Ando a sentir-me personagem de folhetim, daqueles que ficam à
janela vendo a vida alheia passar por achar que nada, mas nada mesmo neste
mundo é mais importante que saber o que se passa entre as quatro paredes de
outrem. E assim me imiscuo ao que a mim não me pertence, ao que não me diz
respeito hoje e nunca o dirá, não por vontade própria, mas porque, tal como
qualquer personagem, tenho minha vontade sobrepujada à vontade de meu autor
bufão e tropical, o meu Brasil.
Pois que neste meu país, apesar de todos os pesares, de todos
os problemas e questões tão importantes que nos afligem a cada dia, o que
parece ser importante por estes dias e invade-me olhos e ouvidos, massivamente,
é o fato de Daniela Mercury estar a dividir a cama com outra mulher. E fica a
impressão que não nos interessa mais que haja ou não gente que mal come em
nossas terras, que uma corja escolhida a dedo comande este nosso país, que
tenhamos um dos piores níveis de educação e saúde dos países em desenvolvimento.
E, por encanto, esquece-se que temos uma das mais injustas distribuições de
renda do mundo nesta pátria rica de um povo, em sua maioria, muito pobre. Nada, nadica de nada parece nos importar. Importa-nos
apenas quem a fulana ou o beltrano está a foder como se isso tivesse qualquer relevância
a alguém para além dos indivíduos que formam o tal casal.
E a verdade é que a mim não me interessa nem um pouco, nada
mesmo, com quem a Sra. Mercury vem ou não a dormir, tanto quanto não me
interessa a vida particular de quase ninguém a não ser a daqueles com quem
divido a minha própria. E discute-se, como se fosse um caso de vida ou morte,
se deve-se ou não ser legalizada a união civil entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. E eu
pergunto: Como? Como podemos imaginar que devemos, ou podemos, nos meter na
vida alheia assim? Claro que as pessoas que assim o querem devem poder casar-se
com quem elas bem entendam. Amor é amor e jamais, em tempo algum nesta terra,
será algo feio ou imoral. Duas pessoas adultas a querer dividir a vida para serem
mais que amigas, para serem companheiras e cúmplices nos momentos em que mais
se precisa é algo que deve ser legal em todos os sentidos que a palavra possa
ter. Sim, isso é mais que legal, é algo muito bonito de se ver.
Talvez ande a faltar vida na vida de muita gente que, por
falta de interesse na sua própria, procura interessar-se pela vida alheia. E isso,
na arraia-miúda não chega a prejudicar quase ninguém, e faz mesmo é cansar a paciência
dos ouvidos de quem compartilha tais redondezas. Mas esse não pode ser o
assunto mais importante de uma nação. Uma nação e seus cidadãos devem
preocupar-se, antes de tudo, com a liberdade de todas as gentes sem distinção
de credo, cor, gênero, opção sexual e/ou qualquer outro detalhe que resolvamos
ressaltar. O que significa que todos nós temos os mesmos direitos e deveres
sempre, e quanto a isso não deveria haver sequer qualquer discussão.
Uma nação e os seus cidadãos deveriam preocupar-se em lutar
pelo bem comum, por aquilo que afeta-nos diariamente e que poderia tornar a
vida melhor e mais fácil para aqueles que têm menos possibilidades e poderes
nas mãos. Falta-nos, isso sim, preocuparmos e lutarmos mais por aquilo que
realmente importa: por uma sociedade mais justa e leal para cada um de nós.
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