quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O meu Vinicius de Moraes


Nesta semana, mais precisamente no dia 19 de Outubro, Vinicius de Moraes completaria 100 anos de vida, e tal idade, nos dias de hoje, já não nos parece tanto assim, pois não? Fato que me deixa ainda mais magoada com a partida dele, um tanto prematuramente para mim, no dia 9 de julho de 1980. Será que Deus não poderia ter sido mais generoso conosco e ter deixado o poeta mais tempo entre nós? “Que maçada!” diria o português. Pois que eu, ainda muito menina, já era grande fã no final dos anos 70 e fiquei para lá de chateada com a morte do homem que fizera poesia que me fazia rir e cantar.

Lá vem o Pato
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o Pato
Para ver o que é que há.

Apaixonei-me por ele com a Arca de Noé, poesia para crianças e, ainda hoje, acho demasiado injusto isso dele ter se ido para versar no céu. Numa época em que ainda não havia a chatice do politicamente correto e a falta de educação dos dias de hoje, Vinicius, de uísque à mão e cigarro entre os dedos, foi a Xuxa da minha geração. Eita infância boa, não? Lembro-me ainda da fascinação de ouvir pela primeira vez o poema A Casa e tentar, durante toda a infância, imaginar como seria a tal moradia sem chão ou paredes e que, apesar disso, tinha sido feita com muito esmero na rua dos bobos, número zero. Agora, ouvindo novamente o poema feito em canção, aperta-me o peito, inundam-se os olhos. Que saudade da infância com Vinicius de Moraes...

Lembro-me também que diante de meus olhos pousou-se o Soneto de Separação no primeiro semestre da Faculdade de Letras. Minha primeira análise de uma poesia a sério e “valendo nota” donde deveriam sair cinco laudas. Lembro-me que eu só pensava: “Deus meu, como escrever cinco laudas a partir de 14 versos, distribuídos em 2 quadras e 2 tercetos com os tais dos abba/abba/cdc/cdc?”. Felizmente as tais laudas saíram, e mais felizmente ainda, hoje sei que poesia não deve ser vista como uma fórmula ou analisada como se fosse uma expressão da matemática, ou coisa lá da gramática. Coisa que Vinicius, que sempre deu de ombros aos louros e às formalidades bem o sabia; poesia é feita para encantar-nos, para ser sentida e para significar muito, muito mesmo, em pouquíssimas linhas.

Soneto de separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Ainda hoje admiro a Vinicius não apenas por sua obra em si, mas também pela sua capacidade de tornar algo normalmente distante e feito apenas para poucos, como o é a poesia, em algo que encantou a todos nós, dos mais miudinhos como eu aos seis ou sete anos de idade com a sua Arca poética ou ao Mundo inteiro dos adultos com a tal Garota que passava pela orla de Ipanema. E tenho certeza que a música de meu país deve a ele muito de toda a qualidade e beleza que encontramos nas letras que dão voz a música brasileira. Vinicius foi grande.

Sei que por muitos motivos muitos creem que o meu Vinicius não se compara aos outros senhores da poesia nativa - os grandes poetas brasileiros, e que um Bandeira, um Melo Neto e um Drummond têm um peso muito maior na história da nossa literatura; eu sei. Entretanto eu sei, também, que ele foi capaz de escrever versos simples, singelos, tão fortes e verdadeiros, tão possíveis de serem sentidos e compreendidos que ficaram imediatamente, e para todo o sempre, no coração de toda a gente que, um dia, colocou seus olhos neles. Um viva pro Vinicius: Viva!

Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure


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