Desde pequena, sempre que entrava na casa de meus avós paternos, o fato de que a democracia reinava dentro de nossa família ficava claro. Ali cada um podia ter suas opiniões. Bom, pelo menos aquelas relativas à bola, pois em nossa família galos e galinhas, sem querer ofender a ninguém, podiam cantar alto quando o assunto era futebol. A bola em nossa casa era uma paixão democrática.
Assim que entrávamos na casa, pendurados lado a lado, sem estarem muito próximo porém, que amizade entre rivais é coisa delicada, ficavam quadros com os símbolos de dois times: Palmeiras e Corinthians, os quais eram mais conhecidos como “Parmera” ou Palestra e “Curingão” ou Timão sob o teto de meus avós. Meu avô, o senhor Luiz Paroli, descendente de italianos e, por tanto, um palmeirense roxo (talvez seja melhor dizer verde, verdíssimo) casou-se com dona Luiza Ballesteros Diaz, espanhola pequena e ardida tal pimenta, que levava no peito, desde muito jovem, a paixão pelo Timão. Desta forma nasceu a nossa família desde o berço dividida.
Para desgosto de meu avô, e para mostrar que quem manda mesmo dentro de casa é a mulher, meu pai e seus irmãos tornaram-se corintianos, alvinegros de alma que não olham com bons olhos o verde em questão. A meu avô restou apenas o consolo de um neto palmeirense, de um herdeiro verde para tentar equilibrar a tão injusta divisão dentro de nosso campo familiar. Somos então uma família de rivais, onde falar de futebol e sentar-se todo domingo na frente da televisão é um hábito que vem desde sempre, desde o tempo no qual eu era bem criança e, por isso, trago ainda comigo lembranças sobre o futebol que são feito sonho: cheias de fantasia e impressões fantásticas.
Seja como for, a bola é uma paixão, uma tradição. E vê-la em campo num dia de Corinthians e Palmeiras, como hoje foi, é sempre muito bom. É lembrar-me de minha avó com radio grudado ao ouvido e de meu avô vestindo a camisa verde com todo o orgulho naqueles domingos de sala cheia com meus primos, meu irmão e eu, pequenos, sentados no chão. Domingo de Palestra Itália e Coringão era dia de muita torcida, risadas, desculpas um tanto esfarrapadas, macarronada e muita diversão.
Hoje e sempre teremos domingos de Corinthians e Palmeiras, contudo estes não serão, nunca mais, cópias fiéis daqueles passados na casa de meus avós. E isso me faz pensar que há paixões que ultrapassam nossa existência, como a paixão pelo futebol que meus avós cultivam em seus filhos e netos. Contudo há outras que nos deixam cedo demais, como a paixão que é termos colo de avós e passar o domingo feito ninhada da casa deles. Um beijo a meus avós Luiz e Luiza, Mauro e Estela. Eu sigo daqui amando futebol e imaginando que lá do alto, donos de asas, eles ainda sentam-se em frente à TV a discutir num domingo de futebol.
Vale lembrar que futebol, e qualquer outro esporte, não tem relação alguma com a violência como hoje vimos em Sampa. Toda paixão é bem vinda, mas ela sempre deve estar acompanhada de respeito e uma pitada de democracia, como já sabia meu italianíssimo avô Paroli. Um beijo a todos os meus amigos corintianos, palmeirenses, santistas, são-paulinos e etecetera e tal, que aqui não confundimos as bolas.
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