quarta-feira, 30 de agosto de 2017

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quem me dera, como ser pensante,
poder ignorar o que não tem razão de ser
e que mesmo em condições adversas
prospera

assim

o verde do qual teus olhos são feitos não me encantariam
e os meus castanhos  e enlevados
a ouvir sem porquês tantos fados
não perderiam tanto tempo sem nada perceber
à espera

quem me dera, como ser individual,
saber-me apenas uma
inteira e presente onde estão meus pés. mas não
sinto-me uma pequena parte
do todo que a mim não me pertence
sou metade

desde que

as palavras das tuas mãos tagarelas atravessaram
o mar salgado em modernas caravelas
a aportarem em minhas terras numa invasão bela
minha guerra


quem me dera...

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Dueto

Dueto
Chico Buarque

Consta nos astros, nos signos, nos búzios
Eu li num anúncio, eu vi no espelho
Tá lá no evangelho, garantem os orixás
Serás o meu amor, serás a minha paz

Consta nos autos, nas bulas, nos dogmas
Eu fiz uma tese, eu li num tratado
Está computado nos dados oficiais
Serás o meu amor, serás a minha paz

Mas se a ciência provar o contrário
E se o calendário nos contrariar
Mas se o destino insistir em nos separar

Danem-se os astros, os autos, os signos, os dogmas
Os búzios, as bulas, anúncios, tratados, ciganas, projetos
Profetas, sinopses, espelhos, conselhos
Se dane o evangelho e todos os orixás
Serás o meu amor, serás, amor, a minha paz

Consta na pauta, no Karma, na carne
Passou na novela, está no seguro, picharam no muro
Mandei fazer um cartaz
Serás o meu amor, serás a minha paz

Mas se a ciência provar o contrário
E se o calendário nos contrariar
Mas se o destino insistir em nos separar

Danem-se os astros, os autos, os signos, os dogmas
Os búzios, as bulas, anúncios, tratados, ciganas, projetos
Profetas, sinopses, espelhos, conselhos
Se dane o evangelho e todos os orixás
Serás o meu amor, serás, amor, a minha paz

Consta nos mapas, nos lábios, nos lápis
Consta nos OVNIs, no Pravda, na Vodca

sábado, 26 de agosto de 2017

Hasta luego mês de Agosto!



Hasta luego mês de Agosto!

A compor a minha mítica pouco lógica, o mês de agosto figura como o mês no qual tudo de errado pode acontecer desde que me conheço por gente. Agosto mês de desgosto, mês de cachorro louco, são verdades que me acompanham desde menina sem eu saber muito bem seus porquês. Creio que porque assim minha mãe me ensinou, porque assim se diz popularmente no Brasil. Porque sim e fim, oras. Afinal todo ser humano tem direito às suas bobagens sem explicação, às suas idiossincrasias e todo o etc. e tal, não? Pois.   

Bom, o fato é que a morte de minha mãe exatamente neste mês fez da crença infantil um fato. De fato, agora para mim, agosto é um mês triste. Muito triste porque ela me faz muita falta, e as danadas das saudades com o tempo crescem. Dois anos depois e elas já têm o tamanho do Pico da Neblina, ou seja, mais de 2.990 metros de altura e não há nada que eu possa fazer a não ser acostumar-me com as nossas conversas em forma de monólogo: Eu continuo a conversar com a Mima, mas as respostas dela não chegam mais aqui. C’est la vie.

Neste Agosto, para piorar a reputação do mês, morreu Jerry Lewis; além de muita gente como sempre, verdade. Porém, Lewis foi o rei das minhas tardes de TV; um dos pilares da minha infância de cabeça fresca e cheia de fantasia. Os tais pilares eram constituídos de música, televisão, brincadeiras, amigos, o futebol, a família, o Ballet e os livros. Caetano, Ney Matogrosso, Drummond, Elis Regina, Elvis Presley, John Lennon, Mafalda, Charles Chaplin, Os trapalhões, Jerry Lewis, o Pica-Pau, Kiss, Os Beatles, Clara Nunes, a Portela, Vai-Vai, o Corinthians, os domingos na casa dos meus avós, as estórias da Mônica, Machado de Assis, as férias na praia, Vinícius de Moraes, os amigos da rua, Chico, Jobim, Nureyev, Monteiro Lobato... Minha mãe levando ao meu irmão e a mim ao cinema no meio da tarde. Essa era a minha vida.

(Parêntesis Histórico: Hoje me parece no mínimo curioso que no meio de uma ditadura militar tão dura minha infância tenha sido tão doce e alegre. Amém!).

Sendo assim, sempre fico feliz quando o tal famigerado mês de agosto fica para trás. Além disso, depois do tal vem o mês de setembro; lindo e único para mim. Mês da Primavera e de eu ir para a minha terra a ver meus amigos, minha família e rir. Setembro, o mês que eu nasci há milhares de anos. (Risos) Ou quase isso. Sempre conto os dias para a chegada de setembro e neste ano não será diferente. Passagens compradas e contagem regressiva para duas idas cheias de propósitos, desejos, expectativas e intenções boas-de-mais-da-conta para o nono mês do ano. Tchau Agosto! Pede passagem o mês de Setembro que vem com suas festas, encontros e muitos beijos!


segunda-feira, 21 de agosto de 2017

1



1

Cansei-me das políticas e de todas as guerras
sejam quais forem elas.
As guerras de nada me servem; não me serviram pela vida inteira
por mais que eu tivera a cega crença dos enamorados nelas.
Guerras vencidas ou perdidas,
grandes batalhas poéticas ou as pequenas picuinhas que habitam
as calçadas, portas e janelas
das ruas de  toda vila,
pouca diferença me faziam e fizeram as dimensões de todas elas.
Minhas guerras foram peleadas de corpo inteiro,
com o coração exposto e as defesas de joelhos.
Assim tudo era para mim;
assim eu era.
Não mais; minhas armas de bom grado, vencida pelo cansaço,
depus.
Das políticas, que sempre soube pouco, hoje nada sei. Desprovida de disfarces
e suas artes,
quase ingênua na  sua incapacidade de não mostrar o que passa por ela.
Sempre se entregou de mãos atadas a minha mente tagarela,
a derramar sem freios suas ideias,
seus segredos escancarados, pornográficos.
Sou rei deposto que desistiu de suas políticas,
soldado desarmado
e abatido
que se esqueceu dos porquês vale a pena lutar.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Guerra



Yo te miro y mi rabia te toca
Cuando grito sin usar la boca
Y mi furia se come a la gente
Porque muerde aunque no tenga dientes

El dolor no me causa problemas
Hoy los dolores recitan poemas
El mundo me lo como sin plato
El miedo a mí me limpia los zapatos

El fuego lo derretí
Hoy las pesadillas no duermen porque piensan en mí
Hoy puedo ver lo que el otro no vio
Y los pongo a rezar aunque no crean en dios

Hoy las lagrimas lloran antes morir
Y a los libros de historia los pongo a escribir
Que le tiemblen las piernas al planeta tierra
Hoy yo vine a ganar y estoy hecho de guerra

(Hecho de guerra)
(Y estoy hecho de guerra)
(Y estoy hecho de guerra)
(Y estoy hecho de guerra)
(Los pongo a rezar)


[Verso 2]
Soy el boquete que dejó la bomba que cayó
Lo que fecundó la madre que me parió
Desde que nací soy parte de este menú
Porque yo llegué al ovulo antes que tú

Soy la selva que corre descalza
En el medio del mar sobrevivo sin balsa
Soy el caudal que mueve la corriente
Los batallones que chocan de frente

Mis rivales que vengan de a dos
Hoy, ni siquiera los truenos me alzan la voz
Soy tu derrota, tus dos piernas rotas
El clavo en el pie que traspasó la bota

Soy la estrategia de cualquier combate
Hoy se gana o se pierde, no existe el empate
Soy las penas de tus alegrías
La guerra de noche y la guerra de día

(Guerra de noche y la guerra de día)
(Guerra de noche y la guerra de día)
(Guerra de noche y la guerra de día)
(Guerra de noche y la guerra de día)
(Los pongo a rezar)


[Verso 3]
La guerra la mato sin darle un balazo
A la guerra le dan miedo los abrazos
La guerra con camuflaje se viste
Así nadie ve cuando se pone triste

La guerra pierde todas sus luchas
Cuando los enemigos se escuchan
La guerra es más débil que fuerte
No aguanta la vida por eso se esconde en la muerte

[Outro]
(Y los pongo a rezar)

(Y los pongo a rezar)

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

30 anos...



30 


São 30 anos sem o meu segundo Carlos.
O primeiro foi Carlitos, o homem que em silêncio
tanto me contou com a poesia que ele escrevia; poemas sem palavras.
O segundo, meu primeiro poeta de veras, foi homem mineiro;
quieto,
        calado.
Poeta que eu colecionei em recortes de jornal,
a construir as capas dos cadernos do colégio junto a bailarinas,
às borboletas e a pedaços de notícias.
Minha realidade misturava-se com poesia num tempo
em que eu ainda me preocupava mais do que tudo com as baleias,
com nossos ensaios,
e esperava que, um dia, Nelson Mandela caminhasse uma vez mais pelas ruas
da terra que era sua.
Admiração de menina por um homem doce e tranquilo
que como o primeiro Carlos,
silenciosamente, com suas palavras escritas
muito me dizia.
Dizia-me tudo do princípio do
Meu mundo e seus Carlos múltiplos.


30 anos sem Carlos Drummond de Andrade








sábado, 12 de agosto de 2017

PAI

Meu pai (Papito!)


Pai

A importância dos pais é subestimada pelos filhos às vezes; muitas vezes. Um pouco porque as mães trazem consigo, e com sua capacidade de gestar seus filhos, algo mágico. Nascemos grudados às nossas mães e os pobres pais tornam-se coadjuvantes em nossas estórias. Às vezes eles sobram na relação, não?

Um pouco porque alguns pais são mesmo um tanto distantes, outros parecem ausentes mesmo. Uns tantos são sumidos. Assim, na maioria das vezes, fica para as mães o papel do carinho e do aconchego em nossas vidas. São elas que nos criam, alimentam e consolam; as mães são nossos ninhos para sempre e desde sempre. Para os pais, em grande parte, ficam as responsabilidades mais chatas. Para eles sobram as tarefas menos gloriosas: dar as broncas graves quando aprontamos, cobrar o nosso desempenho na escola e na vida, ser a fonte das proibições. Ou seja, eles são os seres que têm por obrigação iniciar a maior parte das discussões em tons acima do regular.

Entretanto, as coisas não são bem assim. Não são simples assim.

Aos pais, mesmo nos dias modernosos de hoje, fica em grande parte a incumbência de prover, de proteger, de que nunca nada nos falte. Esperamos, como se fosse lei, que eles se ausentem de casa para que possamos viver bem. Quase como se exigíssemos dos pais um exílio do lar; o desterro deles para nós, os filhos, é um sinal de que tudo vai bem. Pois, quando paramos para pensar, percebemos que esta tarefa, pouco gloriosa à vista dos filhos, é grandiosamente altruísta. Os pais também dedicam toda a sua vida a seus filhos e família como as mães, porém, durante muito tempo não nos apercebemos disso.

Como todos os pais, o meu pai esteve ausente de casa trabalhando por muitas horas do dia. Vários foram os dias em que nem sequer o víamos. Por nós, minha mãe, meu irmão e eu, ele passou grande parte de sua vida dentro de uma fábrica em meio a carros, máquinas e ferramentas a trabalhar até 12 horas por dia. E nada, nunca, nos faltou. Sempre estivemos seguros e tranquilos.

Quando eu era menina e perdia o sono no meio da noite, eu chorava. Chorava para chamar atenção porque não queria estar sozinha. Meu pai e seu sono leve sempre apareciam ao lado da minha cama e por lá ficavam até que eu dormisse outra vez. Décadas se passaram e não me esqueço destes momentos. Se eu vivesse séculos, mesmo assim, eu não os esqueceria. Meu pai sempre esteve e está a meu lado; e meu mundo continua seguro e tranquilo.



Um beijo ao meu Papito, o melhor pai de todos para mim; meu companheiro. Ao meu irmão que é pai também, e dos bons! E aos meus amigos pais que são todos demais!



Feliz Dia dos Pais!!

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Mi Mafalda


Mafalda, mi personaje predilecto desde cuando yo todavía no sabía leer. Mi heroína!





quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Palavras do Papito





Mensagem semanal do meu pai para mim. Para o meu Universo feito de palavras.


Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução, alguns dizem que assim é que a natureza compôs as espécies.


Machado de Assis

domingo, 6 de agosto de 2017

O Jardim



O Jardim

Bate suas asas a borboleta amarela e silenciosa
a voar por entre as flores num dia azul e tranquilo.
O pequeno inseto voa por seu jardim diminuto e dele
faz seu mundo seguro.
Não há nada para ela para além de seus altos muros que foram construídos
com o tempo,
com a indiferença
e com  todo zelo.
Ela o sabe bem, seu pálido mundo adequa-se tão bem à rotina banal
que poderia ser chamado de: o lar perfeito.
Uma ode ao cotidiano sem sustos e sem medos...
Sempre as mesmas flores de cores pastéis,
o mesmo céu sem tempestades,
o mesmo sol morno de outono.
Sem sequer uma visão ou um sonido do sabiá que antes a encantará
a cantar;
o sabiá que ela quis seguir como se com suas asas ela o pudesse acompanhar.
Não podia.
Enamorada, a borboleta se esquecera de que não era ave e pelo sabiá
caiu de amores como se isso fosse cabível. Plausível.
Não o era.
Sábio em seu bosque de carvalhos e segredos,
sempre soube o sabiá, apesar de achar muita graça
das pequenas asas frágeis a segui-lo com tanto empenho,
com clareza da sua natureza tão distinta.
Não passava de um inseto
a pequena borboleta.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Poetas...



Todas as cartas de amor…

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Fernando Pessoa


Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Carlos Drummond de Andrade


Tratado geral das grandezas do ínfimo

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.
Manoel de Barros


O Último Poema

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
Manuel Bandeira


Soneto de Devoção

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.

Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.

Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.

Essa mulher é um mundo! — uma cadela
Talvez… — mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!

Vinícius de Moraes