terça-feira, 13 de agosto de 2013

a Sereia



Muitos minutos haviam passado sem que ela notasse o tempo, absorta em pensamentos e letras, presa a sentimentos e fotos. O tempo, para Ana, tornara-se algo relativo há algum tempo. Em seus dias corridos, repletos de trabalho, de amigos e de conversas, aparecia o silêncio branco e concreto. Não havia como escapar daqueles momentos insistentes a lembrá-la de que a felicidade não passava de breve ilusão.  Os momentos de vazio eram mais reais do que os outros, pois, neles, apenas neles, Ana conseguia sentir-se completamente.

Agora, deitada na rede da varanda como se o mundo tivesse, pacificamente, parado de girar, Ana olhava o mar indeciso. O mar que não se sabia azul ou verde. E como ele, a mulher sentia-se frouxa, vaga. João havia partido e, com ele, foi-se o tempo em que tudo fazia sentido. A morte chega para tudo, para todos; e até mesmo as palavras haviam morrido. Não havia mais palavras girando em sua cabeça ou povoando seu coração. Não havia mais palavras. Havia o vazio de uma vida que significara pouco, ou nada. Havia a certeza de que falhara, de que perdera aquilo que de mais precioso havia. Ana perdera a sua crença na beleza e na fantasia.

João se foi para nunca mais voltar. Partiu a cantar como sempre o fizera durante os anos que estiveram juntos, juntos mesmo quando entre eles havia muitos quilômetros de águas e o medo de algo que não se pode explicar. João cantava, cantou durante anos para que ela o ouvisse; e aquela música, feita de verdades que não podiam ser ditas, enchia a alma desta mulher que não aprendera a deixar de ser menina. Ana o ouvia, ouvia suas linhas e entrelinhas que viajavam pelos oceanos de águas e medos em caravelas de crença e poesia capazes de vencer o tempo, a distância e o desencanto. E, enquanto o ouvia, a vida lhe parecia bela; perfeita.

De repente, Ana sorri. “João foi minha sereia”, pensou ela. A ideia chega pronta e sem avisos à mente fazendo-a achar graça deste ser tão sem jeito que haveria de ser o representante de sua mitologia particular. João era sem jeito mesmo; longe do perfeito com seu humor terrivelmente seu, suas idiossincrasias cheias de raízes e seu egoísmo de homem. Contudo, e talvez por tudo isso, depois de tanto procurar, apenas nele Ana havia encontrado o que buscara por uma vida. Por toda a vida. Ele era seu Preto, sua poesia. E agora lhe restava, apenas, o mais branco silêncio para o resto de seus dias.

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