domingo, 27 de dezembro de 2015

Deslembranças de Menino



Deslembranças de Menino

O menino me disse que ele se deslembrou,
amuado e inconformado com o fato
de que aquilo que estava no fundo da sua cuca
e na ponta da sua língua,
aquilo de extrema importância e que ia me contar, havia sumido.
O bicho lhe escapulira, passarinho de ágeis asas,
água de riacho fluida,
bolha de sabão que some quando nós fechamos as mãos.
E eu, ignorante das regras que explicam a criação
de toda língua que respira, sorri e corrigi: Você se esqueceu, Dieguito.
Não madrinha! (explicou-me o menino pequeno,
loiro e cheio de razão, que sabia muito bem o que queria dizer
e não carecia de ajuda ou explicação)
Eu sabia o que ia dizer, mas eu não sei mais.
Eu deslembrei.
Muito provavelmente o meu miúdo não se lembre mais deste momento,
já que vida de menino é cheia de acontecimentos
e algo assim tão pequeno
deve mesmo ter caído em total deslembramento.
Fica então, apenas para mim a lembrança
do tal momento
do nascimento de algo novo, a nossa capacidade 
para deslembrar.

A Nossa Casa



Casa


Lá fora é selva, a sós entre luz e trevas
Noiz presos nessas fases de guerra, medo e monstros
Tipo "Jogos Vorazes"

É pau, é pedra, é míssil
E crer é cada vez mais difícil
Entende um negócio, nunca foi fácil
Solo não dócil, esperança fóssíl

O samba deu conselhos, ouça
Jacaré que dorme vira bolsa
Amor, eu disse no começo
É quem tem valor versus quem tem preço

Segue teu instinto
Que ainda é Deus e o Diabo na terra do Sol
Onde a felicidade se pisca, é isca
E a realidade trisca, anzol
Corre!

O céu é meu pai, a terra mamãe
O mundo inteiro é tipo a minha casa
O céu é meu pai, a terra mamãe
O mundo inteiro é tipo a minha casa

Aos 15 o Saara na ampulheta
Aos 30 tempo é treta
Rápido como um cometa
Hoje a fé numa gaiola
O sonho na gaveta

Foi pelo riso delas que vim
No memo camin' por nóiz
Tipo Mágico de Oz
Meu coração é tamborim

Tem voz? Sim
Ainda bate veloz
Entre drones e almas
Flores e sorte
Se não me matou, me fez forte

É o caos como cais
Sem norte, venci de teimoso
Zombando da morte

Sem amor, um casa é só moradia
De afeto vazia, tijolo e teto, fria
Sobre chances, é bom vê-las
Às vez se perde o telhado pra ganhar as estrelas
Tendeu?

O céu é meu pai, a terra mamãe
O mundo inteiro é tipo a minha casa
O céu é meu pai, a terra mamãe
O mundo inteiro é tipo a minha casa

Ah! A gente já se acostumou
Que alegria pode ser breve
Mostre um sorriso, tenha juízo
A inveja tem sono leve

Na espreita pesadelos são
Como desfiladeiros, chão em brasa
Nunca se esqueça o caminho de casa

O céu é meu pai, a terra mamãe
O mundo inteiro é tipo a minha casa
O céu é meu pai, a terra mamãe
O mundo inteiro é tipo a minha casa

Salve Jardim Corisco, Cachoeira, Jardim Fontalis,Furnas,
Jardim Joamar, Pão de Mel, Jaçanã, Nova Galvão, Jardim Felicidade
12, Barrocada, Jardim das Pedras, Vila Rica
Tamo junto, a rua é nóiz!



EMICIDA

domingo, 20 de dezembro de 2015

O Nosso Impedimento



O Nosso Impedimento

Por algum motivo que me escapa, e ainda não sei se por estrema inocência ou por grande esperteza minha, o Brasil anda a dividir-se entre duas metades: aqueles que apoiam a Presidente da República, Sra. Dilma Rousseff, e aqueles que apoiam a saída da dita senhora da Presidência da República o quanto antes e clamam pelo tal do Impeachment. Escapa-me a motivação para tanta discussão já que para mim a questão é muito simples. Não há quem apoiar ou por quem lutar nesta Brasília de Cunhas, Rousseffs e Calheiros, pois, como cantou muito bem o malandro e safo Bezerra da Silva, “Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão!”.

É verdade que a falta de caráter geral daqueles que nos governam contribui para que a confusão se instale. Por um lado, como apoiar um Impeachment usado como moeda de troca, chantagem da grossa, pelo Excelentíssimo Senhor Eduardo Cunha? Pois, não há como unir forças com um homem desses, certo? Seria o mesmo que encarnar o Anakin Skywalker e aliar-se ao lado Dark da Força. Muito feio isso, não?

Por outro lado, crer que a Excelentíssima Presidente da República e o Excelentíssimo Senhor Luiz Inácio da Silva estão incólumes nos escândalos de corrupção/roubo do dinheiro público que envolvem o país inteiro, (de Mensalão a Petrolão, dos Correios aos Fundos de Pensões, e diversos outros roubos escandalosos que formam uma lista longa que só), é a mesma coisa que crer no Coelhinho da Páscoa  e no bom Velhinho Noel. Não dá, não é?

E, por favor, acreditar que o tal Impeachment é um golpe das elites brasileiras para tirar do governo um partido e uma presidente que lutam pelo povo é o mesmo que acreditar na lengalenga old school de Chaves e Maduro a culpar os temidos Yankees por toda e qualquer desgraça que assola a Venezuela.  É verdade que os Americanos são uma praga a se meter na vida de todo Mundo há anos, entretanto, não foram eles que quebraram a Venezuela. Isso os governos Chaves e Maduro fizeram sozinhos. Aliás, assim como a desastrosa e nada hábil Presidente da nossa República Federativa do Brasil, em seus dois mandatos, está a quebrar o Brasil.

É verdade que a elite brasileira, assim como toda a elite deste planeta, detesta dividir seu espaço com as classes menos favorecidas; e isso é um fato. Contudo, alguém realmente acredita que as elites brasileiras não foram, e são, profundamente favorecidas durante todos os anos dos governos do PT? Afinal, por que será que vemos banqueiros, pecuaristas, doleiros, empreiteiros e outros tantos homens e mulheres muito ricos na cadeia hoje em dia? Não são eles os verdadeiros “companheiros” de Lula? Eu creio que sim.


Eu, por meu lado, importo-me pouco se o tal Impeachment sairá ou não, pois acredito que com ou sem ele não teremos a Senhora Dilma por muito tempo à frente de nosso País, e anda a faltar pouco para vermos a mão do próprio PT a puxar, com força, o tapete de Dilminha. Importa-me muito, isso sim, compreender este Nosso Impedimento de perceber que não há fins que justifiquem quaisquer meios sujos. O lugar de quem rouba dinheiro, principalmente de quem rouba muito, mas muito dinheiro público é na cadeia e não no Congresso, no Palácio ou em qualquer Ministério que seja; e ponto final.


terça-feira, 15 de dezembro de 2015

O Nado



Nado com o ventre colado ao fundo do mar

e os olhos postos no chão,

fechados.

Um oceano e todos os seus mares de água

a pesar sobre meus ombros, e o nariz sente,

enojado, o lodo dos fundos escuros a tocar-lhe;

sufoco.

O cheiro de tudo que morre; que morreu há tempos está aqui

e me acompanha. Envolve-me e penetra pela pele, pela carne

e pelos ossos; e viva estou

úmida e

morta.

Do sol e de sua luz restam-me apenas parvas lembranças,

lembranças dos dias iluminados e coloridos vividos antes do mergulho...

Antes de eu perde-me em mim mesma, de mim mesma,

e nadar, inebriada, em direção ao fundo

pacífico, silencioso e final.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Para Ti




Para Ti

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

Mia Couto


No livro “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”

domingo, 6 de dezembro de 2015

Dezembro



Dezembro

Eu planejei passar o Natal e a chegada do novo ano com meus pais; com minha mãe. Deus tinha outros planos e minha mãe não está mais aqui. Fim dos meus planos para um Dezembro ideal sem delongas e ponto final. Pois, como sempre ocorre com o que segue sem o nosso desejo, tais planos celestiais não estavam abertos à discussão e Deus, e nem ninguém mais, queria saber qual era a minha opinião, ou qual a opinião de todos que amavam a minha Mi.

Minha mãe partiu para o tal Além-mar divino tranquilamente. Apesar de não ter gostado muito da tal decisão divina; eu devo admitir que não há nada melhor, hoje para mim, do que a certeza de que para a minha mãe não existe mais qualquer sofrer. Seu sofrimento me desesperava e, se agora ela está bem, não me importa que ela esteja tão longe daqui. Tudo está melhor para mim também.

Todo final de ano eu faço planos. Todos nós fazemos planos para o ano que se iniciará, e isso é fundamental porque ter objetivos é o que nos move nesta vida. Sempre devemos querer mais e devemos criar, da maneira que mais nos agrada, o tal caminho a seguir. Eu, cá comigo, já estou a fazer planos para os próximos dois ou três anos. O Mundo é grande demais para estarmos acomodados e, apesar de termos muito tempo, não teremos jamais todo o tempo que gostaríamos de ter para tudo.

Pois, viver é aproveitar o momento e ter planos futuros. Entretanto, não podemos nos esquecer de que não somos os únicos autores desta estória e de que ela não será exatamente como nós gostaríamos que ela fosse por muitas e muitas vezes. Levamos a vida, mas ela também nos leva e temos que aprender a aceitar o não planejado como o certo. Como aquilo que tinha que ser.

Eu sei que, às vezes, demora muito para aceitarmos aquilo que não queremos. Afinal, seria tão bom se a vida fosse exatamente como nós a imaginamos. Seria fenomenal! Contudo, como personagens, nós desconhecemos aonde a tal trama vai nos levar e, por isso, demora um bom pedaço de tempo para compreendermos os porquês desta vida que Deus nos deu. Então, o negócio é aproveitar o tal enredo da melhor maneira possível e guardar um punhado do tempo que nos é dado para os pequenos momentos poéticos que valem por uma vida inteira. Momentos lindos, eternos e inesquecíveis que guardamos, feito objetos de estimação, para sempre.

Emicida - Mufete



Rangel, Viana, Golfo, Cazenga pois
Marçal, Sambizanga, Calemba 2

One luv, amor pu ceis
Djavan me disse uma vez
Que a terra cantaria ao tocar meus pés
Tanta alegria fez brilhar minha tês
Arte é fazer parte, não ser dono
Nobreza mora em nóiz, não num trono
Logo somos reis e rainhas, somos
Mesmo entre leis mesquinhas vamos
Gente só é feliz
Quem realmente sabe, que a África não é um país
Esquece o que o livro diz, ele mente
Ligue a pele preta a um riso contente
Respeito sua fé, sua cruz
Mas temos duzentos e cinquenta e seis odus
Todos feitos de sombra e luz, bela
Sensíveis como a luz das velas
(tendeu?)

Rangel, Viana, Golfo, Cazenga pois
Marçal, Sambizanga, Calemba 2

Tá na cintura das mina de Cabo Verde
E nos olhares do povo em Luanda
Nem em sonho eu ia saber que
Cada lugar que eu pisasse daria um samba
Numa realidade que mói
Junta com uma saudade que é mansinha mais dói
Tanta desigualdade, a favela os boy
Atrás de um salário uma pá de super herói
Louco tantos Orfeus, trancados
Nos contrato de quem criou o pecado
Dorme igual flor num gramado
E um vira lata magrinho de aliado
Brusco pick o cantar de pneus
Dizem que o diabo veio nos barcos dos europeus
Desde então o povo esqueceu
Que entre os meus todo mundo era deus

Rangel, Viana, Golfo, Cazenga pois

Marçal, Sambizanga, Calemba 2


terça-feira, 1 de dezembro de 2015

João (parte 1)



João

Assim que dobrou a esquina, João percebeu que havia algo de errado. Apesar de não conseguir distinguir o que lhe causava aquele estranhamento, ele sabia que alguma coisa estava fora do lugar. Mais do que um fato, um sentimento o atingiu e, por isso, ele diminui o passo na avenida abafada no centro da cidade.

Esquecera a carteira, talvez. Buscou-a na mochila cinza que ele carregava, displicente, no ombro direito. Não. Ele não tinha esquecido a carteira, nem o telefone, nem mesmo seu caderno de anotações. João gostava de escrever. Escrever era uma terapia e, papel e caneta estavam sempre à mão. Caderno azul e caneta preta.

O que era aquele sentimento então? Bobeira, pensou. Continuou seu caminho em direção do trabalho na rádio e tudo lhe parecia normal. As pessoas caminhavam apressadas, os carros abarrotavam as ruas, fazia muito frio num dia cinza de inverno e a manhã passava rotineiramente. Chovera muito na noite anterior e ainda agora ele podia sentir a umidade nos ossos. Que dia gelado, pensou.

João já descia as escadas do Metrô quando ele se lembrou: Hoje é dia 27, é isso. Por onde andará a Ana? Há mais de um ano não nos falamos, e já se foram tantos anos depois daquele maio. Ana...
Um homem esbarra em João e lhe interrompe os pensamentos. João balança a cabeça jogando para fora as tais bobeiras e continua seu caminho. O dia será cheio e ele não acha qualquer razão para se lembrar da Ana. Esta é uma estória que já acabou há algum tempo; há um bom tempo. A vida é outra e há outras coisas a fazer, outras pessoas.

O trem chega à estação, lotado, e João suspira resignado. Não há o que fazer, ele precisa estar na rádio em meia hora. O homem se espreme entre tantas pessoas num pequeno espaço, encostado ao lado da porta no final do último vagão. A porta se fecha e o trem sai.


João olha distraído para frente e seus olhos se impressionam. Alguns metros à frente, sentada num banco a ler, está Ana. Os cabelos mais curtos, ela está menos magra, talvez; com um vestido de inverno que João nunca havia visto. Ana...