Cordilheira dos Andes vista do nosso avião |
Noutro dia, de repente, tal chuva de verão, me inundou, e aguou a boca, uma saudade imensa das azeitonas que comi no Chile; que comemos no Chile. Aquelas azeitonas negras, de tons azuis como a noite, eram quase doces de tão suaves e acompanharam muito bem ao vinho tinto de todos os dias da viagem. E hoje, tomando um pouco de vinho chileno, lá veio ela outra vez, a tal saudade das azeitonas e de tudo que aconteceu ali. Este é o bom da saudade, ela sempre vem acompanhada de lembranças queridas, de amigos de longa data, de paladares, cheiros e olhares, de palavras escritas ou ditas. Olha lá, cá está o vinho chileno a falar através da minha língua.
Mas a verdade é que não há nada como sair do nosso lugar e abrir muito bem os olhos para poder olhar muito além do umbigo, sítio santo e querido, onde passamos quase a vida inteira. Lembro de tantas sensações do Chile, e tanta coisa me encantou tanto que fica difícil começar. Por isso, começo pelo começo, pelo antes do chegar e aquela visão tão gigante quanto um oceano que se pôs na minha frente, ou abaixo de mim para ser mais precisa, durante um bom tempo: as Cordilheiras dos Andes. Apenas naquele momento, e daquele ponto de vista de ave, compreendi o que muitos livros e todos os números neles contidos nunca puderam expressar corretamente para mim: que a palavra cordilheira significa um mar de montanhas sem fim.
Pois é, por mais que ame os livros e as palavras neles contidos, não há como compará-los àquilo que os olhos, ouvidos, mãos e todos os sentidos podem nos proporcionar. Por tanto, apesar de ser muito bom mergulhar numa boa leitura, é melhor ainda mergulhar na realidade que por aí está. Destes mergulhos em realidades paralelas, que ocorrem independente das nossas todos os dias, resultam momentos impossíveis de se imaginar levando vida de árvore, a ficar plantado sempre no mesmo lugar. Simplesmente, não dá.
Para mim não havia como imaginar dias com meus amigos queridos e a divertida intimidade do café da manhã no flat com café a moda dos turcos, sem coá-lo; ou alguém poderia pensar que os chilenos parecem quase desconhecer o que venha a ser um coador de café? Eu não poderia dizer o que é entrar num gigantesco viveiro de aves coloridas e tranqüilas, a voar e passear como se nós não estivéssemos lá. Nem saberia que tomar vinho pode ser mais barato do que tomar um bom café, e que há lugares tão secos no mundo que, por mais que se ande ao sol, o corpo esquece o que é suar. Nunca sentiria o que senti andando pela casa de Pablo Neruda cheia de seus móveis, livros e lembranças. Algo tão intenso que parecia ainda ser possível vê-lo lá.
E foi assim, cheio de novidades que começou 2012. Ano que entrou para meus amigos Marcus, Karin, Ricieri e eu em forma de fogos de artifício impressionantes que explodiram sobre o Oceano Pacífico. Pois lá estávamos nós, sem conhecer ninguém, sem lugar para dormir e, mesmo assim, muito bem acolhidos pela simpatia e boa vontade de pessoas que nunca havíamos visto e que dificilmente tornaremos a ver algum dia. E que saudade me dá dos dias andando por museus, ruas e parques, dos restaurantes e sua comida, da vinícola e todo seu verde, branco e tinto, de falar espanhol e de ouvir o meu amigo Riciere, que fala todas as línguas sem saber nenhuma, tentando discutir política e economia com todo e qualquer chileno que estivesse disposto a um bom papo. Há coisas que não cabem nos livros e, por isso, é muito bom viver.
Um beijo apertado e cheio de saudade a todos os meus amigos de longe e a minha família. Logo estarei eu num avião apenas para poder abraçá-los mais uma vez.
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