafado e sem qualquer
intenção de amenizar as dores daqueles que ocupam as ruas. Um ônibus acelera
pesado com a barriga cheia de gente suada cedo pela manhã, uma ambulância passa
anunciando a finidade da existência humana, carros sem paciência buzinam.
A vida se move
lá fora enquanto Ana permanece, imóvel, pensando no sonho daquela manhã. Ana
sonhara com João. E isso, agora, lhe parecia não fazer qualquer sentido. Há
anos não o via, não se falavam mais há algum tempo e, depois de tudo, Ana
aceitava que seus sentimentos não faziam qualquer sentido. Eles eram uma
bobagem infantil, um capricho teimoso quiçá; uma fantasia antiquada. João não
fazia mais parte de sua vida e Ana sentia-se melancólica às 7:30 da manhã.
O tal sonho
tinha sido tão real com seus cheiros e gostos. Ana podia ainda sentir-se dentro
do abraço de João e tal fato não se acomodava à realidade. Nunca um sonho com
João tinha sido tão real e em tantos anos eles foram tão parcos; dois ou três,
talvez. Porém, agora, numa contradição cruel, antagônica à realidade, sempre
que fecha seus olhos Ana pode ver João como não o tinha visto ainda.
No sonho eles eram
muito mais jovens do que quando se encontraram. Ele tinha já os cabelos longos
e ela ainda dançava. Estava dançando no meio do sonho; dançando apesar de não
poder ouvir qualquer música. João assistia a tudo sentado no meio da multidão. E
a olhava sabendo que ela era sua. Ele a observava tranquilo e Ana se sentia bem
como antes. Como quando João estava com ela e o Mundo fazia mais sentido.
Final da
apresentação e lá fora faz frio, mas no meio do abraço de João a existência da
bailarina era morna, feliz. O rosto dele se aproxima e Ana pode ouvi-lo
sussurrar palavras no seu ouvido; palavras esquecidas; perdidas pelo caminho. Ana
sorri e eles se beijam como sempre. Como se naquele momento o ar fosse acabar...
Sem querer se
mover, Ana observa o teto branco do quarto e ouve a vida lá fora sabendo que não
há lugar para sonhos no seu dia. Fecha os olhos mais uma vez a menina.
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