sexta-feira, 30 de março de 2012

Fascinação


Em 1976 me apaixonei pela primeira vez por uma canção: Fascinação. Ainda era bem menina, nestas idades nas quais não há muita lembrança clara e os fatos nos parecem tal sonhos, contudo esta música entrou na minha vida para nunca mais sair. E isso me faz pensar o quanto da mulher que sou já havia naquela menina.



Fascinação

Elis Regina

Os sonhos mais lindos sonhei.

 De quimeras mil um castelo ergui

 E no teu olhar, tonto de emoção,

 Com sofreguidão mil venturas previ.



O teu corpo é luz, sedução,

 Poema divino cheio de esplendor.

 Teu sorriso prende, inebria e entontece.

 És fascinação, amor.



Os sonhos mais lindos sonhei.

 De quimeras mil um castelo ergui

 E no teu olhar, tonto de emoção,

 Com sofreguidão mil venturas previ.



O teu corpo é luz, sedução,

 Poema divino cheio de esplendor.

 Teu sorriso prende, inebria e entontece.

 És fascinação, amor.


quinta-feira, 29 de março de 2012

Até Seu Millôr


Que foi isso, de repente? Nada; dez anos se passaram. Não diga! Se somaram? Se perderam? Algumas relações se aprofundaram? Se esgarçaram? Onde estávamos? Onde estamos? E...aonde vamos? O tempo, em lugar nenhum e em silêncio, passa. É inegável - todos temos mais dez anos agora. Ainda bem, poderíamos ter menos dez. Tudo nos aconteceu. Amamos, disso temos certeza. E fomos amados - onde encontrar a certeza? Avançamos aqui materialmente, ali não, nos realizamos neste ponto, em outros queríamos mais, algumas coisas tivemos mais do que pretendíamos ou merecíamos - mas isso é difícil de reconhecer. Perdemos alguém - "Viver é perder amigos". No meio do feio e do amargo, no tumulto e no desgaste, tivemos mil diminutos de felicidade, no ar, no olhar, na palavra de afeto inesperado, que sei? Espera, eu sei. É a única lição que tenho a dar; a vida é pequena, breve, e perto. Muito perto - é preciso estar atento.

 Millôr Fernandes



terça-feira, 27 de março de 2012

dor



e se a dor curasse ao invés de criar apenas mais dor,

se ela fosse tal água que mata, mas pode curar?

não, dor é dor e dor somente: incomoda, maltrata

e afoga a alma desavisada.

Dor marca, pra mais de uma vida, a face e a carne da gente, feito cangaceiro

a galope num mundo seco

que risca a pele com a ponta da faca afiada.

e se a dor curasse não haveria mais dor

e o coração da gente viveria em paz:

músculo tranquilo , calmo, sereno e pacato, preocupado apenas

com o ritmo do seu pulsar.

mas não, dor é dor e dor somente,

e tão bruta é a tal, que a tal dor não dorme, não come, nem esquece da gente.

dor dói, e dói cada dia mais, sempre.


Led and Acoustic - Black Dog


A change in life...

segunda-feira, 26 de março de 2012

Marítima


Nau


Por onde andas nau à deriva?

Parou o vento e as estrelas sumiram

do céu.

Nadam silenciosos monstros marinhos

que assombram teus sonhos, meus mares.

Calam-se tuas velas antes infladas pela

curiosa paixão de navegar,

pela ânsia atrevida de ouvir, mesmo que de longe,

o canto de sereias,

e ver a estrela do mar.



mergulho


Sem medo e dona de todo o medo que conhece a alma humana

mergulho no oceano escuro

a nadar

migrando da realidade para o sonho

deixando para trás a vida

para a vida que há além

encontrar



CaraVelas


donos de almas à vela, apenas entendemos o mundo

que os sonhos d’alma movimentam com seus ventos de amores sem fim,

com sua brisa que suspira e respira através de canções faladas,

de poesia

somos caravelas, meninos antigos que gostam de brincar

no mar,

no mar de água salgada e morna que nos abraça,

nos encanta e nos devora.

domingo, 25 de março de 2012

Hoje é dia de futebol e família

 




Desde pequena, sempre que entrava na casa de meus avós paternos, o fato de que a democracia reinava dentro de nossa família ficava claro. Ali cada um podia ter suas opiniões. Bom, pelo menos aquelas relativas à bola, pois em nossa família galos e galinhas, sem querer ofender a ninguém, podiam cantar alto quando o assunto era futebol. A bola em nossa casa era uma paixão democrática.

Assim que entrávamos na casa, pendurados lado a lado, sem estarem muito próximo porém, que amizade entre rivais é coisa delicada, ficavam quadros com os símbolos de dois times: Palmeiras e Corinthians, os quais eram mais conhecidos como “Parmera” ou Palestra e “Curingão” ou Timão sob o teto de meus avós. Meu avô, o senhor Luiz Paroli, descendente de italianos e, por tanto, um palmeirense roxo (talvez seja melhor dizer verde, verdíssimo) casou-se com dona Luiza Ballesteros Diaz, espanhola pequena e ardida tal pimenta, que levava no peito, desde muito jovem, a paixão pelo Timão. Desta forma nasceu a nossa família desde o berço dividida.

Para desgosto de meu avô, e para mostrar que quem manda mesmo dentro de casa é a mulher, meu pai e seus irmãos tornaram-se corintianos, alvinegros de alma que não olham com bons olhos o verde em questão. A meu avô restou apenas o consolo de um neto palmeirense, de um herdeiro verde para tentar equilibrar a tão injusta divisão dentro de nosso campo familiar. Somos então uma família de rivais, onde falar de futebol e sentar-se todo domingo na frente da televisão é um hábito que vem desde sempre, desde o tempo no qual eu era bem criança e, por isso, trago ainda comigo lembranças sobre o futebol que são feito sonho: cheias de fantasia e impressões fantásticas.

Seja como for, a bola é uma paixão, uma tradição. E vê-la em campo num dia de Corinthians e Palmeiras, como hoje foi, é sempre muito bom. É lembrar-me de minha avó com radio grudado ao ouvido e de meu avô vestindo a camisa verde com todo o orgulho naqueles domingos de sala cheia com meus primos, meu irmão e eu, pequenos, sentados no chão. Domingo de Palestra Itália e Coringão era dia de muita torcida, risadas, desculpas um tanto esfarrapadas, macarronada e muita diversão.

Hoje e sempre teremos domingos de Corinthians e Palmeiras, contudo estes não serão, nunca mais, cópias fiéis daqueles passados na casa de meus avós. E isso me faz pensar que há paixões que ultrapassam nossa existência, como a paixão pelo futebol que meus avós cultivam em seus filhos e netos. Contudo há outras que nos deixam cedo demais, como a paixão que é termos colo de avós e passar o domingo feito ninhada da casa deles. Um beijo a meus avós Luiz e Luiza, Mauro e Estela. Eu sigo daqui amando futebol e imaginando que lá do alto, donos de asas, eles ainda sentam-se em frente à TV a discutir num domingo de futebol.

Vale lembrar que futebol, e qualquer outro esporte, não tem relação alguma com a violência como hoje vimos em Sampa. Toda paixão é bem vinda, mas ela sempre deve estar acompanhada de respeito e uma pitada de democracia, como já sabia meu italianíssimo avô Paroli. Um beijo a todos os meus amigos corintianos, palmeirenses, santistas, são-paulinos e etecetera e tal, que aqui não confundimos as bolas.


segunda-feira, 19 de março de 2012

Saudade das azeitonas chilenas

 

Cordilheira dos Andes vista do nosso avião



Noutro dia, de repente, tal chuva de verão, me inundou, e aguou a boca, uma saudade imensa das azeitonas que comi no Chile; que comemos no Chile. Aquelas azeitonas negras, de tons azuis como a noite, eram quase doces de tão suaves e acompanharam muito bem ao vinho tinto de todos os dias da viagem. E hoje, tomando um pouco de vinho chileno, lá veio ela outra vez, a tal saudade das azeitonas e de tudo que aconteceu ali. Este é o bom da saudade, ela sempre vem acompanhada de lembranças queridas, de amigos de longa data, de paladares, cheiros e olhares, de palavras escritas ou ditas. Olha lá, cá está o vinho chileno a falar através da minha língua.

Mas a verdade é que não há nada como sair do nosso lugar e abrir muito bem os olhos para poder olhar muito além do umbigo, sítio santo e querido, onde passamos quase a vida inteira. Lembro de tantas sensações do Chile, e tanta coisa me encantou tanto que fica difícil começar. Por isso, começo pelo começo, pelo antes do chegar e aquela visão tão gigante quanto um oceano que se pôs na minha frente, ou abaixo de mim para ser mais precisa, durante um bom tempo: as Cordilheiras dos Andes. Apenas naquele momento, e daquele ponto de vista de ave, compreendi o que muitos livros e todos os números neles contidos nunca puderam expressar corretamente para mim: que a palavra cordilheira significa um mar de montanhas sem fim.

Pois é, por mais que ame os livros e as palavras neles contidos, não há como compará-los àquilo que os olhos, ouvidos, mãos e todos os sentidos podem nos proporcionar. Por tanto, apesar de ser muito bom mergulhar numa boa leitura, é melhor ainda mergulhar na realidade que por aí está. Destes mergulhos em realidades paralelas, que ocorrem independente das nossas todos os dias, resultam momentos impossíveis de se imaginar levando vida de árvore, a ficar plantado sempre no mesmo lugar. Simplesmente, não dá.

Para mim não havia como imaginar dias com meus amigos queridos e a divertida intimidade do café da manhã no flat com café a moda dos turcos, sem coá-lo; ou alguém poderia pensar que os chilenos parecem quase desconhecer o que venha a ser um coador de café? Eu não poderia dizer o que é entrar num gigantesco viveiro de aves coloridas e tranqüilas, a voar e passear como se nós não estivéssemos lá. Nem saberia que tomar vinho pode ser mais barato do que tomar um bom café, e que há lugares tão secos no mundo que, por mais que se ande ao sol, o corpo esquece o que é suar. Nunca sentiria o que senti andando pela casa de Pablo Neruda cheia de seus móveis, livros e lembranças. Algo tão intenso que parecia ainda ser possível vê-lo lá.

E foi assim, cheio de novidades que começou 2012. Ano que entrou para meus amigos Marcus, Karin, Ricieri e eu em forma de fogos de artifício impressionantes que explodiram sobre o Oceano Pacífico. Pois lá estávamos nós, sem conhecer ninguém, sem lugar para dormir e, mesmo assim, muito bem acolhidos pela simpatia e boa vontade de pessoas que nunca havíamos visto e que dificilmente tornaremos a ver algum dia. E que saudade me dá dos dias andando por museus, ruas e parques, dos restaurantes e sua comida, da vinícola e todo seu verde, branco e tinto, de falar espanhol e de ouvir o meu amigo Riciere, que fala todas as línguas sem saber nenhuma, tentando discutir política e economia com todo e qualquer chileno que estivesse disposto a um bom papo. Há coisas que não cabem nos livros e, por isso, é muito bom viver.



Um beijo apertado e cheio de saudade a todos os meus amigos de longe e a minha família. Logo estarei eu num avião apenas para poder abraçá-los mais uma vez.


Ennio Morricone e Sergio Leoni

Il buono, il brutto, il cattivo - E a lembranças das noites de Bang Bang à italiana com o meu pai, seus mocinhos, meio bandidos, suas barbas por fazer e o drama contido em poucas palavras.

quarta-feira, 14 de março de 2012

desobediente


Espero pela tua desobediência de homem

que não se deixa mandar. Que desconhece

o significado da palavra ordem,

e caminha pela rua como se não pertencesse

a ninguém. Sem vergonha alguma,

de toda forma e jeito que a palavra pode ter,

passa de olhos verdes e me provoca,

e me enamoro; quero me perder. Quero a minha desgraça!

Desobedeça-me. Seja todo o bem e o mal

que permeia a minha alma

e que a alimenta ao mesmo tempo

que, sorrateiro e egoísta, a devora.

O que me importa a felicidade calma e morna,

que serventia tem a sanidade tediosa?

Nehuma. Quero a minha loucura

que é minha e tua, e de tanta insanidade fez-se nossa.

Quero este querer que sufoca, transforma,

 transtorna,

e que me faz crer na beleza da total ausência

da razão e da lógica.

Dia Nacional da Poesia


DESEJOS

Desejo a vocês...
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com amigos
Crônica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a Banda passar
Noite de lua cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus.
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho.
Sarar de resfriado
Escrever um poema de Amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender um nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-Sol na roça
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel
E muito carinho meu.

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 13 de março de 2012

a piece of me...

Inverno 3




Deserto


Queria-me deserto, árido e seco por fora e por dentro
Impossibilitado para água hoje. Sempre.
Queria-me deserto sem flor ou sons; apenas areia
Areia seca que racha os pés, que corta a pele com o vento,
sem águas, sem mágoas, sem sentimentos.
Queria-me deserto sem nuvem que fosse
 a ameaçar esta grandeza: A imensidão do nada,
a SOLIDÃO plena.
Uma planície tão larga que engolisse qualquer horizonte.
Queria-me deserto sem cor ou miragem que fosse
a ameaçar  este oco. O nada por dentro e por fora,
abaixo da casca fina de um sonho.
Queria-me deserto sem lembranças de
qualquer pronome: eu, tu ou quem quer
que fosse.

Palavras

palavras não são nada:
não são pássaros azuis
não são gestos de amor ou paixão
não são as frutas que esquecidas apodrecem na fruteira
nem o mar escuro e denso como a noite
palavras doces ou amargas
não importa
elas jamais deixarão de ser aquilo que são:
apenas palavras

Babe, vou morrer de saudade...



Não, não vá embora.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Mastigada


Há dias nos quais acordo mastigada,
triturada a alma.
E parece que o mundo me mastigou:
quebrou ossos,
rasgou músculos,
amassou crânio.
Acordo vazia, com o nada no peito,
com o nada na alma
perdida em sonhos e ilusões;
perdida em crenças e tolices tão vãs
que não vale a pena contar.
Não. Pois que a dor desta alma é mesquinha
e pequena em importância,
tão insignificante que não é dor que se publique nos jornais
ou  mesmo que se conte aos amigos.
Dor sem vergonha, vil, vira-latas
e doidivanas;
daquelas às quais falta vergonha na cara.
E acordo assim: cansada do mundo e
querendo-me velha de cem anos perto do fim.

domingo, 11 de março de 2012

Alfonsina Storni


ALMA DESNUDA




Soy un alma desnuda en estos versos,

Alma desnuda que angustiada y sola

Va dejando sus pétalos dispersos.



Alma que puede ser una amapola,

Que puede ser un lirio, una violeta,

Un peñasco, una selva y una ola.



Alma que como el viento vaga inquieta

Y ruge cuando está sobre los mares,

Y duerme dulcemente en una grieta.



Alma que adora sobre sus altares,

Dioses que no se bajan a cegarla;

Alma que no conoce valladares.



Alma que fuera fácil dominarla

Con sólo un corazón que se partiera

Para en su sangre cálida regarla.



Alma que cuando está en la primavera

Dice al inviemo que demora: vuelve,

Caiga tu nieve sobre la pradera.



Alma que cuando nieva se disuelve

En tristezas, clamando por las rosas

Con que la primavera nos envuelve.



Alma que a ratos suelta mariposas

A campo abierto, sin fijar distancia,

Y les dice libad sobre las cosas.



Alma que ha de morir de una fragancia,

De un suspiro, de un verso en que se ruega,

Sin perder, a poderlo, su elegancia.



Alma que nada sabe y todo niega

Y negando lo bueno el bien propicia

Porque es negando como más se entrega,



Alma que suele haber como delicia

Palpar las almas, despreciar la huella,

Y sentir en la mano una caricia.



Alma que siempre disconforme de ella,

Como los vientos vaga, corre y gira;

Alma que sangra y sin cesar delira

Por ser el buque en marcha de la estrella.

KONY 2012



Chuva





É incrível como nossa memória olfativa é aguçada, traz tão rápido a cor à cenas que já estavam em preto e branco em nossas memórias.  Ainda não tinha caído a primeira gota, mas bastou o cheiro da chuva que o vento carregava pra me fazer morrer de vontade! A cena que volta não ganha só colorido, ganha movimento também. Sou eu na tela, num dia muito quente, uns 9 anos, de short e camiseta de propaganda eleitoral, brincando na rua com meus primos, brindados com a chuva que desta vez não se anunciou direito, driblando nossas mães que nos obrigariam a voltar pra casa. Que delícia! Só não era mais gostoso que banho de mangueira, mas esse custava, era denunciado na conta de água e por isso era muito mais mal visto que o banho de chuva.



A cena colorida em minha mente pára de se mover um instante para me levar a muitos anos depois: a roupa é outra (mas confesso que ainda tenho algumas dessas horrorosas camisetas com a cara de algum vereador), as companhias não são meus companheiros de taco, mas sim os motoristas dos outros carros, parados no mesmo local há mais de 15 minutos. Mas a surpresa da chuva é a mesma. E a vontade é sair do carro e curtir. E por que não? Estava tudo parado mesmo, o calor era infernal e o convite, tentador.



Abro a porta do carro, fico em pé olhando pro céu e começa a diversão. Percebo a movimentação das pessoas ao lado, comentando, espiando, estranhando ou talvez até invejando, mas não me intimido. Começo a correr. Não correr da chuva, mas para a chuva, pela chuva, sentindo a força dos pingos aumentando. Curto cada passada e noto algumas pessoas saindo de seus carros também. Puxo papo com o motorista ao lado com a mesma facilidade que fazíamos amizades quando crianças e descubro que ele agora está torcendo para o transito não andar mesmo, para aquela cena não precisar terminar.



Naqueles momentos a chuva foi a catapulta que me jogou muito longe, de volta à época das brincadeiras na rua, do comer fruta direto do pé, tomar água da torneira e ter medo do homem do saco, que passava na nossa rua para recolher as crianças desobedientes. Além de ficarmos fora do alcance dos olhos de nossas mães, nossas outras preocupações eram não deixar a bolinha de tênis cair na casa do vizinho alemão, porque ele nunca as devolvia, mas pior, nunca, em hipótese alguma, passar na rua dos ciganos. A ignorância dos adultos é algo que deveria ser controlada com rigor quando esse adulto é responsável por educar uma criança! Quantas histórias horríveis e fantasiosas escutamos sobre aquela família de ciganos, histórias que nos perseguiam durante o sono e nos faziam dar uma volta imensa ao voltar da escola somente para não passar na rua deles. Se naquela época eu pudesse imaginar que a menininha cigana que eu tinha visto algumas vezes adorava brincar na chuva assim como eu, se eu pudesse pensar que era a mesma chuva para nós duas, o mesmo ar, o mesmo sol, talvez isso tivesse diminuído um pouco o pavor tão bem alimentado dentro de mim.



Sou arrancada daquela chuva da infância por um som enfurecido de buzina. O trânsito andou e percebo que estou seca, que não tive coragem de sair na chuva, que foi só mais uma vontade a qual não cedi. Acelero o carro frustrada por todas as chuvas de minha vida que deixei de curtir.


Texto de Ana Paula Guedes

(amiga trazida pelo destino e Irmã por escolha do meu coração)

quinta-feira, 8 de março de 2012

terça-feira, 6 de março de 2012

pequena


Saudade do mundo pequeno,

contado em poucas ruas, algumas quadras,

meu bairro.

Bastavam poucos números:

Estado era um,

no máximo eram seis.

País era um

e, com muita força, se fazia três.

E dor era nenhuma enquanto os sonhos eram tantos

que para eles faltavam os números,

pois o infinito

era

abstrato demais;

e eu apenas pequena.

Elizabeth Bishop

  I Am in Need of Music 


 I am in need of music that would flow

Over my fretful, feeling fingertips,

Over my bitter-tainted, trembling lips,

With melody, deep, clear, and liquid-slow.

Oh, for the healing swaying, old and low,

Of some song sung to rest the tired dead,

A song to fall like water on my head,

And over quivering limbs, dream flushed to glow!



There is a magic made by melody:

A spell of rest, and quiet breath, and cool

Heart, that sinks through fading colors deep

To the subaqueous stillness of the sea,

And floats forever in a moon-green pool,

Held in the arms of rhythm and of sleep.

 

  Conversation

The tumult in the heart
keeps asking questions.
And then it stops and undertakes to answer
in the same tone of voice.
No one could tell the difference.

Uninnocent, these conversations start,
and then engage the senses,
only half-meaning to.
And then there is no choice,
and then there is no sense;
until a name
and all its connotation are the same
Elizabeth Bishop 

segunda-feira, 5 de março de 2012

Heitor Villa Lobos (125 anos)


Simplesmente lindo...

Nada de Chocolate e Flores




No próximo dia 8 de março celebra-se o Dia Internacional da Mulher e eu, sinceramente, já torço cá o meu nariz para uma celebração que me parece paternalista e fútil à primeira vista. Como todo dia dedicado a uma minoria me parece aliás, e para ser mais sincera ainda.  Nesta cesta festiva e desdenhada por mim, inclui-se o dia do Orgulho Gay, o da Consciência Negra, e qualquer outro dia dado como brinde e que se encaixa na categoria: “minoria desprotegida”. Tal má vontade de minha parte para tais celebrações vem muito da impressão que tenho de que tais dias me soam como um prêmio de consolação para aqueles que, naturalmente e pelas leis criadas pelos homens, não têm direito a todos os dias do ano. E isso me irrita demais.
Sei que neste dia “só meu” terei que agüentar os mais piadistas a fazer graça com a tal data, dizendo que este é o dia da mulher por gentileza deles, os homens, já que o resto do ano lhes pertence. Há também os chocolatinhos, as rosas solitárias e qualquer outra porcaria cor de rosa ou vermelha eleita como a brilhante idéia da vez para presentear às mulheres neste dia. Vamos convir: há coisa mais ridícula que essa? Ainda dou com a tal rosa na cabeça de alguém, juro!
Entretanto, e se pararmos para refletir um pouco sobre a importância da questão em si, nós veremos que não há nada de fútil e leviano na data em questão, ou nas outras, a não ser a maneira como estamos a tratá-las ultimamente. Pois, muito para além de ganhar qualquer bobagem do marido, chefe ou namorado, nesta data deveríamos todos nós, mulheres ou não, refletir sobre a triste necessidade de lembramos que ainda há diferenças sérias e terríveis entre as pessoas que habitam esta nossa Terra. E isto jamais será correto.
Por isso, eu que nunca senti na pele a dificuldade de ser mulher, devo admitir: vale lembrar a data, sim. Vale lembrar que ainda há mulheres na África, Ásia e outros países que sofrem mutilações genitais, que muitas mulheres ainda são violentadas durante as guerras étnicas em todo mundo em nome da hegemonia de uma raça, e que mulheres são vendidas e tratadas como objeto em todo o planeta; e isso inclui a cidade onde vivo e muitas outras no meu país. Vale lembrar que ainda há muitos homens, ricos e pobres, que batem em suas mulheres e namoradas apenas porque isso eles conseguem fazer, não?  E que há aquelas das quais nem os olhos podemos ver e que, como seus rostos, deixam de ser visíveis e existir para uma sociedade inteira. Vale lembrar que muitas meninas deixam de ser meninas muito antes do que isso deveria ocorrer por motivos terríveis demais para escrever.
Então, nada de chocolates ou rosas neste dia, nada de uma ida feliz a lojas para um novo par de sapatos ou um anel frio que brilhe e tenha mais valor que os dedos que o usam. Este é um dia para refletir, pensar e deixar a consciência agir.

Que todos os dias pertençam a cada um de nós, e um beijo para todos: mulheres e homens que amo!