Como se tudo
fosse assunto antigo, o mundo para mim anda a apresentar-se repetitivo e desinteressante.
Nada inspirar-me como dantes. De um repente, sem eu saber dos porquês e sem
senões converti-me em mera observadora de tudo que passa sem paciência para as
tragédias ou apetite para as tramas. O fato é que cansei-me de tudo.
Cansei-me das discussões
acaloradas e de lutar por aquilo que penso ser o certo, cansei-me da crença e
da busca sem descanso por um sentido real e verdadeiro para a vida. Direitos iguais,
a busca por um mundo mais justo para todos, e todo o etc. e tal que acompanha
àqueles que gostariam que vivêssemos em sociedades que não privilegiassem
poucos, tais coisas não existem e nunca existiram para além da nossa parca e vã
capacidade de compreender a realidade. O mundo pertence aos que têm dinheiro e
ponto final.
Então, seja
porque assim a idade pede-me, pois que a todos chega a idade da descrença e do
cinismo, seja porque os que mandam nesse mundo andam descarados num grau
superlativo e batem, sem dó nem piedade, forte demais, nas nossas ilusões. A verdade
é que toda e qualquer solução proposta por qualquer um que tenha o poder e o
dinheiro ao seu lado soa-me como uma falácia construída para nos distrair. Um imaginário
mundo de promessas que nunca se realizarão.
Aqui em Terra
Brasilis, no meu quintal, tudo anda de mal a pior, e andamos a descer a ladeira
sem direito a freios; descontroladamente. Em alguns dias teremos eleições neste
país onde a única coisa que parece ter evoluído sem direito à marcha à ré é o
tamanho da violência com a qual convivemos. Estamos em guerra, armados de fuzis
e bombas a assassinar toda e qualquer possibilidade de futuro. E eu, como
muitos aqui, votarei sem esperar que nada mude, pois parece-me que o nada é
tudo que nos resta.
Entretenimento?,
o novo disco do Senhor Carlos Nobre, a.k.a Carlão, nasceu no último dia 14 ainda
antes de o dia amanhecer. Boa música veio ao mundo neste data para a alegria
dos ouvidos de muitos e para o completo deleite dos meus olhinhos que, depois
de tantos anos, (quase 10 deles!), continuam a encantar-se profundamente com as
letras e as palavras deste tuga que a mim me fez apaixonar-me pela música lusa
e pelo país que, até então, não figurava no mapa do meu mundo particular.
Sem poder ser imparcial, pois que a imparcialidade não será jamais companheira da paixão,
Entretenimento? traz consigo o melhor do gênero e cumpre com esmero as funções
da arte: catarse com direito a reflexão existencial e divertimento num só
pacote. Pois, Entretenimento?, assim agarrado a um ponto de interrogação, nos
encara de frente a questionar-nos sobre a frivolidade da existência humana
moderna. Afinal, tudo vale a pena se, e apenas se, a alma não for pequena, não?
Muito para além
do Bojador, Carlão definitivamente lançou-se ao mar e ao mundo no novo disco. Muito
menos introspectivo, renascido depois do mergulho em seu mundo particular nos
Algodões e da reflexão sobre si próprio em Quarenta, neste disco, apesar de sua
escrita refletir essencialmente o homem Carlos, vemos que ele anda a olhar para
mais além no horizonte.
Carlão
definitivamente mostra que não é um MC, e sim um inteligente e poético representante
da música popular portuguesa moderna. Um artista a ressaltar as qualidades
únicas de tudo que nasce de misturas e por isso faz-se único, afinal o que é
mestiço é diferente do “normal”, sobressai no e do meio e mostra-se impossível
de copiar.
Sendo assim, em
Entretenimento? encontramos toques de Bossa Nova, reflexos do Fado, dicas de Hip-Hop,
música eletrônica e tudo aquilo que o Seu Carlos sentiu fazer sentido cantar. No
dia 14 de Setembro nasceu uma obra única e que está cá fora para ser ouvida com
atenção. Eu de minha parte elegi as minhas favoritas: Entretenimento - Cerejas,
Só isso – Repetido – Bebe um Copo – Na Margem - Foge de Mim, (nesta ordem). Mas essa é uma
seleção minha, mui particular e não vale para os outros o que para mim valerá,
afinal no mundo musical universalmente particular de Carlão cada um tem o
direito de criar um país só seu.
Ando cidadã
cabisbaixa, com vergonha minha, e nada alheia, de tudo que se passa na minha
mui amada Terra Brasilis; meu noutros-tempos-porto-seguro. Pois, minha
Pindorama, berço de gente sem muitos modos e detentora de todo o respeito por tudo
que tem sentido profundo nesta vida e vale a pena, apesar de não valer muitos
dinheiros, tem sofrido por demais em nossas mãos.
Feito cachorro
louco, andamos alienados a tentar morder o próprio rabo e damos milhares de
passos sem sair do lugar. Mergulhados numa crise gestada por nós mesmos, pela
nossa maldita e crônica falta de compreensão do que vem a ser cidadania e
sociedade e do quão fundamental elas são, temos visto a qualidade da existência
em nosso país dar marcha à ré. Retrocedemos, à la Martin Macfly sem saber que
isso era possível, para um passado mais injusto.
Pois, de futuro
incerto e ameaçado, nos sentíamos um tanto desgovernados. Contudo, depois do
último domingo, estamos a nos sentir total, completa e irrestritamente
abandonados e à deriva num mundo desconhecido. Já sem futuro, aprendemos depois
do incêndio absurdo e irresponsável no Museu Nacional no Rio de Janeiro que
estamos a perder o nosso passado. E eu, como grande parte dos brasileiros, sinto-me
enlutada a observar o desaparecimento do que chamo de minha nação.
Todas as obras
de arte, artefatos, o conhecimento e a História perdidos no último domingo
formavam parte do que somos nós desde sempre; desde antes de nos sabermos como
brasileiros. No dia 03 de setembro de 2018 grande parte de nós foi apagada deste
mundo sem possibilidades de volta não por falta de dinheiro como parece-nos num
primeiro momento, e sim pelo descaso e pela falta de caráter de um povo e seus
líderes que não dão qualquer importância à sua cultura e história.
Eu, de minha parte,
sinto-me órfã como se meu país tivesse sumido do mapa e, definitivamente envergonhada
de ser brasileira; a Candelária, Eldorado dos Carajás, Mariana, o Museu
Nacional, a violência que nos mata todo santo dia...