terça-feira, 28 de setembro de 2021
A Vida
A Vida
Passaram-se
muitos anos como se fossem poucos, como se fossem um par de dias. E o tempo
passado importa tão pouco para as horas que agora se arrastam. Relativo é o
tempo, e desimportante a vida dos homens sobre a terra, tanto quanto miúda é a
minha. Enfileiro as letras e as palavras como Chronos enfileira horas e dias,
displicentemente. Não sei se em prosa ou poesia, escrevo as ideias perdidas
pela cachola que aqui encontram-se para comentar esta minha vidinha simples,
simplesmente minha.
Depois de tanto
tempo, todo o tempo que já tenho guardado nos bolsos das calças, sei que pouco
importa o que cada um de nós faz para além do nosso quintal porque a vida que
levamos é nossa, apenas nossa, e daqueles que guardamos no meio dos abraços colados
ao peito. E quase nada me importa o que as pessoas fazem para além deste meu
quintal onde cultivo flores, letras, abelhas, a luz do sol, passarinhos sem
gaiolas e meus amores novos e antigos. Que me importa o que pensam as pessoas
importantes desse mundo? Uma titica de galinha, diria minha avó. Digo eu.
Quanto tempo
tenho eu? Não sei; isso nunca se sabe. Apenas sei como quero usar o tempo que
ainda tenho. Rir é uma prioridade, ensinar um prazer, beber vinho, água, cerveja
e café vícios que levarei para sempre comigo, chocolate e sorvete são e serão uma
necessidade. A família de sangue e a da vida quero sempre levar comigo pois
neles tenho todo o conforto e o abrigo que necessito, viajar faz falta como nos
falta o ar com a máscara no rosto; ver o mundo areja a alma. A velhice
aproxima-se desavergonhadamente, contudo, já não tenho mais medo dela como
tinha antigamente. E isso é muito bom. Bora viver com gosto com os olhos e o
nariz mirando para frente!
Agora
José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Carlos Drummond de Andrade. Meu Carlos, e agora? Não demora...
sexta-feira, 24 de setembro de 2021
terça-feira, 21 de setembro de 2021
Encanto
Encanto
Encanto, meu encanto
Espanto sem pranto
Teu pranto, meu pranto
Recanto
Canto
(Re)encanto
Recato
Ato
Meu encanto, desencanto
Teu encanto
Tanto
E damos outra volta na ciranda dos nossos encantos tamanhos
Me encanta, Eu te canto
Meu amor
domingo, 19 de setembro de 2021
A poesia paulistana
A poesia paulistana
Pela segunda vez vejo o pintor holandês a caminhar no
meio-fio
Ele segue de pé, perdido,
objetos indistintos nas mãos e o olhar infinito
Assim olhou-me Van Gogh com seus olhos claros vidrados
rosto vincado e barba cor de girassóis
O vejo
Como vejo, com o passar dos dias, a multiplicação
de casas pelos gramados nos canteiros na minha cidade
casas de lona
casas de papel
casas que não têm teto e que não tem nada
casas que em nada são engraçadas
Uma senhora magra varre, todos os dias, um pedaço de terra
e eu a observo enquanto aguardo o semáforo abrir
Indiscreta
pela janela do carro, sem pedir licença, invado a sala de estar dela
O que ela chama de seu nessa vida me assombra
me assombra pela minha covarde apatia cotidiana e coletiva
Numa destas casas um balanço pequeno feito de delicadezas
faz o meu coração apertar e sorrir ao mesmo tempo
Vida agridoce essa do brasileiro
vida pequenina
Van Gogh, na São Paulo poética e suja que eu chamo de minha,
caminha sem destino
sozinho
sábado, 11 de setembro de 2021
REI DA MAMATA
Dizem por aí que eu sou o rei da mamata
Caçador de patrocínios, comunista, esquerdopata
Dizem também que de arte ninguém mais precisa
Quando o mundo acabar por favor alguém me avisa
Dizem que eu mamo nas tetinhas da cultura
Quando o artista canta, o idiota nem murmura
Bando de hipócritas lambendo a sandália
De gente rica, inculta, ignorante, uma gentalha
Eu podia estar roubando
Eu podia estar matando
Eu podia ser o líder da milícia na chacina
Eu podia estar ganhando até um dólar por vacina
Mas eu sigo trabalhando
E compondo e cantando
Ajudando a erguer uma nação desta latrina
A cumprir mui sinceramente a minha sina
Você por sua vez se orgulhando da bravata
De ser apoiador de um imbecil sociopata
Requenguela, mequetrefe
Cada qual tem a cultura que merece
Ordinário, mequetrefe
Cada um tem a cultura que merece
sexta-feira, 3 de setembro de 2021
Faroeste Caboclo
Não tinha medo o tal João de Santo Cristo
Era o que todos diziam quando ele se perdeu
Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda
Só pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu
Quando criança só pensava em ser bandido
Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu
Era o terror da sertania onde morava
E na escola até o professor com ele aprendeu
Ia pra igreja só pra roubar o dinheiro
Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar
Sentia mesmo que era mesmo diferente
Sentia que aquilo ali não era o seu lugar
Ele queria sair para ver o mar
E as coisas que ele via na televisão
Juntou dinheiro para poder viajar
De escolha própria, escolheu a solidão
Comia todas as menininhas da cidade
De tanto brincar de médico, aos doze era professor
Aos quinze, foi mandado pro o reformatório
Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror
Não entendia como a vida funcionava
Discriminação por causa da sua classe e sua cor
Ficou cansado de tentar achar resposta
E comprou uma passagem, foi direto a Salvador
E lá chegando foi tomar um cafezinho
E encontrou um boiadeiro com quem foi falar
E o boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagem
Mas João foi lhe salvar
Dizia ele "estou indo pra Brasília
Neste país lugar melhor não há
'Tô precisando visitar a minha filha
Eu fico aqui e você vai no meu lugar"
E João aceitou sua proposta
E num ônibus entrou no Planalto Central
Ele ficou bestificado com a cidade
Saindo da rodoviária, viu as luzes de Natal
Meu Deus, mas que cidade linda
No Ano Novo eu começo a trabalhar
Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro
Ganhava cem mil por mês em Taguatinga
Na sexta-feira ia pra zona da cidade
Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador
E conhecia muita gente interessante
Até um neto bastardo do seu bisavô
Um peruano que vivia na Bolívia
E muitas coisas trazia de lá
Seu nome era Pablo e ele dizia
Que um negócio ele ia começar
E o Santo Cristo até a morte trabalhava
Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar
E ouvia às sete horas o noticiário
Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar
Mas ele não queria mais conversa
E decidiu que, como Pablo, ele ia se virar
Elaborou mais uma vez seu plano santo
E sem ser crucificado, a plantação foi começar
Logo logo os maluco da cidade souberam da novidade
"Tem bagulho bom ai!"
E João de Santo Cristo ficou rico
E acabou com todos os traficantes dali
Fez amigos, frequentava a Asa Norte
E ia pra festa de rock, pra se libertar
Mas de repente Sob uma má influência dos boyzinho da cidade
Começou a roubar
Já no primeiro roubo ele dançou
E pro inferno ele foi pela primeira vez
Violência e estupro do seu corpo
Vocês vão ver, eu vou pegar vocês
Agora o Santo Cristo era bandido
Destemido e temido no Distrito Federal
Não tinha nenhum medo de polícia
Capitão ou traficante, playboy ou general
Foi quando conheceu uma menina
E de todos os seus pecados ele se arrependeu
Maria Lúcia era uma menina linda
E o coração dele pra ela o Santo Cristo prometeu
Ele dizia que queria se casar
E carpinteiro ele voltou a ser
Maria Lúcia pra sempre vou te amar
E um filho com você eu quero ter
O tempo passa e um dia vem na porta
Um senhor de alta classe com dinheiro na mão
E ele faz uma proposta indecorosa
E diz que espera uma resposta, uma resposta do João
Não boto bomba em banca de jornal
Nem em colégio de criança isso eu não faço não
E não protejo general de dez estrelas
Que fica atrás da mesa com o cu na mão
E é melhor senhor sair da minha casa
Nunca brinque com um Peixes de ascendente Escorpião"
Mas antes de sair, com ódio no olhar, o velho disse
"Você perdeu sua vida, meu irmão"
"Você perdeu a sua vida meu irmão
Você perdeu a sua vida meu irmão
Essas palavras vão entrar no coração
Eu vou sofrer as consequências como um cão"
Não é que o Santo Cristo estava certo
Seu futuro era incerto e ele não foi trabalhar
Se embebedou e no meio da bebedeira
Descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar
Falou com Pablo que queria um parceiro
E também tinha dinheiro e queria se armar
Pablo trazia o contrabando da Bolívia
E Santo Cristo revendia em Planaltina
Mas acontece que um tal de Jeremias
Traficante de renome, apareceu por lá
Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo
E decidiu que, com João ele ia acabar
Mas Pablo trouxe uma Winchester-22
E Santo Cristo já sabia atirar
E decidiu usar a arma só depois
Que Jeremias começasse a brigar
Jeremias, maconheiro sem-vergonha
Organizou a Rockonha e fez todo mundo dançar
Desvirginava mocinhas inocentes
Se dizia que era crente mas não sabia rezar
E Santo Cristo há muito não ia pra casa
E a saudade começou a apertar
Eu vou me embora, eu vou ver Maria Lúcia
Já 'tá em tempo de a gente se casar
Chegando em casa então ele chorou
E pro inferno ele foi pela segunda vez
Com Maria Lúcia Jeremias se casou
E um filho nela ele fez
Santo Cristo era só ódio por dentro
E então o Jeremias pra um duelo ele chamou
Amanhã às duas horas na Ceilândia
Em frente ao Lote 14, é pra lá que eu vou
E você pode escolher as suas armas
Que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor
E mato também Maria Lúcia
Aquela menina bosal pra quem jurei o meu amor
E o Santo Cristo não sabia o que fazer
Quando viu o repórter da televisão
Que deu notícia do duelo na TV
Dizendo a hora e o local e a razão
No sábado então, às duas horas
Todo o povo sem demora foi lá só para assistir
Um homem que atirava pelas costas
E acertou o Santo Cristo, começou a sorrir
Sentindo o sangue na garganta
João olhou pras bandeirinhas e pro povo a aplaudir
E olhou pro sorveteiro e pras câmeras e
A gente da TV que filmava tudo ali
E se lembrou de quando era uma criança
E de tudo o que vivera até ali
E decidiu entrar de vez naquela dança
Se a via-crucis virou circo, estou aqui
E nisso o sol cegou seus olhos
E então Maria Lúcia ele reconheceu
Ela trazia a Winchester-22
A arma que seu primo Pablo lhe deu
Jeremias, eu sou homem. coisa que você não é
E não atiro pelas costas não
Olha pra cá filha da puta, sem-vergonha
Dá uma olhada no meu sangue e vem sentir o teu perdão
E Santo Cristo com a Winchester-22
Deu cinco tiros no bandido traidor
Maria Lúcia se arrependeu depois
E morreu junto com João, seu protetor
E o povo declarava que João de Santo Cristo
Era santo porque sabia morrer
E a alta burguesia da cidade
Não acreditou na história que eles viram na TV
E João não conseguiu o que queria
Quando veio pra Brasília, com o diabo ter
Ele queria era falar pro presidente
Pra ajudar toda essa gente que só faz
Sofrer
quarta-feira, 1 de setembro de 2021
Blahhhhhhh
Blahhhhhhh
Já quisemos
tanto. Quisemos mudar o mundo, revolucionar os costumes, sermos melhores do que
foram os nossos pais. E, como todo ser humano que já pisou neste planeta, nos pensávamos
eternos; “forever young, I want to be forever young...” cantei tantas vezes. Bem,
não somos muito diferentes dos nosso pais. Não fomos. Somos apenas um pouco
mais do mesmo, quiçá, com um toque tech a mais. Nada mais. Talvez piores,
materialistas rasos sem grandes paixões. Seres profundamente egoístas com
dinheiro no banco enquanto tantos morrem de fome.
Temos mais
dinheiro do que nossos pais, ok. E daí?
Pois 1 que a tal
revolução não fizemos, não senhor. E hoje, bem mais preguiçosos e cansados do
que aos 20, queremos apenas sossego; quem diria. Verdade seja dita, houve
mudanças. Contudo, eu que aos 15 preocupava-me com a situação das baleias e com
a volta da democracia e da igualdade no meu país, sinto-me desolada. Desapontada
comigo mesma e com os meus pares. Falhamos. Eu esperava muito mais de nossa
geração.
Esperava tanto mais
do mundo e do meu país. Acreditava que cuidaríamos bem da natureza, que à esta
altura compreenderíamos melhor e mais sinceramente as diferenças entre as
pessoas e os povos, achava que caminhávamos para um mundo onde a abundância
seria melhor compartilhada. Pois 2, eu era jovem e tola. Muito tola.
Costumo dizer
que Lula, o senhor Luiz Inácio da Silva, em seu primeiro mandato, foi o último
a fazer-me de palhaça nesta terra. Nunca me esquecerei da cara lavada dele em
pronunciamento na TV a dizer que nada sabia sobre a corrupção e os desvios em
seu governo. Palhaço... palhaçada, pensei. Raposa covarde! E me perguntava se
alguém poderia crer numa farsa tão absurda como aquela.
Pois 3, muitos
acreditaram. Muitos ainda creem na inocência desse senhor que de inocente não
tem absolutamente nada. Entretanto, e infelizmente, a crença na inocência do
seu Inácio não vem a ser o fato mais absurdo e nocivo em Terra Brasilis. Não.
Não há, e muito
provavelmente não haverá jamais, um absurdo maior e um dano mais grave do que
termos eleito o seu Jair como presidente do nosso país. Difícil entender como
pudemos, e ainda podemos, crer que um calhorda como esse senhor pudesse fazer
algo de bom a alguém. Não pode.
Nada de bom pôde
ou poderá sair da mente turva e egoísta do Sr. Bolsonaro e de sua quadrilha
familiar. Já que são um bando de calhordas de longa tradição na canalhice.
Pois 4, apesar
de saber que seu Inácio e seu partido também flertaram acintosamente com o
desejo de ter todo o poder possível em suas mãos, nunca estivemos tão próximos
de um retorno de um governo ditatorial como agora. Nunca vimos uma demonstração
tão clara de um governante que não consegue pensar o mundo para além de seu
umbigo. Seu Jair quer perpetuar seu poder no Brasil e para tal arma-se.
Arma-se com
parte do exército brasileiro, com boa parte da polícia militar e com uma horda
estúpida e irracional que brada pela volta da ditadura.
Jamais imaginei
que veria algo assim por cá. Pois, cá estamos, perigosamente flertando com um
país irracional e violento. Um país que me dá ânsia de vômito...Blahhhhhhhh.
Aguardemos o 7
de setembro...
Obs.: para os
apoiadores do atual presidente vai aqui a definição clara do que vem a ser um
calhorda.
ca·lhor·da
(origem
duvidosa)
substantivo de
dois gêneros
1.
[Pejorativo] Pessoa desprezível. =
CANALHA, PATIFE, PULHA
adjetivo de dois
gêneros
2. [Pejorativo]
Que é desprezível ou de baixo nível moral (ex.:
ato calhorda).
"calhorda",
in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021.