Muitos minutos haviam passado sem que ela
notasse o tempo, absorta em pensamentos e letras, presa a sentimentos e fotos. O
tempo, para Ana, tornara-se algo relativo há algum tempo. Em seus dias
corridos, repletos de trabalho, de amigos e de conversas, aparecia o silêncio
branco e concreto. Não havia como escapar daqueles momentos insistentes a
lembrá-la de que a felicidade não passava de breve ilusão. Os momentos de vazio eram mais reais do que
os outros, pois, neles, apenas neles, Ana conseguia sentir-se completamente.
Agora, deitada na rede da varanda como se
o mundo tivesse, pacificamente, parado de girar, Ana olhava o mar indeciso. O
mar que não se sabia azul ou verde. E como ele, a mulher sentia-se frouxa,
vaga. João havia partido e, com ele, foi-se o tempo em que tudo fazia sentido. A
morte chega para tudo, para todos; e até mesmo as palavras haviam morrido. Não
havia mais palavras girando em sua cabeça ou povoando seu coração. Não havia
mais palavras. Havia o vazio de uma vida que
significara pouco, ou nada. Havia a certeza de que falhara, de que perdera
aquilo que de mais precioso havia. Ana perdera a sua crença na beleza e na
fantasia.
João
se foi para nunca mais voltar. Partiu a cantar como sempre o fizera durante os
anos que estiveram juntos, juntos mesmo quando entre eles havia muitos
quilômetros de águas e o medo de algo que não se pode explicar. João cantava,
cantou durante anos para que ela o ouvisse; e aquela música, feita de verdades
que não podiam ser ditas, enchia a alma desta mulher que não aprendera a deixar
de ser menina. Ana o ouvia, ouvia suas linhas e entrelinhas que viajavam pelos
oceanos de águas e medos em caravelas de crença e poesia capazes de vencer o
tempo, a distância e o desencanto. E, enquanto o ouvia, a vida lhe parecia bela;
perfeita.
De repente,
Ana sorri. “João foi minha sereia”, pensou ela. A ideia chega pronta e sem
avisos à mente fazendo-a achar graça deste ser tão sem jeito que haveria de ser
o representante de sua mitologia particular. João era sem jeito mesmo; longe do
perfeito com seu humor terrivelmente seu, suas idiossincrasias cheias de raízes
e seu egoísmo de homem. Contudo, e talvez por tudo isso, depois de tanto procurar,
apenas nele Ana havia encontrado o que buscara por uma vida. Por toda a vida.
Ele era seu Preto, sua poesia. E agora lhe restava, apenas, o mais branco
silêncio para o resto de seus dias.
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