segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

sábado, 22 de janeiro de 2022

jardim

 


jardim

 

Vivo num jardim onde as rosas falam

e um beija-flor monta guarda

com suas ágeis asas

a defender os domínios que ele sabe dele serem

sussurram-me as rosas vermelhas

que não há mais motivos para qu’eu seja presa

desta teia

construída por mim,

pelas aranhas que tecem diariamente no meu cérebro

este roteiro sem fim

cheio de ervas daninhas e Marias-sem-vergonha

o meu jardim

O Grande Zé


O grande Zé

 

Por estes dias no rádio do carro a grave e profunda voz de Zé Ramalho soou como se fosse para mim uma boa nova. Parei para ouvir. Só então me dei conta de que tenho ignorado ao Sr. Ramalho por estas terras muito além-mar onde habitam as minhas palavras. O porquê, não sei. Quiçá por distração minha, talvez porque ele tenha sido sempre subestimado no mundo da tal MPB e também por mim. Como se ele jamais tivesse sido alguém que se ouve com frequência. Zé Ramalho nunca foi top trend. Talvez. Talvez porque ele seja nordestino e com cara de poucos amigos. Talvez.

Contudo a verdade é que ele é genial. Afinal, que outro adjetivo pode alguém usar para descrever o autor de “Bicho de Sete Cabeças”, “Avôhai”, “Admirável Gado Novo” e tanto mais? O grande Zé é genial e, além disso, é dono de uma voz única; inconfundível. Com ele o rock adentrou as terras do cordel e a poesia ganhou contornos próprios. Seca, direta e densa. Poesia feita da terra vermelha e seca do nordeste e da gente forte de raros sorrisos abertos.

A verdade é que de um repente me arrependi profundamente de ter deixado as canções do Sr. Ramalho um tanto de lado. De ainda não ter caminhado algumas léguas apenas para ouvi-lo cantar. De não ter criado uma playlist intitulada o Super Zé.

Aposto que Zé Ramalho sorriria sisudo e irônico dos anglicismos deste texto. E eu concordo com ele, é mesmo uma heresia macular a nossa tão linda língua, que ele faz tão dele, com palavras do pobre inglês.

Nada de playlist, Zé Ramalho merece um festival de Cordéis enfileirados sob o quente sol nordestino que cega a minha visão com tanta luz.

Bora ouvir ao Grande Zé!









terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Entre teias e coisas mais importantes

 


Entre teias e coisas mais importantes

 

Durante as férias fiz muitas coisas desimportantes para tudo o que se considera sério nesta vida, tolices para aqueles que caminham sempre com os dois pés no mundo das “adultices”. Não sei como ser assim: sempre séria e responsável o tempo todo. O trabalho é algo amado e que levo muito a sério, contudo, a vida fora dele.... ah, está é feita para tudo o que cabe no âmbito das bobagens, tolices e imaturidades infantis.

As bobeiras são muito importantes para mim que sou grande fã das “desimportâncias” fundamentais para que esta vida seja boa. Pois que nas curtas férias possíveis por esses tempos fui ao cinema, andei de bicicleta até doer o bumbum para sentar, brinquei, bebi, ri, falei tolices, joguei basquete, (I know, I can’t dunk but I can have fun, yeah?) e tomei sorvete como se calorias não existissem. Elas existem; c’est la vie.

Assisti a filmes sérios e que me fizeram pensar, muito. Porém, não são estes que me fizeram vibrar. Não senhor. Os que me fizeram vibrar foram os muy pouco educativos e muy comerciais Homem Aranha e Matrix. Adorei a este último Spider-Man – no way home. Para mim o melhor Homem Aranha de todos os tempos com direito a três homens aranha, muita conversa fiada sobre as dores de ser um super-herói, cheio de referências nostálgicas sobre os outros filmes e um bando de vilões pesos-pesados. Amei!

Não amei tanto assim ao novo Matrix, apesar de ter gostado muito de rever aos personagens; e lá estão novamente as memórias queridas, a nostalgia morninha que causam as saudades de algo bom.

Bom, Matrix Resurrections é ruim e faz pouco sentido, ou nenhum. Na verdade não acho que deveriam tê-lo feito, pois beira ao desrespeito à inteligência de quem o assiste e à Revolução que o filme original causou em seus espectadores há mais de duas décadas atrás. Matrix foi grandioso para todo nerd que se preza! Mesmo assim, eu jamais deixaria de assisti-lo. Não há como ignorar a um mundo criado artificialmente em nossas cabeças; um universo todo de fantasia!

Sendo assim, passei essas férias imersa a perambular entre teias de aranha e digitais, digitalmente criadas para que eu pudesse, por alguns minutos, ignorar ao mundo real. Afinal, o importante nessa vida são os sorvetes que tomamos sentados na grama nas tardes de verão depois de longos passeio de bicicleta. Isso sim é importante, é real.

 

 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Nada A Perder


Nada a perder

Nada
nada a perder
quanto tudo já se perdeu
e o que nos resta é um novo caminho
um novo sentido
algo
para colorir a rotina da vida com tons mais intensos
nada
é o que resta depois de tudo
de tanto
de um mundo

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

divagações

 


Os Ombros Suportam o Mundo

 

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?

Teus ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança.

As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios

provam apenas que a vida prossegue

e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo

prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação.

 

Carlos Drummond de Andrade

 

 

 

Amor de tarde

Es una lástima que no estés conmigo

cuando miro el reloj y son las cuatro

y acabo la planilla y pienso diez minutos

y estiro las piernas como todas las tardes

y hago así con los hombros para aflojar la espalda

y me doblo los dedos y les saco mentiras.

 

Es una lástima que no estés conmigo

cuando miro el reloj y son las cinco

y soy una manija que calcula intereses

o dos manos que saltan sobre cuarenta teclas

o un oído que escucha como ladra el teléfono

o un tipo que hace números y les saca verdades.

 

Es una lástima que no estés conmigo

cuando miro el reloj y son las seis.

Podrías acercarte de sorpresa

y decirme “¿Qué tal?” y quedaríamos

yo con la mancha roja de tus labios

tú con el tizne azul de mi carbónico.

 

Mario Benedetti

 

Quero Escrever o Borrão Vermelho de Sangue

 

Quero escrever o borrão vermelho de sangue

com as gotas e coágulos pingando

de dentro para dentro.

Quero escrever amarelo-ouro

com raios de translucidez.

Que não me entendam

pouco-se-me-dá.

Nada tenho a perder.

Jogo tudo na violência

que sempre me povoou,

o grito áspero e agudo e prolongado,

o grito que eu,

por falso respeito humano,

não dei.

 

Mas aqui vai o meu berro

me rasgando as profundas entranhas

de onde brota o estertor ambicionado.

Quero abarcar o mundo

com o terremoto causado pelo grito.

O clímax de minha vida será a morte.

 

Quero escrever noções

sem o uso abusivo da palavra.

Só me resta ficar nua:

nada tenho mais a perder.

Clarice Lispector