Lágrimas sem peso
“... E choro
tudo o que não chorei pelos meus mortos. Depois adormeço. E as lágrimas, sem
peso, ficam-me presas aos olhos.” (in As Areias do Imperador 3 – O bebedor de
Horizontes de Mia Couto)
Entre as minhas
manias, que são inúmeras e engordam com o passar dos anos, uma nova apareceu-me
por estes dias: o livro do Metrô. Explico-me. Chamo de livro do Metrô àquele
que apenas leio nos transportes públicos, e/ou que carrego comigo sempre que
sei que algum tempo de espera se fará presente na minha rotina, e que fica a
dormir em casa à espera de um novo passeio. Por estes dias o tal livro é o
terceiro e último episódio de As Areias do Imperador de Mia Couto. E sentada no
banco do tal Metrô, livro em punho, a frase - “E as lágrimas, sem peso,
ficam-me presas aos olhos.” – mergulha em mim contundentemente.
Penso no peso
das dores que não foram choradas por completo pelos mais diversos motivos. Porque
temos que ser fortes, porque percebemos que algumas de nossas dores são tão
absurdamente ridículas para o mundo que nos contemos e suspendemos as nossas lágrimas
que ficam para sempre a morar em cima dos nossos olhos, porque já choramos
tanto durante tantos anos que as nossas lágrimas ficam mais sabidas e não se lançam
dos olhos por qualquer motivo; principalmente por motivos antigos,
pré-históricos. Lágrimas contidas.
Seja lá como
for, ou quem for, a verdade é que com a idade ou a experiência ganham seriedade
as lágrimas que não se desperdiçam em vão. Elas acautelam-se, preparam-se para
momentos em que o nó na garganta aperta em demasia e a enchente da alma ultrapassa
o tênue limite delimitado pelos cílios dos olhos. Lágrimas adultas caem gordas
e profundamente sentidas mesmo que sejam minúsculas e solitárias. Lágrimas doídas.
Sei que para
alguns, homens ou mulheres, é mais difícil chorar. Pessoas mais controladas,
quiçá. Para mim sempre foi fácil isso de deixar as águas rolarem olhos abaixo e,
como a personagem do livro, já passei algumas noites a chorar até cansar; até
dormir. Assim choram as pessoas ditas fortes: escondidas, sozinhas, pelos
cantos ou sob os lençóis. É bem verdade que também choro de tanto rir sem
vergonha e até passar mal, que já chorei de alegria e por orgulho com e pelos meus
miúdos e, o mais estranho dos choros que a mim me pertencem, choro quando quero
muito fazer xixi. Lágrimas freak.
Lágrimas sem
peso, mágoas sequinhas de tão antigas, a tristeza pertinente a todo ser que
pensa muito e, consequentemente, sente muito também. Quem não as têm bem
guardadas no canto dos olhos?
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