quinta-feira, 20 de junho de 2019

Lágrimas sem peso




Lágrimas sem peso

“... E choro tudo o que não chorei pelos meus mortos. Depois adormeço. E as lágrimas, sem peso, ficam-me presas aos olhos.” (in As Areias do Imperador 3 – O bebedor de Horizontes de Mia Couto)

Entre as minhas manias, que são inúmeras e engordam com o passar dos anos, uma nova apareceu-me por estes dias: o livro do Metrô. Explico-me. Chamo de livro do Metrô àquele que apenas leio nos transportes públicos, e/ou que carrego comigo sempre que sei que algum tempo de espera se fará presente na minha rotina, e que fica a dormir em casa à espera de um novo passeio. Por estes dias o tal livro é o terceiro e último episódio de As Areias do Imperador de Mia Couto. E sentada no banco do tal Metrô, livro em punho, a frase - “E as lágrimas, sem peso, ficam-me presas aos olhos.” – mergulha em mim contundentemente.

Penso no peso das dores que não foram choradas por completo pelos mais diversos motivos. Porque temos que ser fortes, porque percebemos que algumas de nossas dores são tão absurdamente ridículas para o mundo que nos contemos e suspendemos as nossas lágrimas que ficam para sempre a morar em cima dos nossos olhos, porque já choramos tanto durante tantos anos que as nossas lágrimas ficam mais sabidas e não se lançam dos olhos por qualquer motivo; principalmente por motivos antigos, pré-históricos. Lágrimas contidas.

Seja lá como for, ou quem for, a verdade é que com a idade ou a experiência ganham seriedade as lágrimas que não se desperdiçam em vão. Elas acautelam-se, preparam-se para momentos em que o nó na garganta aperta em demasia e a enchente da alma ultrapassa o tênue limite delimitado pelos cílios dos olhos. Lágrimas adultas caem gordas e profundamente sentidas mesmo que sejam minúsculas e solitárias. Lágrimas doídas.

Sei que para alguns, homens ou mulheres, é mais difícil chorar. Pessoas mais controladas, quiçá. Para mim sempre foi fácil isso de deixar as águas rolarem olhos abaixo e, como a personagem do livro, já passei algumas noites a chorar até cansar; até dormir. Assim choram as pessoas ditas fortes: escondidas, sozinhas, pelos cantos ou sob os lençóis. É bem verdade que também choro de tanto rir sem vergonha e até passar mal, que já chorei de alegria e por orgulho com e pelos meus miúdos e, o mais estranho dos choros que a mim me pertencem, choro quando quero muito fazer xixi. Lágrimas freak.

Lágrimas sem peso, mágoas sequinhas de tão antigas, a tristeza pertinente a todo ser que pensa muito e, consequentemente, sente muito também. Quem não as têm bem guardadas no canto dos olhos?


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