quinta-feira, 25 de novembro de 2021

TAMO JUNTO

Quase

 


Quase

 

 

Quase dois anos de pandemia, de dias blindados pela distância e de voz abafada por de trás de uma máscara. Nesses quase dois anos, vivemos uma vida quase normal. Entretanto, o quase, no final de todas as contas, significa que muito deixou de ser feito. Significa que pouco, de fato, foi vivido para além dos feudos que criamos para nós mesmos. Acastelados em nossas casas e apartamentos, nos escondemos e nos demos o direito a pouco. A Pequenos grupos de amigos, a alguns membros da família, a parcos beijos e abraços. Ao amor contido.


Deixamos de ver muitos, e muito. Não nos demos a liberdade de simplesmente estar em qualquer lugar. Evitamos, com grande incômodo para a alma, o contato com muitas gentes, com tantas gentes. E assim, à força, forçados pelo medo e pela prudência, o quase chegou muito próximo ao nada. Quase nada foi vivido verdadeiramente; sem limites ou medos.


Depois de tanto tempo, e tanto dizer que nos mostra que muito não sabemos, a certeza que nos resta é não ter muita certeza de como será a vida de agora para a frente. O futuro nunca foi tão incerto para a grande maioria de nós. Para mim. Para mim, que tenho a necessidade intrínseca de controlar minha vida à rédea curta, essa tal pandemia chegou muito perto do caos; do fim dos tempos. De um repente, e sem a minha permissão, o controle de minha vida, simplesmente, fugiu de mim.


Assim, depois de tudo, concluo que quase, por estes tempos, é muito, é tudo, é nada.

 

 

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Eu canto samba / Quando bate uma saudade



Vem quando bate uma saudade

Triste, carregado de emoção

Ou aflito quando um beijo já não arde

No reverso inevitável da paixão

Quase sempre um coração amargurado

Pelo desprezo de alguém

É tocado pelas cordas de uma viola

É assim que um samba vem

Quando um poeta se encontra

Sozinho num canto qualquer do seu mundo

Vibram acordes, surgem imagens

Soam palavras, formam-se frases

Mágoas, tudo passa com o tempo

Lágrimas são as pedras preciosas da ilusão

Quando, surge a luz da criação no pensamento

Ele trata com ternura o sofrimento

E afasta a solidão


sexta-feira, 19 de novembro de 2021

A Censura Governamental no Brasil (Uma Ode à ignorância)

 





Questões educacionais

MAFALDA É REPROVADA NO ENEM

De Laerte a Ferreira Gullar, de Chico Buarque a Madonna – o que diziam as questões que o governo Bolsonaro censurou em 2019 no Exame Nacional do Ensino Médio

 

Luigi Mazza in Revista Piauí

18 nov 2021_11h49

Mafalda, personagem de quadrinhos criada pelo cartunista argentino Quino, é um sucesso conhecido no mundo inteiro e traduzido em mais de 20 países. Em conversas com a mãe, com o pai e com os amigos de escola, a menina expressa seu inconformismo diante do mundo. Numa dessas tirinhas, publicada originalmente cinquenta anos atrás, Mafalda, prestes a entrar para o jardim de infância, nota que sua mãe está apreensiva com a nova fase na vida da filha. Por isso, Mafalda tenta tranquilizá-la: “Sabe, mamãe, eu quero ir para o jardim de infância e estudar bastante. Assim, mais tarde não vou ser uma mulher frustrada e medíocre como você!” A mãe fica desolada e Mafalda sai andando, feliz. “É tão bom confortar a mãe da gente!”


 


Famoso, esse diálogo entre Mafalda e sua mãe não agradou a uma comissão montada pelo governo Bolsonaro para avaliar as questões que seriam aplicadas na versão 2019 do Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio. “Gera polêmica desnecessária”, concluiu a comissão, ao justificar por que decidiu censurar a questão que trazia a personagem argentina.

 

Naquele ano, atendendo aos desejos do presidente Jair Bolsonaro, o então presidente do Inep, Marcus Vinícius Rodrigues, montou uma equipe para analisar ideologicamente as questões do exame. O grupo, composto por um procurador de Justiça, um diretor do Inep e um ex-aluno de Ricardo Vélez Rodríguez, então ministro da Educação, se reuniu ao longo de dez dias em março de 2019 e usou carimbos de “sim” e “não” para aprovar ou rejeitar questões. Ao final dos trabalhos, eles excluíram 66 questões da prova, sem consultar a equipe técnica do Inep, que já havia aprovado todos aqueles itens. Numa planilha de Excel, os censores apresentaram justificativas sucintas – e mal explicadas – para suas escolhas.

 

Como a comissão só usou três palavras, não fica claro o motivo de terem achado “polêmica” a tirinha de Mafalda. É possível deduzir que ficaram incomodados com uma interpretação feminista da história em quadrinhos. Também não se sabe mais detalhes da questão. Nenhuma das perguntas foi divulgada. Isso porque elas não foram deletadas do Banco Nacional de Itens; elas apenas não foram utilizadas na prova daquele ano. No futuro, essas questões poderão aparecer no Enem, e, por isso, precisam permanecer em sigilo.

 

A Piauí, no entanto, teve acesso a um documento até hoje não divulgado em que servidores do Inep pediram a reabilitação de parte das questões censuradas em 2019. Esse contraparecer, ainda que não revele todo o conteúdo das perguntas, permite saber os assuntos que incomodaram o governo, assim como as alegações usadas para retirá-los da prova. Os servidores responsáveis pelo Enem pediram que 38 das 66 questões fossem reabilitadas ou reconsideradas, e concordaram com a exclusão de 28 itens. O contraparecer até hoje não foi avaliado pela presidência do Inep. Com isso, as questões censuradas, embora ainda pertençam ao banco de itens, estão num limbo: não estão totalmente descartadas, mas também não podem ser utilizadas até que haja uma nova decisão.

 

Os registros de 2019 talvez ajudem a elucidar o que o presidente Jair Bolsonaro quis dizer, na última segunda-feira (15), quando afirmou que o Enem deste ano terá “a cara do governo”. A prova será aplicada nos próximos dois domingos, dias 21 e 28 de novembro, em meio a uma crise sem precedentes no Inep, que levou 37 servidores a entregarem seus cargos. Eles acusam o atual presidente do instituto, Danilo Dupas, de assédio moral, de desrespeito às decisões técnicas dos servidores e de interferência indevida no exame.

 

Assim como Mafalda, a cantora Madonna foi censurada no Enem de 2019. Uma questão da área de linguagens usava a letra da música Papa Don’t Preach para falar de gravidez na adolescência. Na música, Madonna interpreta uma adolescente que confessa para seu pai que está grávida. “Gera polêmica desnecessária”, disseram novamente os censores. Essa foi a justificativa mais usada de todas: serviu para excluir 28 questões da prova.

 

No contraparecer, os servidores responsáveis pelo Enem pediram que a questão fosse reabilitada. Explicaram que a música ajuda a explorar “as tensões associadas ao contexto” da gravidez adolescente, e que a questão utiliza os conhecimentos de língua estrangeira “como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas”. Argumentaram em vão, já que até hoje a questão continua barrada no banco de itens.

 

Outras seis questões foram censuradas por fazerem referência à ditadura militar. Uma delas citava o poema “Maio 1964”, escrito por Ferreira Gullar, que fala sobre a violência e as prisões políticas ocorridas nas semanas seguintes ao golpe. “Mas quantos amigos presos! / quantos em cárceres escuros / onde a tarde fede a urina e terror”, diz uma das estrofes. No gabarito desse item constava apenas que a poesia tratava do “contexto em que o Brasil se encontrava após o golpe militar”. A comissão de censura do Inep, ainda assim, decidiu excluir a questão do exame. A justificativa? “Descontextualização histórica do texto.”

 

A suposta “descontextualização histórica” também foi usada pelos censores para excluir uma pergunta que se baseava num poema de Paulo Leminski e tratava da ditadura. Uma outra questão, que citava uma letra de música escrita por Chico Buarque (não se sabe qual), foi censurada com a seguinte explicação: “Leitura direcionada da história / Sugere-se substituir ditadura por regime militar.” Os servidores pediram que a exclusão fosse revista.

 

Em alguns casos, os servidores – talvez sabendo que não poderiam comprar todas as brigas – aceitaram os argumentos dos censores. Na questão que falava de Ferreira Gullar, eles concordaram que o gabarito era inadequado porque, segundo eles, o poema revela o “sentimento” de Gullar, “mas não necessariamente esse texto revela o contexto brasileiro”. Também foi censurada uma questão sobre a prática de tortura pelos militares. Ao consentir com a exclusão da pergunta, os servidores comentaram: “Um instrumento que apresente itens que se refiram apenas a um lado da história se mostraria inadequado e polêmico.”

 

Não foram poucas as charges barradas na prova do Enem. Uma delas mostrava uma pessoa na igreja, se confessando para um padre. “Padre, eu pequei”, diz o personagem. O padre, sentado em frente ao computador, acessando o Facebook, responde: “Eu já sabia…” A religião não era o assunto central da questão. Na avaliação pedagógica feita pelos servidores, o item “provoca o estudante a analisar criticamente e lançar mão de outros recursos linguísticos”. Ainda assim, a comissão de censura excluiu a questão, dizendo que ela “fere o sentimento religioso”.


 


Charge censurada no Enem em 2019 — Crédito: Reprodução/Autor desconhecido

 

A mesma justificativa foi usada para censurar uma poesia de Manoel de Barros, usada em uma das questões. A partir da descrição feita pelos servidores, pode-se deduzir que se tratava do poema VII, de O Livro das Ignorãças, em que Barros faz alusão à Bíblia: “No descomeço era o verbo”, diz o primeiro verso do poema, numa referência ao Gênesis. Diante dessa heresia, os censores excluíram a questão e justificaram: “Fere sentimento religioso e a liberdade de crença.”

 

A comissão de censura do Inep usou a palavra liberdade para proteger sentimentos religiosos. Mas ignorou-a ao excluir da prova de ciências humanas uma charge da cartunista Laerte que, segundo o registro dos servidores, propunha uma “reflexão crítica sobre o reconhecimento à diversidade na sociedade contemporânea”. Ao censurar a charge, a comissão fez o seguinte comentário: “Leitura direcionada da história / Direcionamento do pensamento.” Ao excluir uma outra questão, dessa vez na prova de matemática, os censores do Inep foram além: disseram que o item “gera polêmica desnecessária em relação à ideia de casal”.

 

Não faltam exemplos exóticos. Uma outra questão, dessa vez na prova de ciências da natureza, falava sobre os cuidados com relação ao vírus HIV e afirmava que o uso de camisinha é “o meio de prevenção mais barato e eficaz” contra a Aids. “Gera polêmica desnecessária / Direcionamento do controle de saúde”, assinalou a comissão de censura do Inep. Na mesma toada, foi excluída uma questão que falava sobre a proliferação de doenças. O item explicava que a hanseníase tende a se espalhar com facilidade em presídios no Brasil, devido à superlotação e às condições precárias em que vivem os presos. “Gera polêmica desnecessária em relação ao sistema penal”, disse a comissão.

 

Nem mesmo uma questão sobre agricultura escapou à caneta dos censores. Ao se deparar com uma charge sobre a produção de milhos transgênicos, os bolsonaristas não titubearam: “Gera polêmica desnecessária em relação à produção no campo.” A questão foi excluída.

 

A comissão de censores foi fiel ao pensamento de Bolsonaro. Questões sobre escravidão, violência policial ou movimentos sociais foram parar na gaveta em 2019. Três questões que falavam de “conflitos sociais” foram excluídas do Enem com a alegação de que faziam “leitura direcionada da história” (essa justificativa foi usada para censurar 19 itens). Um item que falava sobre a abolição da escravatura e a “persistência das condições precárias dos pobres negros no Brasil” foi excluída da prova porque, segundo a comissão, houve uma “descontextualização histórica do texto”. Uma outra questão que falava sobre segurança pública mencionava, em uma das alternativas de resposta, a violência da polícia na Bahia. Por isso, também foi censurada. “Ofensivo à força policial baiana”, explicou o trio de censores.

 

Discutir feminismo foi proibido na prova. Uma questão de ciências humanas que falava sobre a Marcha das Vadias, mostrando uma foto de mulheres de sutiã durante uma manifestação do grupo, foi barrada por gerar “polêmica desnecessária”. Outra questão que debatia a maioridade penal foi excluída do exame. “Gera polêmica desnecessária a favor da não redução da maioridade penal”, escreveu a comissão de censura, alinhada com o pensamento do presidente. Naquele ano, Bolsonaro pressionava o Senado para aprovar um projeto que reduzisse a maioridade penal para crimes hediondos, uma velha bandeira de campanha.

 

Também houve cuidado com os assuntos de política externa. Uma questão da área de ciências humanas que falava sobre as relações entre o governo Donald Trump e Israel foi cortada do exame. A justificativa da comissão de censura foi a seguinte: “Leitura direcionada da história / Interferência desnecessária na soberania de outro país.” Já uma pergunta que falava sobre a Liga das Nações e a “implantação da sociedade judaica na Palestina do início do século XX” – tema relevante para uma prova de ciências humanas – foi excluída porque, segundo a comissão, fazia “leitura direcionada de geografia / história”.

 

Os censores fizeram questão de mostrar sua preocupação com a juventude. Excluíram da prova uma questão de ciências da natureza que versava sobre o canibalismo entre animais. “Induz o jovem a comportamento antissocial”, justificou a comissão de censura do Inep.

 

O governo também garantiu que não se falasse sobre armas de fogo no Enem. Na área de linguagens, um texto falava sobre uma tragédia ocorrida em 2013, na cidade de Burkesville, nos Estados Unidos: um menino de 5 anos disparou acidentalmente um fuzil que havia ganhado de presente e matou sua irmã mais nova dentro de casa. O objetivo do item, segundo os servidores, era discutir o risco existente “em ambientes domésticos em que há a possibilidade de acesso à arma por crianças”. Mas a comissão de censura do Inep não achou que o tema deveria ser apresentado aos 5,1 milhões de alunos que se inscreveram no Enem em 2019. A questão foi banida da prova sob a alegação quase onipresente nas justificativas dos censores: “polêmica desnecessária.”

 

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Perder-se

 


Perder-se

Ai de mim, agora sim

Agora não

Então, de ti me perdi por fim

Que fim! Me perdi de ti e não sei voltar

Não sei o caminho da tua casa e por onde seus passos estão

Não sei o que digo

E nem se faz qualquer sentido dizer algo aqui

Penso que não

Sinto que sim

Porque o sentir continua crente como antes, apenas que agora

Sem luz nem água; minguou

E ele anda calado, sem desejo para o falar;

Cabisbaixo

Contudo, de voz baixinha, um tanto rouca, às vezes o sentir

Te diz:

Amor...



Te Perdi em mim assim

perder-se

No fim.

 

 

Je suis un Caillou

Masculinidade


Tiago Iorc

Las cartas de amor


 


Las cartas de amor

Ellos se conocieron por casualidad, que es como se suelen encontrar los grandes amores, casi siempre por casualidad, por una llamada equivocada, por un encuentro fortuito. A ellos lo que les pasó fue que él había quedado en aquel café con una persona que no vino, y claro, la vio a ella sentada en la mesa del café, radiante, así que, harto de esperar no se cortó un pelo y dijo:

—“ya que he venido hasta aquí, no puedo desaprovechar esta ocasión”.

Se acercó a la mesa y dijo:

—“¿Me permite?”

—“Por supuesto”

Esto solo suele pasar en las historias que te cuentan otros, nunca en la vida real, por lo general cuando dices:

—“Me permites”, dicen

—“De qué”

A lo mejor ella estaba esperando a alguien que tampoco vino, quién sabe, yo qué sé, habrá que inventar otra historia en la que ella le dice “De qué”, en este caso ella lo invitó a él para que se sentase, y él se sentó. Y claro, no había de qué hablar,

—“¿y qué lees?”

Lo malo fue que él no había leído nada del escritor que ella estaba leyendo, mal empezamos, mal, muy mal, por ahí no.

—“Pues bonito día”

Pero enseguida empezaron a profundizar, porque ella dijo

—“Sí, la verdad es que hace un bonito día”

Y aunque no lo hiciera. Pero poco a poco él fue venciendo esa timidez que le caracteriza y fueron profundizando. Al principio él para llamar su atención contó una que otra mentira, que era escritor, luego reconoció que nunca le habían publicado nada, pero eso vino más tarde, cuando ya se conocían más, cuando pasaron del café a la habana con coca cola.

Por entonces ya estaban descubriendo que tenían más afinidades de las que pensaban al principio, y compartían gustos cinematográficos, y por eso él le dijo

—“Oye, y si vamos a ver esta, ¿has visto La vida es bella?” y ella

—“No”,

—“Oye quedamos el fin de semana”,

—“Vale”.

Y aquel fin de semana pues, yo no sé muy bien si para sorprenderla o no, pero el caso es que él rompía a llorar en cada escena en la que aparecía el chaval pequeño, esto a ella le enterneció, yo quiero pensar que era de verdad.

Resulta que coincidían en más gustos, y también en lo musical, y le dijo:

—“Oye, este fin de semana toca Ismael Serrano”,

—“Ismael qué?”,

—“Pero a ti te gustan los cantautores?”,

—“Los de verdad me gustan”.

Pero él le convenció a ella y fueron. Cuando él empezó a cantar aquella de Vértigo, pues se atrevió a cogerle la mano.

Y poco a poco se fueron inevitablemente enamorando, pero no por esto de Ismael Serrano, ni por el Vértigo, quizá más por aquello de llorar con La vida es bella.

Una mañana él se levanta y al abrir los ojos se da cuenta de que está perdidamente enamorado de ella, y quedaron entonces en aquel café en el que se conocieron por casualidad. Los momentos importantes suelen coincidir casi siempre en los mismos sitios, no estoy muy seguro de lo que acabo de decir, pero es una buena frase. Pero fue en aquel café en donde ella le dijo:

—“Sabes, creo que me tengo que ir durante algún tiempo”,

—“Yo te iba a decir casi lo contrario, que te quedaras conmigo para toda la vida”, y ella dijo –“No te preocupes porque yo estaré esperando el día que vuelva para retomar contigo este camino que emprendimos, además, cada quince días puntualmente te mandaré una carta en la que te contaré todo lo que hecho, todo lo que siento, todo lo mucho que te echo de menos, y todo lo poco que nos falta para vernos”,

El dijo que bueno, que vale

—“Pero que si no te vas casi mejor”.

Pero se fue.

Fue entonces cuando descubrió que aquello no tenía remedio y que estaba perdidamente enamorado, que no había ningún elixir que hiciera que la olvidase, que no era cierto aquella de que un clavo saca otro clavo, que a veces es cierto que los amores a primera vista existen, bueno, ¿es que acaso hay otros?.

A los quince días puntualmente llegó la carta de ella toda llena de besos y de caricias, de te echo de menos, él lloró, y esta vez era de verdad. Y guardaba las cartas con mucho cariño encima de la mesilla. Pasaron quince días, y otros quince, y otros quince, y otros quince, y las cartas se iban acumulando. Y su vida consistía en esperar a que llegara el decimoquinto día, abrir el buzón y encontrar la carta de amor en la que ella prometía volver, esperar esa carta en la que ella le diría que volvía pronto. Y pasaron años, muchos años, y ya las cartas casi no cabían en la casa, se compró una gran caja fuerte para guardar todas las cartas, porque eran su gran tesoro, porque vivía para leer las cartas que ella le había escrito, porque ella era lo que más quería, y así pasaron creo que diez años, quince, no me acuerdo.

Y un día ella, sin saber cómo ni por qué, dejó de escribir, y al quince día él se encontró el buzón vacío, y el alma partida en dos.

Ahora solo podía vivir del recuerdo, leyendo las cartas que ella le había escrito con tanto cariño, aquellas cartas eran su mayor tesoro.

Un día él salió de casa, porque tenía que salir, y unos ladrones entraron en su casa. Al ver allí la gran caja fuerte no se lo pensaron dos veces, porque pensaron que debían esconder algún gran tesoro, grandes riquezas, realmente no era. Y se llevaron la gran caja fuerte.

Imagínate la desolación de nuestro protagonista cuando llega a su casa y se da cuenta de que le han robado lo que él más quería, lo que le hacía sentirse vivo algunas tardes de domingo cuando no sonaba el jodido teléfono, cuando releía aquellas cartas y aquellas promesas quién sabe si falsas.

Suele pasar que los ladrones son buenas personas, y este era el caso. Pero imagínate la cara de los ladrones cuando abren la caja fuerte y se encuentran montones de cartas de amor, declaraciones imposibles. El jefe de los ladrones se enfadó un poquito, pues la caja pesaba, y llevarla a la guarida no era moco de pavo.

Nuestro hombre vagaba casi moribundo por las calles de su ciudad, con la esperanza de encontrar alguna carta, a alguien que le hablara de una gran caja fuerte llena de cartas, perdido sin saber ya qué hacer.

El jefe ladrón lo que dijo es que aquellas cartas lo que había que hacer era quemarlas o tirarlas al río, lo que fuera, pero que desaparecieran de inmediato. Pero el más joven de los ladrones era más bueno, y se le ocurrió una gran idea.

Un día nuestro hombre llegó a casa después de estar buscando toda una tarde, y al abrir el buzón ¿Adivina lo que se encontró?... Una carta. Los ladrones habían decidido mandarle las cartas tal y como ella se las había mandado, puntualmente cada quince días, por riguroso orden.

Ahora él resucitaba con la esperanza de revivir aquellos momentos en los que quizá un día leería la carta en la que ella diría:

—“Pronto estaré allí”.


por Eduardo Galeano

domingo, 7 de novembro de 2021

Stranded

Cartola - Peito Vazio

Em branco

 



Em branco

 

João abriu a porta para um inconcebível corredor branco sem fim; sem janelas, sem portas, sem ruídos. Apenas o insípido e tão hermético branco.

Ele acordara zonzo, sem saber bem onde e quando estava. A respiração era pesada com o coração a bater reticentemente, e João sentia-se confuso enquanto sua mente corria em todas as possíveis direções tentando entender a realidade.

Segundos longuíssimos...

Que dia era aquele? Domingo? Estou sozinho aqui? Onde é mesmo aqui? Morri? Não morri, pensou ele. Não me sinto morto. Como é sentir-se morto? Muito diferente de estar vivo? Eu estava vivo? Quando? Quanto?

João fechou a porta azul clara para proteger-se da brancura infinita daquele mundo inócuo e assustador. No quarto havia alguma cor. Uma cama macia, mesa e cadeira de madeira, uma jarra d’água quase vazia, uma planta calada; muito seca. A um canto uma grande estante cheia de livros e discos. Ao lado um toca-discos antigo. Pela janela de vidro via-se o mar ao longe.

Não moro mais perto do mar. Lembrou-se o homem enquanto olhava pela janela. Não havia vivalma pelas ruas pelo que ele percebia. O mundo estava lindo, iluminado, morno e vazio. O mundo e o corredor não tinham som. Será que estou surdo? Pensou João. Não. Não pode ser. Por que ele estaria surdo de um repente?

Escolheu um disco aleatoriamente. Um disco de Cartola... Em alguns segundos “Peito Vazio” ecoava pelo quarto de João. O mundo estava em silêncio apenas para ouvir ao Cartola; pensou ele. E um sorriso suave fez-se no rosto dele. Esta realidade não está tão má assim. Finalmente faz-se jus a um gênio tão pouco compreendido. Seu Agenor merecia tal reverência.

João passou a chave na porta sem coragem para abri-la novamente. Escolheu um bom livro e, como se nada mais importasse, deitou-se confortavelmente na cama para ler aproveitando a luz do dia que entrava tranquila pela janela.

O mundo deixou de existir.