domingo, 30 de outubro de 2022

Sem paixão, por favor.

 


Sem paixão, por favor.

 

A esta hora, pouco mais de uma hora depois do final das eleições no Brasil, não sabemos como nem qual será o nosso futuro. Continuaremos com o Sr. Jair e seu clã do terror ou teremos Lula e sua megalomania de volta? Meu voto não é secreto, apesar de não o gritar aos quatro ventos. Jamais, em tempo algum, votaria em um ser humano do naipe do Sr. Jair. Seus asseclas diriam: um homem honesto, não? Não, não senhor.

A verdade é que, como a grande maioria dos senhores e senhoras que grassam na vida política de Terra Brasílis, tanto Luiz Inácio quanto Jair Bolsonaro estão distantes da hombridade e honestidade que desejamos. Ambos mentem descaradamente, creem-se seres ungidos por Deus, são desonestos e malandros por hábito e, com certeza, estão ou estiveram envolvidos em casos de desvio de dinheiro público para os próprios cofres ou para os cofres de seus partidos políticos.

Qual a diferença então? A diferença é que o Mundo como pensa o Sr. Jair é um mundo que não está certo para mim. Um mundo violento e preconceituoso, um mundo sem nenhum respeito à vida e à natureza, um mundo sem lugar para a educação como a vejo e cheio de igrejas que pregam tudo, menos o amor cristão.

A diferença é que tenho ojeriza a este tipo que prega pela família tradicional brasileira com sua moral irreal e cheia de preconceitos. Um tipo que todos nós deveríamos conhecer; principalmente as mulheres. O tipo que urra contra a aprovação do aborto legal no Brasil ao mesmo tempo que paga pelo aborto das amantes. Aquele que arrota honestidade enquanto passa a perna nos outros sempre que tem a oportunidade. Aquele que diz que defende as mulheres ao mesmo tempo que as têm como seres inferiores. Aquele tipo que tenta a todo o custo nos dizer o que pensar, o que sentir.

Não morro de amores por Lula; não senhor. E, sinceramente, desconfio profundamente dos apaixonados por políticos de plantão. Como podem ser tão tontos assim? Mania sem pé nem cabeça desta minha América Latina de querer encontrar para si um salvador da pátria. Isso é tão irracional que dói quando penso. Como diz muito bem o outro: políticos não existem para serem admirados, mas sim cobrados. Deveriam nos representar e nos servir. Bem, não o fazem, pelo menos ainda não, por aqui.

Mesmo assim, sem grandes alegrias e pronta para enfrentar problemas futuros, sentir-me-ei aliviada com o fim da presidência de Jair Bolsonaro. E espero que, depois de tanta bobagem feita, possamos pensar a política no meu país de forma racional e nada apaixonada. Afinal, a paixão cega; sempre.

Por hoje quero apenas esperar o resultado das eleições e cantar mais uma vez, como cantamos por tanto, por tempo demais por aqui.

“Apesar de você, amanhã há de ser outro dia...”

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Menino meu

 


Menino meu

 

Palavras tão escassas, raras,

ousam atravessar as portadas da tua boca cerrada

Não nasceste para falar, menino malandro de poucas;

riso contido

E o olhar decidido posto nos olhos miúdos

dizem mais que muito num mundo onde a expressão dos sentimentos

é minimalista

Essência de quem parece, desde pequeno, ter compreendido

que a complexidade não se faz necessária para que a vida

seja boa

E tudo é bobagem...

menos o voo pelos campos

Menos o correr feito louco

Menos o saltar a tocar a Lua

Que tu tens certeza, é tua.

Ningún Lugar




sábado, 15 de outubro de 2022

Peekaboo

Olhos

 




Olhos

 

Ana fechou os olhos secos. Há tanto tempo abertos, escancarados, desidratados; esperando enxergar algo inexistente. Aquela mulher pequena fechou os olhos para melhor ver o que se passava pela alma dela; aquele lugar onde ela habita, onde poucos, muito poucos, habitam tranquilos como se o tempo não existisse. O amor nunca termina. Fica apenas escondido dos outros e de nós mesmos por detrás de um grande armário, no fundo de uma gaveta.

Ana fechou os olhos cansados para procurar no escuro de toda a existência o amor dela. Para saber e perceber se ele ainda respirava, mesmo que pouco, aos poucos. Mesmo que fraco como um fiapo; ajudado por aparelhos. O amor nunca termina. Apenas seca escondido na terra, como secos estavam os olhos da menina. Porém, basta chover, não? Pensou ela.

Ana fechou os olhos, sem muita vontade de abri-los depois. Queria apenas estar. Sem pensar, sem saber, sem querer. Queria ser um grande jatobá carregado de flores e frutos, sozinho no meio de uma planície de gramínea rasteira e montanhas ao fundo. Sem olhos de gente por perto a mulher de tronco e galhos, cheia de folhas, seria feliz a ouvir o canto dos passarinhos que por seus galhos montassem seus ninhos.

Ana abriu seus olhos, e o mundo cá fora não lhe parecia tão belo quanto toda a planície que ela concebia por detrás da retina. E pensou, tranquila, que seria melhor ser árvore grande a olhar os campos de cima. Suas flores abertas a perfumar o ar, seus frutos maduros tombando por terra, seus galhos bercinhos para os ovos de passarinhos... O amor não termina, não morre. Apenas se esconde dentro do coração da gente pelo resto da vida.

Ana fechou os olhos.

 

Algoritmo Íntimo





Criolo & Ney

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Sobre a ausência...

 


Tomara

Tomara que você volte depressa

Que você não se despeça

Nunca mais do meu carinho

 

E chore, se arrependa e pense muito

Que é melhor se sofrer junto

Que viver feliz sozinho

 

Tomara que a tristeza lhe convença

Que a saudade não compensa

E que a ausência não dá paz

 

E o verdadeiro amor de quem se ama

Tece a mesma antiga trama que não se desfaz

E a coisa mais divina que há no mundo

É viver cada segundo como nunca mais

 

Ausência

 

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces

Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.

No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida

E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.

Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados

Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada

Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.

Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.

Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.

Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.

Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.

E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.

Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.

E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.

Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Vinícius de Moraes

 

AUSÊNCIA

 

Por muito tempo achei que a ausência é falta.

E lastimava, ignorante, a falta.

Hoje não a lastimo.

Não há falta na ausência.

A ausência é um estar em mim.

E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,

que rio e danço e invento exclamações alegres,

porque a ausência, essa ausência assimilada,

ninguém a rouba mais de mim.

 

 

A UM AUSENTE

 

Tenho razão de sentir saudade,

tenho razão de te acusar.

Houve um pacto implícito que rompeste

e sem te despedires foste embora.

Detonaste o pacto.


Detonaste a vida geral, a comum aquiescência

de viver e explorar os rumos de obscuridade

sem prazo sem consulta sem provocação

até o limite das folhas caídas na hora de cair.

 

Antecipaste a hora.

Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.

Que poderias ter feito de mais grave

do que o ato sem continuação, o ato em si,

o ato que não ousamos nem sabemos ousar

porque depois dele não há nada?

 

Tenho razão para sentir saudade de ti,

de nossa convivência em falas camaradas,

simples apertar de mãos, nem isso, voz

modulando sílabas conhecidas e banais

que eram sempre certeza e segurança.

 

Sim, tenho saudades.

Sim, acuso-te porque fizeste

o não previsto nas leis da amizade e da natureza

nem nos deixaste sequer o direito de indagar

porque o fizeste, porque te foste.

 

Carlos Drummond de Andrade