terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Se isto é um homem?



Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece a paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelo e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa, andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entrave,
Que os vossos filhos vos virem a cara.


de Primo Levi


(in Se isto é um homem, tradução de Simonetta Cabrita Neto)



Primo Levi escreveu "Se isto é um Homem" para retratar o que viu e viveu durante o Holocausto. Aqueles horrores nos apavoram até hoje, contudo, hoje somos capazes de conviver com horrores similares em muitos países por este Mundo. Ainda hoje pessoas são vistas e tratadas como coisas descartáveis e sem importância.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Há Tempos


Há Tempos


Legião Urbana
Parece cocaína
Mas é só tristeza
Talvez tua cidade
Muitos temores nascem
Do cansaço e da solidão
Descompasso, desperdício
Herdeiros são agora
Da virtude que perdemos

Há tempos tive um sonho
Não me lembro, não me lembro

Tua tristeza é tão exata
E hoje o dia é tão bonito
Já estamos acostumados
A não termos mais nem isso

Os sonhos vêm e os sonhos vão
E o resto é imperfeito

Dissestes que se tua voz
Tivesse força igual
À imensa dor que sentes
Teu grito acordaria
Não só a tua casa
Mas a vizinhança inteira

E há tempos
Nem os santos têm ao certo
A medida da maldade
E há tempos são os jovens
Que adoecem
E há tempos
O encanto está ausente
E há ferrugem nos sorrisos
Só o acaso estende os braços
A quem procura
Abrigo e proteção

Meu amor!
Disciplina é liberdade
Compaixão é fortaleza
Ter bondade é ter coragem
Lá em casa tem um poço
Mas a água é muito limpa





Às saudades que não nos abandonam jamais. 
Nem mesmo quando estamos do lado de lá do Mundo.


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

sem Poesia



Sem poesia


Sem poesia na vida não se respira.

Fecham-se os poros,

cega a vista

Sem a poesia na vida não enxergamos.

Apagam-se as cores.

Para o coração, e não amamos sem poesia na vida.

Sem a poesia na vida cala-se a boca.

Ensurdecem os ouvidos,

endurecem os pés no chão,

os braços murcham;

e não há mais nenhuma canção sem poesia na vida.




quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Respira el Momento-Calle 13



Respira El Momento
Calle 13

Uno nace mientras el planeta gira
Los pulmones abren la nariz respira
Escuchamos al mundo con todo su alboroto
Los parpados suben y los ojos tiran fotos
Si salimos de la cuna para dormir en la cama
Nos crecen los brazos como crecen las ramas
Como crecen las hojas nos crecen las manos
Como crecen los días cuando madruga temprano
Los segundos los minutos y las horas
Germinan así como los días empiezan y terminan
Los meses se disfrazan según el meridiano
Otoño invierno primavera verano
Y se ajusta el camino a nuestros pasos
Así como el agua se adapta a su vaso
Nuestro corazón se aclimata a la altura
Y nos adaptamos a cualquier aventura
Pueden sumar con prisa pueden restar con calma
Da igual porque las matemáticas no tienen alma
Aunque calculemos todo y le pongamos nombre propio
Nuestro espíritu no lo pueden ver los microscopios
Nadie se puede acobardar nacimos siendo valientes

Porque respirar es arriesgar
Este es el momento de agarrar el impulso
Las emociones las narra nuestro pulso

Respira el momento
Respira el momento

En nuestra galaxia la historia se expande
Desde lo más simple hasta lo más grande

Crecimos junto a los cuerpos celestes
Somos el norte sur este y oeste
Somos la tierra con todas sus huellas
Una súper nova entre todas las estrellas
Absorbemos la luz de los rayos
Mientras la clorofila navega por los tallos
Los grados y centígrados calientan los termómetros
A 150 millones de kilómetros
Hay una vía láctea repleta de neuronas
Porque reproducimos mas ideas que personas
No somos pequeños ni muy grandes tampoco
Somos muchos y también somos pocos
Somos el golpe cuando aterriza
Y también somos la piel cuando cicatriza
La muerte nunca nos venció
Porque todo lo que muere
Es por que alguna vez nació

Respira el momento
Respira el momento

En nuestra galaxia la historia se expande
Desde lo más simple hasta lo más grande

Lengua beso boca labio niño joven viejo sabio
Calvo rizo pelo lacio techo casa cielo espacio
Sexo orgasmo se humedece
Quizás nunca siempre a veces
Libro letra cuento narra ron con hielo o trago barra
3 Millones de latidos en un periodo mensual
Caminamos dando 10 mil pasos en un día normal
Crudo hervido asado frito birra iglesia rezo grito
Muy poquito demasiado corro vuelo salto nado
Puede llegar algún día el colmo de la biología
Vivir con sangre caliente pa morir a sangre fría

Respira el momento
Respira el momento

En nuestra galaxia la historia se expande

Desde lo más simple hasta lo más grande

los nadies



Los nadies


Sueñan las pulgas con comprarse un perro y sueñan los nadies
con salir de pobres, que algún mágico día llueva de pronto
la buena suerte, que llueva a cántaros la buena suerte; pero la
buena suerte no llueve ayer, ni hoy, ni mañana, ni nunca, ni en
lloviznita cae del cielo la buena suerte, por mucho que los na-
dies la llamen y aunque les pique la mano izquierda, o se le-
vanten con el pie derecho, o empiecen el año cambiando de escoba.

Los nadies: los hijos de nadie, los dueños de nada.
Los nadies: los ningunos, los ninguneados, corriendo la
Liebre, muriendo la vida, jodidos, rejodidos:
Que no son, aunque sean.
Que no hablan idiomas, sino dialectos.
Que no hacen arte, sino artesanía.
Que no practican cultura, sino folklore.
Que no son seres humanos, sino recursos humanos.
Que no tienen cara, sino brazos.
Que no tienen nombre, sino número.
Que no figuran en la historia universal, sino en la crónica
Roja de la prensa local.
Los nadies, que cuestan menos que la bala que los mata.

Eduardo Galeano

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A inutilidade do ódio



Janeiro havia começado bem sem os tradicionais desastres climáticos e parecia de bom agouro para este ano novinho em folha; apesar da queda de mais um avião no final de 2014, (mas isso eu já tinha posto na conta do torto 2014 como se fora o derradeiro desfecho de uma novela dramática e ponto final). Porém, bastaram poucos dias para que nós, seres humanos, mostrássemos ao que viemos nesse mundo e fizéssemos das nossas em grande estilo. Dois rapazes mataram homens, artistas, covardemente. Os primeiros munidos de metralhadoras e os últimos de canetas; pois, uma covardia sem explicação.

E de fato não há explicação lógica para o ódio, este ódio chamado de intolerância ou qualquer outro. Afinal, qual a utilidade deste sentimento? Para que serve o ódio? Para que serviram as mortes destas pessoas na França ou de quaisquer outras para aqueles que continuam vivos? Para nada. Para Maomé, o profeta, tais atos não fizeram nenhuma diferença seguramente. Para todos os muçulmanos nada melhorou, muito pelo contrário. Para todos os franceses e europeus, para os latinos e os americanos, para os asiáticos: nenhum ganho, nadica de nada. Ninguém ganhou nada com isso, como ninguém nunca ganha nada com o ódio e a violência já que eles servem exclusivamente para gerar mais ódio e violência. And that’s all folks!

Apenas àqueles que constroem as armas e o medo, para aqueles que querem ter em suas mãos dinheiro e poder serve o ódio. Contudo, não são eles que atiram pelo mundo afora, eles não se explodem em nome de Allah ou contra ele, eles nem ao menos correm risco de vida para ganhar o tal dinheiro que lhes é tão caro na grande maioria das vezes. Por que, então, cientes disso ainda permitimos sermos manipulados por estes poucos homens e mulheres tão espertos? Porque ainda falta a ciência para muito de nós, e porque nos omitimos na maioria das vezes perante as falhas e as injustiças mesmo quando cientes delas.

Perceber que ainda nos guia este ódio irracional dos radicais, sejam eles de qualquer natureza, me assombra e entristece. Contudo, me assombra mais ainda que as soluções pensadas por aqueles que deveriam cuidar de seus cidadãos sejam quase tão equivocadas quanto os atos que as geraram. Mais soldados, mais armas, mais restrições, mais medo e mais desconfiança não resolverá o problema; estas coisas apenas trarão mais ódio e problemas. O problema nunca foi a falta de armas e de soldados, mas o excesso destes, a questão não é exacerbar as diferenças entre as pessoas e afastá-las, mas sim aproximá-las respeitando estas diferenças, a solução seria diminuir o sofrimento de todos, e não tentar delimitá-lo a guetos; não?


O Janeiro perfeito, do ano perfeito, não existe. Ele nunca existiu, e apenas fomos lembrados disso porque apenas nos lembramos disso quando o ódio mostra a sua cara sem disfarces. Bonito, entretanto, foi ver a tantos franceses e outros a marchar pacificamente e sem o tal do ódio por companhia. Afinal, num mundo de liberdade, igualdade e fraternidade este sentimento não pode ganhar força. Jamais.


sábado, 3 de janeiro de 2015

A Bailarina


Numa ensolarada manhã de outono, num domingo cheio de preguiça e silêncio, João caminhava pelas ruas do bairro. Ainda era cedo e o rapaz voltava a pé para casa depois de uma noite de trabalho; violão nas costas e cigarro entre os dedos. Havia tocado bem, muito bem, e sentia-se feliz, satisfeito. Querendo apenas a cama e o silêncio como companhia até muito depois do meio dia, João dobrou a esquina a quatro quadras de casa. Foi então que a música de um piano chamou-lhe a atenção. Era Fascinação. João olhou para cima, para uma janela do outro lado da rua. Através da janela de onde vinha a música o rapaz viu a dançar como se dança em sonhos a bailarina.

Ela parecia feita de luz e sons em tons tristes e leves como os da canção. Seus braços flutuavam e os cabelos castanhos soltos fluíam enquanto os olhos da bailarina pareciam perdidos nalgum tempo no qual João não existia. Ele a fitava perdido, e ela, perdida, não o via. Apenas dançava sozinha, a bailarina, uma canção tocada ao piano por mãos de alguém que não se via do outro lado da rua. Por isso para João, ainda meio embriagado pela noite, parecia que a canção era criada pelos movimentos da menina morena que dançava. “Como ela é linda!”, pensou o rapaz. Cigarro lançado ao chão, e passos devorando a rua, João chega à janela com olhos encantados e sorri.

Do outro lado do vidro, a bailarina continua a dançar em seu mundo. Ana ama dançar como não ama a nada mais nesta vida, pois sente, dentro de si, que a música vibra e a faz mover-se. A menina de cor pálida é movida à música e enquanto esta toca, ela vive em seu perfeito mundo de sons e movimentos como se nada mais existisse naqueles momentos.

 Contudo, minutos depois, ela percebe que rente à janela há um homem jovem de violão nas costas que sorri.  De soslaio sorriem os olhos da bailarina que enquanto dança pensa que aquele é o sorriso mais bonito que ela já vira em sua vida. Um sorriso curioso acompanhado de cabelos expressivos e olhos negros, de uma barba por fazer e de certo desleixo de quem gosta de provar a vida sem receios. Ana dança menos melancólica sabendo que há aquele sorriso do lado de lá do vidro. “Quem será?” pergunta-se a bailarina que depois do último passo da coreografia volta delicadamente o rosto para a janela e nota que o rapaz já não está mais ali.

Ana engole o sorriso que quase lhe saíra pela boca e a passos medrosos aproxima-se do vidro. Não há ninguém na rua naquela manhã de domingo quando todos estão dormindo. A bailarina sente um longo suspiro engasgado, e pensa que teria sido muito bom saber o nome do menino de sorriso tão largo, lindo e iluminado.  Ainda havia dez minutos de ensaio. Dez minutos era tempo demais, e depois de tanto tempo o rapaz do sorriso encantado já estaria perdido para sempre. Talvez ele morasse por perto. Talvez passasse noutro domingo qualquer... Talvez...

A bailarina dança dona de seus movimentos tristonhos por mais dez minutos sentindo a cada movimento; sentindo a canção. Despede-se da pianista e se veste para sair. Ela está cansada e um tanto acabrunhada com o sumiço do sorriso do menino. Ela não entendia como alguém que sorria para ela daquele jeito, de um jeito que ela não se lembrava de ter visto na vida, podia num instante sumir. Pois então, por que sorria ele daquele jeito para mim? Talvez ele nem sorrisse tanto assim. Talvez eu tenha apenas imaginado um sorriso maior do que o sorriso possível para alguém que me olha curioso através da janela. Talvez ele apenas achasse graça na dança... Talvez...


E assim, com uma fila de pensamentos a fazer curvas na sua cabeça, a bailarina abre a porta do estúdio para ir para casa. E ali, do outro lado da porta, calado, está o sorriso mais bonito do mundo a sorrir. Ana sorri o sorriso que engolira, e que agora sai da boca mais amplo do que nunca saíra. Agora, encantado, o sorriso dela encanta o menino que sem medo a convida para um café. Os olhos azuis de Ana sorriem. Ela adora café. Sim.