De repente, não mais do que de
repente, passou a fazer parte da rotina de São Paulo contar o número de corpos
deixados pra trás com balas neles alojadas. Recortes e recados de uma guerra entre
o bem e o mal, (ou entre o mal e o mal, ou entre o bem e o bem, tudo depende de
como se vê a questão), que nos faz sentir que estamos mais próximos da Síria ou
do Paquistão. E a grande Sampa, com seu povo vindo de todos os cantos do
planeta, tão gigantesca por natureza, me parece agora um tanto quanto apertada
demais, pequena.
Pequena ao ponto dos paulistas e
paulistanos não caberem mais nela. Hoje, apesar de a amarmos muito, do jeito
que se ama o lugar ao qual chamamos de lar, sentimos que nossa cidade deixa de
nos pertencer. São Paulo anda a escapar por entre nossos dedos; Sampa não é
mais daqueles que ali nasceram ou que resolveram adotá-la de coração. Não é
mais a nossa nação feita de retalhos desde o seu nascimento e que, por isso
mesmo, aprendeu a chamar de seu cidadão a qualquer imigrante ou estrangeiro que
nela decidiu viver.
Sempre me orgulhei do meu canto
por sentir que ele pertencia a todos que o aceitassem como seu; lugar de
portugueses, índios, italianos, espanhóis, japoneses e toda e qualquer nação. Casa
de brancos e negros, de heterossexuais e homossexuais, de hippies, “mauricinhos”
e de quem ama o rock. O lugar de católicos, judeus, árabes, budistas, filhos
de Olorun, de toda religião. Terra de todo tipo de gente que, desde a minha adolescência,
podia ser como quisesse ser e isso não era da conta de ninguém.
Contudo, há tanto tempo ignoramos
os problemas que estão sob o nariz, toda a falta que há por aqui. A falta de escola e educação, a falta de
respeito e consideração, a falta de transporte público e de condição, a falta
de amor, fraternal ou não, a falta de dignidade e de igualdade. Pois, então,
agora falta-nos, a todos nós, a liberdade para viver. Sampa não é mais de
ninguém.
E mesmo sabendo que a vida, por
melhor que seja, nunca será pura e completamente justa, temos que começar a nos
indignar com aquilo que já deveria ter-nos indignado há muito tempo. Devemos lembrar
que é um absurdo que a cidade mais rica deste país submeta a maioria de seus
cidadãos a algo que não podemos chamar de vida, e que haja tanta gente morando
na rua. Devemos nos revoltar com a inércia de um governo rico que, ao invés de
preocupar-se com o bem estar de quem mora aqui, preocupa-se apenas com sua
manutenção no poder e com seu enriquecer. Vamos lutar por uma solução, por mais
educação e para que não haja tanta gente crescendo no meio da violência, e não
por paliativos como a redução da maioridade penal. Porque, senão, a única coisa
que conquistaremos é mais gente na prisão. E vai faltar cadeia nesta nação.
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