terça-feira, 27 de agosto de 2019

Último Desejo



Nosso  amor que eu não esqueço
E que teve o seu começo
Numa festa de São João
Morre, hoje, sem foguete
Sem retrato, sem bilhete
Sem luar e sem violão
Perto de você me calo
Tudo penso e nada falo
Tenho medo de chorar
Nunca mais quero seus beijos
Mas meu último desejo
Você não pode negar
Se alguma pessoa amiga
Pedir que você lhe diga
Se você me quer ou não
Diga que você me adora
Que você lamenta e chora
A nossa separação
Às pessoas que eu detesto
Diga sempre que eu não presto
Que meu lar é um botequim
Que eu arruinei sua vida
Que eu não mereço a comida
Que você pagou pra mim

domingo, 25 de agosto de 2019

Sem Ar



Sem Ar

Ita significa pedra, e eu sempre soube o que significa a palavra curumim. Mandioca faz parte da minha dieta desde menina, como de todo brasileiro. Amo pipoca e sei preparar tapioca. Entre as lendas e o folclore que construíram quem sou eu, mais do que princesas, há a Caipora, a Iara e o Saci Pererê. Pois, é assim, apesar de não haver em mim qualquer traço de sangue indígena e dos meus ancestrais terem vindo todos de além mar, a herança cultural indígena faz parte de mim.

Não compreendo a existência sem uma herança indígena, sem a mata como casa e sem as árvores como amigas com quem se conversa regularmente. Falo com minhas plantas, coisa que minha mãe me ensinou, e sinto falta delas como se sente falta de alguém que se quer bem. Não sei o que as pessoas no geral sentem quando estão perto das plantas pequenas ou das árvores gigantescas, mas eu sinto uma força enorme vinda delas; um poder silencioso e tranquilo que me faz respirar mais tranquilamente. Às vezes tenho ganas de ser árvore e ver, calmamente, a vida acontecendo ao meu redor.

Por tudo isso, além da tristeza que sinto pelo pouco respeito que meu país tem demonstrado por nossas florestas, ando a sentir uma revolta crescente e um cansaço agudo de ouvir tanta besteira sendo dita por quem, em teoria, me representa. O tal Senhor Jair é mesmo um ser que beira a repugnância com seu discurso hipócrita, ignorante e preconceituoso. Reflexo translúcido de seu falso interesse e respeito pelo nosso país e de seus arroubos de ditador imperial. Seu Jair, mais do que qualquer coisa na vida, quer mandar com mão forte e poucos argumentos. Já que para ele a única coisa que interessa são os interesses próprios, e de sua prole ignóbil, e a única verdade que conta é aquela que sai de sua perversa cabeça.

Seu Jair vive num mundo absurdo que é só dele e, infelizmente, anda a tornar o meu mundo mais cinza e triste. Um mundo onde há dias nos quais me esforço para respirar porque me falta o ar.


sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Nego




Nego


Negue,

renegue meu nego que eu existo

Mas eu, veramente, respiro

a arremedar insolente, de osso e carne, as gentes

me negando

à negligente covardia de quem segue a vida com palas em cega linha

Negue,

renegue meu nego que eu existo

Contudo, minha voz muda chega aos teus ouvidos

ignorando a lógica de toda a geografia,

estou a léguas de ti e, ao mesmo tempo, sussurro ao teu ouvido

todo santo dia

domingo, 18 de agosto de 2019

Negue





Negue

Negue seu amor, seu carinho
Diga que você já me esqueceu
Pise, machucando com jeitinho
Este coração que ainda é seu
Diga que meu pranto é covardia
Mas não me esqueça
Que você foi meu um dia
Diga que já não me quer
Negue que me pertenceu
E eu mostro a boca molhada
Ainda marcada pelo beijo seu
Diga que já não me quer
Negue que me pertenceu
Eu mostro a boca molhada
E Ainda marcada pelo beijo seu

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

O silêncio




O silêncio

Discurso mais conciso e preciso

Direto

Mais do que a falta de palavras para tudo

o que se quer ter dito

A explícita declaração de que estão surdos

os ouvidos

de que nada quer ser ouvido

domingo, 11 de agosto de 2019

O Corpo e Gil

Grupo Corpo - 2019 Gil


O Corpo e Gil


O Grupo Corpo de dança nasceu em 1975 e à época eu nem sabia que era gente ainda. Meu mundo era tão grande quanto os limites de minha casa, que me parecia muito maior do que realmente era, a escola em meu primeiro ano fora dos limites domésticos sozinha, e os lugares aonde íamos em família. A dança moderna brasileira e eu estávamos a descobrir quem éramos e a que mundo pertencíamos.

Não me lembro de quando foi a primeira vez que vi o grupo Corpo no palco e nem qual foi a peça vista. Lembro-me, lá pelos 16 anos, de ir assistir a uma aula aberta para nós no teatro antes de um dos espetáculos porque minha ex-professora de Ballet, Solange Cordeiro, fazia parte do grupo então. Não foi a primeira vez que estávamos tão perto de bailarinos profissionais, mas já então, quase final do anos oitenta, o Grupo Corpo impunha respeito e admiração por sua modernidade e pela identidade de seus movimentos únicos. O Corpo trouxera Minas Gerais, nossas heranças indígenas e africanas e a identidade brasileira para o mundo da dança.

Lembro-me, porém, como se fosse há poucos dias, do espanto e do encanto de assistir à Missa do Orfanado em 1989 no Teatro Municipal de São Paulo. Eu tinha 18 anos, e o Corpo no palco mostrava que tinha se tornado gente grande de verdade; como nenhuma companhia brasileira o fizera até o momento. Assim que as cortinas abriram e a música de Mozart começou como um lamento, bailarinos dramáticos e precisos, sentidos, fizeram com que a minha respiração parasse por alguns instantes. Meus olhos não acreditavam no que viam e minha alma foi alcançada como nunca antes durante um peça de dança. Fui engolida, absorvida, pelo Corpo e sua Missa do Orfanato dentro do teatro.

Desde então, assistir a uma peça do Corpo é algo a ser celebrado e a ser esperado com todas as expectativas que o encanto pode trazer. E, a bem da verdade, muitas outras vezes fui surpreendida e encantada pela beleza, a força e a carga emocional das coreografias apresentadas por Rodrigo Pederneiras. Seus movimentos são únicos e traduzem a dança natural e ancestral dos corpos brasileiros. E, por isso, ele é genial.

Nessa semana, mais de 30 anos depois de meu primeiro espetáculo do Corpo, assisti à Gil, a nova coreografia do grupo, com olhos muito atentos, e a esperar muito de uma peça que traz meu grupo de dança nacional mais querido dançando a obra de Gilberto Gil. E é fato que criar muitas expectativas não é algo muito bom, pois, via de regra, algumas das tais são sempre frustradas porque a realidade jamais será aquilo que fantasiamos que ela deveria ser.

Gil é belo, tem música luminosa, os bailarinos estão excelentes como de costume e a assinatura já tão conhecida por nós lá está: os movimentos coreográficos típicos do Grupo Corpo em toda a sua essência e clareza. Contudo, faltou-me o espanto já tão típico depois de assistir a um novo trabalho. E isso deu-me nós na cabeça. Estariam a estética e seu repertório do grupo já exauridos depois de tantos anos? Já assisti ao Corpo vezes demais para dever esperar ser surpreendida por eles?

Depois de alguns dias, pensando no que vi, sinto que em parte tudo isso é verdade. Estou realmente muito acostumada à dança deste grupo mineiro que tornou-se já um clássico da moderna dança do meu país. Porém, mais do que algo repetido, Gil trouxe a essência da dança do Corpo de forma pura. Influenciados pela dança de Xango, o orixá, e a música de Gil, vi um Corpo dançando conectado à terra e às nossas raízes numa coreografia cheia de ritmo e leve, com gosto de doce de leite e tambor; avessa aos grandes malabarismos ou efeitos cenográficos.

O novo espetáculo do Corpo parece simples, fácil de ser dançado; despretensioso mesmo. Porém, quando ele acaba, nos parece que os tais 40 minutos não passaram de 20 ou trinta minutinhos corridos. Gil flui como os riachos, sem grandes quedas e assombros, e nos envolve mais do que nos damos conta. É ensolarado, alegre e suave como o músico que representa.

Pois, depois de alguns dias, e da confusão inicial que me apareceu na cachola assim que as cortinas foram cerradas, percebo e sinto que gostei muito mais do tal Gil do Corpo do que consegui entender num primeiro momento. E cá estou, surpreendentemente, surpresa pelo Corpo mais uma vez.

Grupo Corpo - Gil




quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Devagar




Devagar

Dance devagar dentro do meu peito
Sem pisar forte demais no miúdo e esquálido
Respeito que eu ainda levo cá por dentro

Dance devagar dentro do meu peito
Para não deixar rastro profundo que não apague
Com o tempo que por cá ainda eu tenho

Dance devagar dentro do meu peito
Pois não é para qualquer um este direito
De bagunçar minha alma sem teto e sem leito

Dance devagar dentro do meu peito
No ritmo escolhido por ti que por aqui
Manda e desmanda em tudo que se passa dentro de mim


Divagando, devagar, entre as palavras a partir de uma estrofe da canção  "Bala na Agulha" de Baiana System que anda a tocar nos meus fones de ouvido.

Saci




O Saci Pererê vai dançar numa perna só
Junta só, fica junto, quem 'tá junto, fica só
O Saci Pererê vai dançar numa perna só
O Saci Pererê vai dançar numa perna só
O Saci Pererê vai dançar numa perna só
O saci-saci-saci-saci-saci de uma perna só
Quem 'tá só, fica junto, quem 'tá junto, fica só
Quem tem dois, já entendeu
Quem tem deus, não fica só
Quem tem dois, já correu
O bagulho não dá nó
Já correu-correu-correu-correu-correu pra não dar nó
Estátua
Placa-placa, anota a placa
Pupila dilata no navio pirata
Busco foco no binóculos
Se o papo é racista, dedo médio, fuck
Placa-placa, anota a placa
Pupila dilata no navio pirata
Busco foco no binóculos
Se o papo é machista, dedo médio, flow
Placa, placa (flow)
Placa, placa (flow) (placa placa)
O Saci Pererê vai dançar de uma perna só
Quem 'tá só, fica junto, quem 'tá junto, fica só
Quem tem dois, já entendeu
Quem tem deus, não fica só
Quem tem dois, já correu
O bagulho não dá nó
Plow
Classe, gosto do som com classe
DJ, muda a vibe que a vibe nasce, cresce
Gosto quando acontece
Muda a vibe que a vibe nasce, cresce
Gosto quando evolui
Muda a vibe que a vibe flui
Choca, gosto do som que choca
DJ muda a vibe, amplia a pipoca
Yall, saci
Pererê Pererê (huu)
Pererê (huu)
Pererê (huu)
Pererê (huu)
Pererê
O saci pererê vai dançar de uma perna só
Quem 'tá só, fica junto, quem 'tá junto, fica só
Quem tem dois, já entendeu
Quem tem deus, não fica só
Quem tem dois, já correu
O bagulho não dá nó
Estátua
O Saci Pererê, Pererê, o Saci
O Saci Pererê, Pererê, o Saci


terça-feira, 6 de agosto de 2019

Una vez más... Neruda




Alguna poesía de Neruda, 
simplemente porque a él yo le extraño todos los días.
Y porque  hoy 
las distancia del mundo a mí me parecen infinitas.
Todo está lejano.




Tengo Miedo

Tengo miedo. La tarde es gris y la tristeza
del cielo se abre como una boca de muerto.
Tiene mi corazón un llanto de princesa
olvidada en el fondo de un palacio desierto.

Tengo miedo -Y me siento tan cansado y pequeño
que reflojo la tarde sin meditar en ella.
(En mi cabeza enferma no ha de caber un sueño
así como en el cielo no ha cabido una estrella.)

Sin embargo en mis ojos una pregunta existe
y hay un grito en mi boca que mi boca no grita.
¡No hay oído en la tierra que oiga mi queja triste
abandonada en medio de la tierra infinita!

Se muere el universo de una calma agonía
sin la fiesta del Sol o el crepúsculo verde.
Agoniza Saturno como una pena mía,
la Tierra es una fruta negra que el cielo muerde.

Y por la vastedad del vacío van ciegas
las nubes de la tarde, como barcas perdidas
que escondieran estrellas rotas en sus bodegas.

Y la muerte del mundo cae sobre mi vida.



Silencio

Yo que crecí dentro de un árbol
tendría mucho que decir,
pero aprendí tanto silencio
que tengo mucho que callar
y eso se conoce creciendo
sin otro goce que crecer,
sin más pasión que la substancia,
sin más acción que la inocencia,
y por dentro el tiempo dorado
hasta que la altura lo llama
para convertirlo en naranja.



El Miedo

Todos me piden que dé saltos,
que tonifique y que futbole,
que corra, que nade y que vuele.
Muy bien.

Todos me aconsejan reposo,
todos me destinan doctores,
mirándome de cierta manera.
Qué pasa?

Todos me aconsejan que viaje,
que entre y que salga, que no viaje,
que me muera y que no me muera.
No importa.

Todos ven las dificultades
de mis vísceras sorprendidas
por radioterribles retratos.
No estoy de acuerdo.

Todos pican mi poesía
con invencibles tenedores
buscando, sin duda, una mosca,
Tengo miedo.

Tengo miedo de todo el mundo,
del agua fría, de la muerte.
Soy como todos los mortales,
inaplazable.

Por eso en estos cortos días
no voy a tomarlos en cuenta,
voy a abrirme y voy a encerrarme
con mi más pérfido enemigo,
Pablo Neruda.



Barrio sin Luz

¿Se va la poesía de las cosas
o no la puede condensar mi vida?
Ayer -mirando el último crepúsculo-
yo era un manchón de musgo entre unas ruinas.

Las ciudades -hollines y venganzas-,
la cochinada gris de los suburbios,
la oficina que encorva las espaldas,
el jefe de ojos turbios.

Sangre de un arrebol sobre los cerros,
sangre sobre las calles y las plazas,
dolor de corazones rotos,
podre de hastíos y de lágrimas.

Un río abraza el arrabal
como una mano helada que tienta en las tinieblas:
sobre sus aguas se avergüenzan
de verse las estrellas.

Y las casas que esconden los deseos
detrás de las ventanas luminosas,
mientras afuera el viento
lleva un poco de barro a cada rosa.

Lejos... la bruma de las olvidanzas
-humos espesos, tajamares rotos-,
y el campo, ¡el campo verde!, en que jadean
los bueyes y los hombres sudorosos.

Y aquí estoy yo, brotado entre las ruinas,
mordiendo solo todas las tristezas,
como si el llanto fuera una semilla
y yo el único surco de la tierra.