sábado, 10 de novembro de 2012

A minha terra é de ninguém




De repente, não mais do que de repente, passou a fazer parte da rotina de São Paulo contar o número de corpos deixados pra trás com balas neles alojadas. Recortes e recados de uma guerra entre o bem e o mal, (ou entre o mal e o mal, ou entre o bem e o bem, tudo depende de como se vê a questão), que nos faz sentir que estamos mais próximos da Síria ou do Paquistão. E a grande Sampa, com seu povo vindo de todos os cantos do planeta, tão gigantesca por natureza, me parece agora um tanto quanto apertada demais, pequena.

Pequena ao ponto dos paulistas e paulistanos não caberem mais nela. Hoje, apesar de a amarmos muito, do jeito que se ama o lugar ao qual chamamos de lar, sentimos que nossa cidade deixa de nos pertencer. São Paulo anda a escapar por entre nossos dedos; Sampa não é mais daqueles que ali nasceram ou que resolveram adotá-la de coração. Não é mais a nossa nação feita de retalhos desde o seu nascimento e que, por isso mesmo, aprendeu a chamar de seu cidadão a qualquer imigrante ou estrangeiro que nela decidiu viver.

Sempre me orgulhei do meu canto por sentir que ele pertencia a todos que o aceitassem como seu; lugar de portugueses, índios, italianos, espanhóis, japoneses e toda e qualquer nação. Casa de brancos e negros, de heterossexuais e homossexuais, de hippies, “mauricinhos” e de quem ama o rock. O lugar de católicos, judeus, árabes, budistas, filhos de Olorun, de toda religião. Terra de todo tipo de gente que, desde a minha adolescência, podia ser como quisesse ser e isso não era da conta de ninguém.

Contudo, há tanto tempo ignoramos os problemas que estão sob o nariz, toda a falta que há por aqui.  A falta de escola e educação, a falta de respeito e consideração, a falta de transporte público e de condição, a falta de amor, fraternal ou não, a falta de dignidade e de igualdade. Pois, então, agora falta-nos, a todos nós, a liberdade para viver. Sampa não é mais de ninguém.

E mesmo sabendo que a vida, por melhor que seja, nunca será pura e completamente justa, temos que começar a nos indignar com aquilo que já deveria ter-nos indignado há muito tempo. Devemos lembrar que é um absurdo que a cidade mais rica deste país submeta a maioria de seus cidadãos a algo que não podemos chamar de vida, e que haja tanta gente morando na rua. Devemos nos revoltar com a inércia de um governo rico que, ao invés de preocupar-se com o bem estar de quem mora aqui, preocupa-se apenas com sua manutenção no poder e com seu enriquecer. Vamos lutar por uma solução, por mais educação e para que não haja tanta gente crescendo no meio da violência, e não por paliativos como a redução da maioridade penal. Porque, senão, a única coisa que conquistaremos é mais gente na prisão. E vai faltar cadeia nesta nação.



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