Nesta semana, mais precisamente no
dia 19 de Outubro, Vinicius de Moraes completaria 100 anos de vida, e tal
idade, nos dias de hoje, já não nos parece tanto assim, pois não? Fato que me
deixa ainda mais magoada com a partida dele, um tanto prematuramente para mim, no
dia 9 de julho de 1980. Será que Deus não poderia ter sido mais generoso
conosco e ter deixado o poeta mais tempo entre nós? “Que maçada!” diria o português.
Pois que eu, ainda muito menina, já era grande fã no final dos anos 70 e fiquei
para lá de chateada com a morte do homem que fizera poesia que me fazia rir e
cantar.
Lá vem o Pato
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o Pato
Para ver o que é que há.
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o Pato
Para ver o que é que há.
Apaixonei-me por ele com a Arca de Noé, poesia para crianças
e, ainda hoje, acho demasiado injusto isso dele ter se ido para versar no céu.
Numa época em que ainda não havia a chatice do politicamente correto e a falta
de educação dos dias de hoje, Vinicius, de uísque à mão e cigarro entre os
dedos, foi a Xuxa da minha geração. Eita infância boa, não? Lembro-me ainda da
fascinação de ouvir pela primeira vez o poema A Casa e tentar, durante
toda a infância, imaginar como seria a tal moradia sem chão ou paredes e que,
apesar disso, tinha sido feita com muito esmero na rua dos bobos, número zero. Agora,
ouvindo novamente o poema feito em canção, aperta-me o peito, inundam-se os
olhos. Que saudade da infância com Vinicius de Moraes...
Lembro-me também que diante de meus olhos pousou-se o Soneto
de Separação no primeiro semestre da Faculdade de Letras. Minha
primeira análise de uma poesia a sério e “valendo nota” donde deveriam sair
cinco laudas. Lembro-me que eu só pensava: “Deus meu, como escrever cinco
laudas a partir de 14 versos, distribuídos em 2 quadras e 2 tercetos com os
tais dos abba/abba/cdc/cdc?”. Felizmente as tais laudas saíram, e mais
felizmente ainda, hoje sei que poesia não deve ser vista como uma fórmula ou
analisada como se fosse uma expressão da matemática, ou coisa lá da gramática.
Coisa que Vinicius, que sempre deu de ombros aos louros e às formalidades bem o
sabia; poesia é feita para encantar-nos, para ser sentida e para significar
muito, muito mesmo, em pouquíssimas linhas.
Soneto de separação
De repente do riso fez-se
o pranto
Silencioso e branco como
a bruma
E das bocas unidas fez-se
a espuma
E das mãos espalmadas
fez-se o espanto.
De repente da calma
fez-se o vento
Que dos olhos desfez a
última chama
E da paixão fez-se o
pressentimento
E do momento imóvel
fez-se o drama.
De repente, não mais que
de repente
Fez-se de triste o que se
fez amante
E de sozinho o que se fez
contente.
Fez-se do amigo próximo o
distante
Fez-se da vida uma
aventura errante
De repente, não mais que
de repente.
Ainda hoje admiro
a Vinicius não apenas por sua obra em si, mas também pela sua capacidade de
tornar algo normalmente distante e feito apenas para poucos, como o é a poesia,
em algo que encantou a todos nós, dos mais miudinhos como eu aos seis ou sete
anos de idade com a sua Arca poética ou ao Mundo inteiro dos adultos com a tal Garota
que passava pela orla de Ipanema. E tenho certeza que a música de meu país deve
a ele muito de toda a qualidade e beleza que encontramos nas letras que dão voz
a música brasileira. Vinicius foi grande.
Sei que por
muitos motivos muitos creem que o meu Vinicius não se compara aos outros
senhores da poesia nativa - os grandes poetas brasileiros, e que um Bandeira,
um Melo Neto e um Drummond têm um peso muito maior na história da nossa
literatura; eu sei. Entretanto eu sei, também, que ele foi capaz de escrever versos
simples, singelos, tão fortes e verdadeiros, tão possíveis de serem sentidos e
compreendidos que ficaram imediatamente, e para todo o sempre, no coração de
toda a gente que, um dia, colocou seus olhos neles. Um viva pro Vinicius: Viva!
Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure
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