segunda-feira, 26 de março de 2018

Ginga

A colcha nova



A colcha nova



Cheguei à casa de meu pai.

Casa que já foi nossa, de uma família inteira.

E passou a ser a casa dos meus pais com o passar do tempo.

Todo mundo cresce; meu irmão e eu somos uma parte

ínfima deste mundo todo e, sendo assim,  também crescemos.

Com o tempo eu fui para muito longe porque destino de andorinha é voar e

meu irmão multiplicou-se. Ele virou três, e hoje, mais do que homem,

 é pai.

Agora, a casa que foi de vários se tornou a casa de um homem só.

Não solitário, e por isso meu pai está por aí a conhecer o mundo cheio de companhia.

Cheguei à casa de meu pai e ele não está.

Porém, para a recepção de minha chegada,

delicada

quieta e encantadora,

repousava na cama uma nova colcha de flores miúdas.

Flores bordadas e coloridas. Lindas.

E mesmo de longe, sem necessidade de palavra alguma,

meu pai declarou todo o seu amor.

A colcha nova me fez sorrir,

com o delicado cuidado de um amor  que, apesar de todos os anos passados,

ainda é cultivado.



Ao meu pai que, em silêncio, sempre foi profundamente apaixonado por nós.

quinta-feira, 22 de março de 2018

O Medo Maior




O Medo Maior

Entre todas as coisas que não deveriam acontecer neste mundo se, além de muito bonito, ele fosse também justo, penso que as crianças não deveriam sofrer em tempo algum.  Eu, se tivesse um poder do tipo que abre mares ou decide destinos, escolheria proibir terminantemente que qualquer criança sofresse. E não importaria o sofrimento: nada de guerra perto dos miúdos, nada de adultos perturbados e que não as protegem, nada de doenças sérias. Nadica de nada de mal aconteceria a todas as crianças; simples assim.

Se o mundo assim fosse, o tamanho da paz que nós sentiríamos seria de uma enormidade obscena. Saber que nenhum mal alcançaria aos nossos pequenos seria mais do que bom; seria divino! Para mim seria o final do meu medo maior, do fato que concretamente me aterroriza mais do que tudo nesta vida e que me traz um nó cego à garganta. O sofrimento dos meus miúdos me destrói. Aliás, e sendo honesta, apenas a ideia dele já causa um estrago considerável em mim.

Por estes dias um dos meus miúdos adoeceu. Algo um tanto sério e que requereu uma pequena cirurgia para a correção do tal problema. Cirurgia um tanto simples, de fato. Contudo, o fato é que me apavorei. De um repente que não me é muito comum, senti-me como uma banana mole, um ser aparvalhado. A testa franziu e assim quedou-se por dias, a cabeça deixou de pensar, o coração sentiu-se ferido. Tudo isso porque um buraquinho seria aberto no abdome do meu Dieguito; e eu, egoistamente, não quero que buraquinho algum seja feito em qualquer dos meus miúdos. Jamais!

O pequeno está bem, e o meu medo sem fundamento quase desapareceu por completo.  Quase... Porém, esta coisa toda, tão simples no final, me fez perceber o quanto amo aos filhotes do coração. Sobre o amor desta vida, costumo dizer que ele é um pedaço de mim que “anda”, independente, por aí. Sobre as minhas crianças compreendo e sinto que sou um pedaço delas, e que não há qualquer independência possível aqui. Dos meus miúdos sou, completamente, dependente.

Aos amores desta vida.

domingo, 18 de março de 2018

Sobre o Vento que as Palavras podem Fazer



Sobre o Vento que as Palavras podem Fazer

Mais do que tudo o que deveria importar, nesse mundo de likes, fake news e 5 segundos de fama, chamar a atenção é o que conta. Aliás, esta parece ser a meta de vida, a única coisa que verdadeiramente importa a muita gente. Para tal propósito ser atingido há quase uma receita infalível no mundo virtual: falar mais do que se deve sobre o que deveria ser privado, discorrer sobre assuntos praticamente desconhecidos e de maneira inverídica, e bradar a plenos pulmões contra tudo e todos.

Para muitos estas são práticas tão comuns quanto almoçar; um ato rotineiro, diário. E isso, apesar de sua gravidade, parece-nos algo distante da realidade vivida por nós, os simples mortais distraídos, e, portanto, acaba por nos passar ao lado. Não damos a devida importância a esta falta de caráter em moda, já que isso de estórias inventadas, tramas mentirosas e afins são coisas para políticos, gente famosa e/ou folhetins popularescos.

Infelizmente, não é bem assim. Pois que, apesar de sermos tão desimportantes quanto se pode ser num universo sem fim, a tal da mentira institucionalizada para seus devidos fins: chamar a atenção, chega até nós sem um aviso que seja. Sem uma pequena nota sequer. E ela pode causar danos mais graves e sérios do que podemos prever e do que deveria. Ela pode mudar nossas vidas para sempre.

Pois que uma destas invencionices sem fundamento atingiu a um amigo feito trem-bala em movimento. Passando por cima dele sem qualquer razão e deixando a todos nós confusos e perplexos. E da pior maneira possível, aprendemos que alguém pode sim dizer o que quiser sobre outra pessoa, pode inventar fatos, contar meias verdades, mentir de fato e, ainda assim, ser a pessoa a quem se dá a razão. E isso, apesar de não parecer, é completamente assustador quando visto de perto.

Sem saber das razões para tal falácia, parece-me apenas que a dona delas quer, como tem demonstrado regularmente, chamar a atenção para si de toda e qualquer maneira. Espero que ela perceba, antes do que tarde, a crueldade que, sem a total consciência do fato, cometeu. Porque se as palavras podem ser levadas pelo vento, neste caso, elas gestaram uma tempestade sem precedentes por aqui e jamais serão esquecidas.

segunda-feira, 12 de março de 2018

Choro em forma de canção








Falando de Amor
de Tom Jobim

Se eu pudesse por um dia
Esse amor, essa alegria
Eu te juro, te daria
Se pudesse esse amor todo dia
Chega perto, vem sem medo
Chega mais meu coração
Vem ouvir esse segredo
Escondido num choro canção

Se soubesses como eu gosto
Do teu cheiro, teu jeito de flor
Não negavas um beijinho
A quem anda perdido de amor
Chora flauta, chora pinho
Choro eu o teu cantor
Chora manso, bem baixinho
Nesse choro falando de amor

Quando passas, tão bonita
Nessa rua banhada de sol
Minha alma segue aflita
E eu me esqueço até do futebol
Vem depressa, vem sem medo
Foi pra ti meu coração
Que eu guardei esse segredo
Escondido num choro canção
Lá no fundo do meu coração


sábado, 10 de março de 2018

A Pedra



A Pedra

De repente há uma pedra grande demais

no meio do nosso caminho,

um pedregulho,

Uma Montanha que nos impede de ver além.

Em um minuto muda tudo,

o quarto fica um tanto escuro, e um desconhecido mundo mudo

se apresenta como a nova realidade.

Talvez, apenas agora, neste instante em que temos uma pedra

gigantesca no meio da sala de estar, eu tenha compreendido

toda a dor de Drummond.

Existe uma pedra no meio do nosso caminho e a vontade de poder

fazer o tempo voltar atrás

é tudo o que queríamos. Presente divino...

há uma pedra aqui,

Há o medo.

segunda-feira, 5 de março de 2018

O inesperado



O inesperado

Desde que me lembro por gente gosto de filmes, desenhos animados e de ir ao cinema. Isso, porque desde muito menina sou um ser encantado pelo poder da fantasia. Creio até hoje, feito criança, no imaginário e no fantástico e, sendo assim, o que passa pela tela (seja ela gigantesca ou pequenina) tem um quê de verdade para mim.

Apesar de ver sempre aos filmes que me interessam, verdade seja dita, na época dos Oscares fico um tanto mais “caxias” e tento, o máximo que posso,  assistir às películas que fazem parte desta celebração do cinema. Mesmo sabendo que tudo não está muito para além de uma propaganda bem elaborada da indústria do cinema. Mesmo assim.

Pois, este ano não foi diferente. Assisti a quase todos os filmes e animações que concorriam às diversas categorias, além de gostar muito da coisa, pelo prazer de ter a minha opinião sobre o resultado final das votações. Gostei muito de A Forma da Água, fã como sou de tudo que o Sr. Del Toro cria, contudo ainda creio que O Labirinto do Fauno é muito mais interessante, criativo e único do que o vencedor do Oscar deste ano. Então, faltando ainda assistir ao novo filme com Daniel Day Lewis, The Phantom Thread, posso dizer que os filmes têm boa qualidade, são interessantes e vale a pena assistir a todos.

Quanto às animações, apesar de ter torcido muito por Com Amor, Van Gogh, pelo lindíssimo trabalho de animação, não há como estar descontente com Viva, a Vida é uma Festa, pois ele é realmente bonito. Entretanto, e apesar de tudo isso, eu apaixonei-me pelo Touro Ferdinando e seu amor pela natureza. Pois, por um motivo um tanto quanto alheio à lógica, muito provavelmente pelo amor às flores, o tal touro pacifista fez com que eu me lembrasse, mais do que o esperado, de minha mãe enquanto via ao desenho animado.

Ferdinando e seu diretor brasileiro, Carlos Saldanha, me fizeram chorar mais do que o amor de Guillermo, que a família de Coco, do que o pai de Hélio em Call me by your Name, e mais que toda a emoção da II Grande Guerra. Isso sim foi o mais inesperado em todos os filmes deste Oscar. O mais simples e ingênuo de todos os filmes ganhou grande valor para mim.

Para ti, Mima.

domingo, 4 de março de 2018

Do tempo



Do tempo

Com o tempo aprendemos.

Eu aprendi a dizer quase tudo que penso,

restando-me somente uma porção ínfima de bom-senso

a evitar o desastre

e o incômodo que tornou-se para mim

o perder meu tempo a discutir com toda a gente.

Aprendi a esconder como poucos, e como todos,

o sentir fora de hora e o pensar sem senso.

Mas penso.

Penso sempre nas palavras que chegaram ao limite da boca diante de ti

e sinto-me tola.

Tola por não ter dito nada por medo,

e ainda mais aparvalhada por ter dado vida

às tais palavras encantadas.

Como nunca, e sempre,

a sentir todo o sentimento sem juízo

e que existe apenas nos contos fantásticos; nos filmes lamechas e

baratos.

Sigo sem cura, a ignorar o tempo em que tudo passa, para mim,

lento.