quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

A saga ínfima da borboleta



A saga ínfima da borboleta

Ana achara bonito ser borboleta a encantar aos olhos de quem ao longe a observava. Havia algo de poético em todo o mistério daquilo que não se poderia ter em tempo algum. Algo que desde a distância se admira mas que, apesar de todos os poréns e os entretantos que as mentes criativas possam imaginar, jamais se poderia ter. Algo raro; algo delicadamente caro.

E assim, munida de muitas cores, a menina deixou-se levar pelas luzes da lamparina que ao longe ela acreditava encantar. Voos acrobáticos e poemas desleixados; com toda a coragem do mundo contida em poucos centímetros de um pequeno ser alado, Ana aceitou, sem qualquer pudor, todos os sentimentos que sentia.

Sem necessidade alguma de uma qualquer comprovação que à lógica muita falta faria, quiçá porque a lógica não pertença, por essência, ao “métier” do existir das borboletas. Ana, transformada pela sua experiência kafkiana tropical, caminhou, mulher-borboleta, em direção à luz sem piscar; atenta e enlevada.

Por anos, em sua busca que em muito às cruzadas se assemelhava, a borboleta atravessou florestas, sobrevoou montanhas, cruzou o mar e perdeu-se por ruas de cidades por ela desconhecidas para enfim, depois de muito querer, próxima à luz estar. Encantadora luz que de perto ainda mais a encantava, tão rara.

Porém, transformada em borboleta, durante a longa jornada a menina não percebera claramente o que ali se passava. Ana ignorou a todas as regras e leis que a natureza da realidade nos mostra a todo instante e todo santo dia.  A borboleta, para a luz, não seria, jamais, nada para além do que ela veramente era: apenas um inseto bonito que, por instantes se admira antes de seguirmos, sem apegos, adiante.


terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Sina




Sina
                                                                  de Djavan por Arnaldo e Rincon 

Pai e mãe, ouro de mina
Coração, desejo e sina
Tudo mais, pura rotina, jazz
Tocarei seu nome pra poder falar de amor

Minha princesa, art-nouveau
Da natureza, tudo o mais
Pura beleza, jazz

A luz de um grande prazer
É irremediável neon
Quando o grito do prazer
Açoitar o ar, réveillon

O luar, estrela do mar
O sol e o dom
Quiçá, um dia, a fúria desse front
Virá lapidar o sonho
Até gerar o som
Como querer Caetanear
O que há de bom

domingo, 16 de dezembro de 2018

Afogada



Afogada


Submersa num oceano de gentes
te encontro
hipoteticamente. Num canto à esquerda do carro do metrô
estás recostado na parede de metal a pensar.
Sim, tu poderias muito bem estar aqui.
Não estás.
Estão milhares de pessoas que passam apressadas,
olhos nas telas de seus mundos infinitamente
individuais.
Vejo a todos os tipos de gentes que neste planeta nos representam
em poucos metros quadrados
porque minha cidade é muito maior do que o mundo que muitos conhecem.
Maior do que muitas terras,
somos mais  de doze milhões de mestiços,
homens e mulheres sem casta e
de raça indefinida somos todos tão parecidos... Únicos.
Todos mudos seguimos,
a ver a vida caminhar unidos pelos democráticos tuneis de concreto.
Imagino como será a vida de cada um deles, o que fazem,
se me veem.
Eu, provavelmente, nunca mais verei a qualquer um destes rostos
alguma vez mais e,
mesmo assim,
me interessa tanto observá-los e guardá-los delicadamente na minha memória.
Eles são parte de quem sou eu; a minha realidade
e me invadem a alma curiosa,
observadora,
calada.
Invadem minha alma e ela se afoga com a enchente de gentes.
Enchente que contrasta
cinicamente com a secura da tua ausência perene.
Sim, poderias estar aqui.

domingo, 9 de dezembro de 2018

Se Eu Fosse Eu




Quando eu não sei onde guardei um papel importante e a procura revela-se inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase "se eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar, diria melhor SENTIR.

E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser movida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida.

Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua, porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.

Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo que é meu e confiaria o futuro ao futuro.

"Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido.

No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teriamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos emfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando, porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais

Clarice Lispector



segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

TU





Tu
Tulipa Ruiz

Tu
Tudo não passa de um ponto de vista
Toda pessoa que fala e que pisca
Quando o sujeito tá ali
Mesmo no outro você é capaz de sentir

Tu
Quando a gente - tá na diferença
E o diferente não faz diferença
Quando é possível sortir
Tu é total tentativa de coexistir

Tu
Sempre que pinta na história você
E também é tudo que você vê
A gente pode assumir
Tu é o outro do outro que ainda vai vir

Tu
Tania Tais Turmalina Tatu
Tati Tetê Terezinha Tabu
Dorothy Amora Dercy
Tu é palavra importante pra gente aplaudir

Tu é palavra importante pra gente aplaudir
Mesmo no outro você é capaz de sentir
Tu é total tentativa de coexistir
Tu é o outro do outro que ainda vai vir
Tu

domingo, 2 de dezembro de 2018

Dezembro - bye bye 2018



Dezembro - bye bye 2018

2018 não foi um ano fácil, não senhor. Não foi o pior dos anos para mim, e sobre isso tenho toda a certeza do mundo também. 2015 foi o ano mais difícil da minha vida até o momento, apesar de ser o ano do nascimento da minha Vitória e dela ser uma alegria imensa nessa vida. Ela é um azougue de menina pequenina. Amo-a, como amo a todos os meus miúdos: de forma única e com igual intensidade.

Porém, o fato é que em 2015 perdi mais do que deveria ter perdido; mais do que qualquer um deveria perder. Mima foi embora e eu, finalmente e depois de muita teimosia, aceitei que o amor desta vida ficaria para uma outra. Agora é rezar para que isso de reencarnação realmente seja um fato quando chegar minha vez. Sinto muito saudade dos dois, de nossas conversas e da intensidade dos sentimentos que eles traziam para mim. Bom, eu topo pagar para ver quando for o tempo certo sem qualquer medo, apenas curiosidade.

Apesar de não ter sido o ano mais difícil de todos, 2018 tem sido deveras atribulado, cheio de curvas; um senhor dono de altos e baixos surpreendentes. Um ano à la montanha-russa que tem me desafiado e me estressado com todas as suas novidades, com toda a mudança que aconteceu na minha vida, na vida da família e dos amigos, no meu país.

Inesperadamente 2018 provou ser um ano mais longo do que o normal e, pelas minhas contas, deve estar a durar uns 437 dias com direito a poucos domingos e feriados. Por isso, sem arrependimentos, alegro-me com a chegada de dezembro; mesmo sabendo que o tal do 2019 não será mar de águas tranquilas.

O fato é que creio piamente que o próximo ano será um importante passo para frente para todos nós. E espero que sigamos por ele de maneira mais firme e sem muito atropelo. Assim, para variar um pouco, nada de presentes comuns para mim este ano. Já me adiantei e pedi ao Papai Noel um bom bocado de sossego e bons vinhos para os dias intranquilos. Que o Natal chegue!