sábado, 31 de agosto de 2013

O menino



Maurício corre em meio aos adultos e se diverte com seus cachinhos loiros a pular freneticamente enquanto as pernas e os bracinhos de boneco tentam acompanhar as passadas das pernas muito mais longas que as suas. Maurício corre e eu me divirto, apenas porque ele está lá, enquanto faço os meus exercícios toda noite na praia. Não conheço o Maurício, mas conheço a voz da mãe dele que, vez ou outra, grita o nome do menino enquanto ela se exercita no grupo vizinho ao meu. “Maurício, vem pra cá.”, grita a mãe enquanto o menino, sem cerimônias, invade todos os espaços da praia que, a seu ver, lhe pertence.

Simpático e espirituoso, ágil e bonito, o menino que merecia um poema de Vinícius tem mesmo passe livre entre todos nós. Ninguém, nenhum dos adultos que está ali a exercitar-se, vê com maus olhos a chegada do menino. Na verdade, muito ao revés disso, esperamos ansiosos por ele e por sua loira cabeleira a correr feito gente em miniatura pela praia. Pois, como nos contou o próprio Vinícius: “Filhos... Filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos como sabê-lo?” Os pequenos são a felicidade em carne e osso. E assim é o menino da praia que faz-nos lembrar de que a vida é divertida, pois disso ele sabe bem e, enquanto lutamos contra o tempo e tentamos retardar os reflexos deste e dos “maus hábitos” adquiridos pela vida fazendo exercícios, diverte-se o Maurício. Tudo é diversão.

Eu paro os tais exercícios apenas para vê-lo passar e fazer das suas: Invadir a quadra de vôlei e fazer com que as regras do jogo deixem de valer por alguns minutos até que os jogadores o tirem de cena apenas para que o menino possa voltar rindo-se do vai e vem das pernas gigantes ao seu redor. Roubar os obstáculos dos circuitos que por nós são respeitados como lei e norma inquebrantáveis, e que por ele não fazem nenhum sentido, e que estão lá apenas para que ele possa dispor deles como bem queira. Até que sua mãe grite mais uma vez: “Maurício!”.


E lá se vão seus pezinhos a correr pela areia fofa mais uma vez, brisa noturna a acompanhá-los e um sorriso de satisfação no rosto. Eu sorrio também e penso que seria muito bom trazer meus meninos a praia para brincar. Talvez até mesmo para brincar com ele, o menino que brinca de ir e vir, feito o mar, pela praia de Iracema. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

the BIRD



E assim o Jazz (& Blues) se apresentou para mim quando eu era uma menina: Bird. 
Mr. Charlie Parker, I've been missing you...


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Simplesmente é assim...


Os planos para hoje eram sentar-me e escrever sobre a minha dificuldade em acomodar-me com a vida que tenho; com o que hoje sei e vivo. E o fato se deve porque um amigo escreveu sobre o quão boa pode ser a vida, e ela o é muitas vezes, quando percebemos que vivê-la com simplicidade e tranquilidade a enriquece muita mais do que possa parecer. E eu, apesar de concordar plenamente com o fato, e de certa maneira buscar uma vida mais simples e tranquila, devo admitir que não é do meu feitio sentir-me completamente feliz; simplesmente não sei fazer isso.

Por isso mesmo, estou sempre a buscar algo a mais, como se sempre faltasse algo em mim ou para mim, como se minha alma quisesse, frenética, abarcar o Mundo. Então, há sempre novos lugares, novas pessoas, paixões impossíveis e poéticas, novos conhecimentos, mais filmes para assistir, mais livros para ler, o escrever sempre que possível, o trabalhar com dedicação, o correr na praia (o mais novo suplício ou prazer, ainda não sei bem) e mais, e mais... Um mais que não tem fim.

Pois, os planos eram estes. Contudo, e sabendo que há sempre um “mas” na vida, uma má notícia abalou a tal determinação. Na noite passada, por conta de um acidente de carro na estrada, perdemos um menino que trabalhou conosco, com quem convivemos, um amigo. Rochelle Felipe, 28 anos, está morto e não há o quê possamos fazer. E neste ponto, o simples soa-me mais como um tapa na cara, como um açoite ou coisa que o valha. Tudo, em segundos, torna-se nada; e nada nesta vida pode ser mais simples e, ao mesmo tempo, mais imperativo que isso: a vida, simplesmente muda sem pedir licença nem nada, e fazer aquilo que nos deixa feliz é a única coisa que deve importar. Sempre!

E eu, apesar de toda vontade de conhecer aquilo que ainda não sei, penso apenas na felicidade que é ouvir o Pedro a gritar – Madrinha! – e correr de sorriso e braços abertos pra mim. Na satisfação que sinto ao ouvir as gargalhadas múltiplas e exageradas do Lucas ao meu lado no cinema. No amor incomensurável que sinto quando estou na casa dos meus pais e, feito criança, volto a deitar-me sobre o colo deles. No amor que vejo feito em gente quando o Nico está lá em casa conosco, o filho do meu irmão, e eu tenho toda a família reunida. No carinho e prazer que sinto quando estou com meus amigos a rir e jogar conversa fora como se não fosse existir mais nenhuma segunda-feira neste mundo. Na alegria que é entender, que mesmo lá do seu jeito, meu irmão está a construir sua vida e está feliz.

Pois, no final das contas, nós precisamos de pouco para sermos felizes. Pena que isso seja, na maioria das vezes, tão difícil de entender apesar de todo o nosso saber.


Um beijo aos amores desta vida: minha família, meus meninos e meus amigos.

E paz para o Felipe e sua família.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Emicida - Crisântemo



para ouvir com os olhos e ver com o coração, um dos poetas modernistas de Sampa. 
EMICIDA


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

La vida


Tal vez la vida sea imaginada por un Dios latino,
colosal e ingenioso.
Un poeta que cría algo bello,
lleno de colores,
sabroso,
con olores dulces,
dueño de sonidos afectuosos
y miradas hechas de infinitos;
sin embargo, doloroso.
Tan doloroso que déjanos llenos de hondas cicatrices hechas mientras caminamos
y miramos las flores. Mientras yo camino.
Tal vez, la vida sea como nos la cuenta Gabo a nosotros,
algo siempre muy largo,
larguísimo,
y que solamente, en su final, tendrá algún sentido.


terça-feira, 20 de agosto de 2013

Ela usa os meus sapatos



“Tia, posso usar os seus “sneakers” pra ir pra aula de inglês?” Assim, pelo celular, de maneira banal e despretensiosa, dei-me conta do avançado das coisas por estes dias. Pois, a verdade é que não precisamos de muito para perceber que alguém cresceu e que a adolescia já está a chegar, ou chegou, sem avisos prévios ou preparativos para tal. Gigi já tem onze anos. já?! E, sem perceber quando e como o fato deu-se, o fato é que os "pezitos", antes tão menores que os meus, já têm, agora, praticamente o mesmo tamanho dos que me sustentam há tanto tempo. Lembro-me, então, que eu aos onze anos já tinha o tamanho que tenho hoje e, se ainda os tivesse, poderia usar meus tênis daquela época como se o tempo não tivesse passado.

E assim estamos, a esta altura da vida, a ver a chegada das namoradas daquele que tempos atrás se interessava apenas por dinossauros de plástico e afins, e a não perceber muito bem quem anda a habitar o corpo do menino que antes era apenas doce e nosso, exclusiva e egoisticamente nosso, e que hoje se irrita com tudo e importa-se apenas consigo mesmo  e com o estar com seus amigos. E sentimo-nos um bocado órfãos em alguns momentos, e este é um sentimento que, apesar de trágico por um lado, faz-me achar graça da situação toda e ajuda-me a ver a graça e a beleza que há nesta vida.

Com meus adolescentes de plantão: Fábio, Lucas e Giovana, eu já posso compreender melhor as pessoas, “gente feita”, que o futuro me trará. E, neste momento e, ao mesmo tempo, num exercício de acrobata de circo, me contorço e compreendo melhor aquelas pessoas que construíram o passado que fez de mim quem hoje sou. Vejo meus pais, agora, de maneira mais clara e fiel do que antes. Ao ver meus meninos deixando de ser o que sempre foram pra mim, meus meninos, os percebo como aquilo que sempre serão: indivíduos únicos e completos em si mesmos, seres independentes de tudo e de todos para viver. E isso, para minha mais completa alegria e angústia, quer dizer que eles não dependerão mais de mim. Ficará então, como razão de nossos laços, tirando os nove fora e a tal da minha dependência, apenas todo o amor e a admiração pelas pessoas que eles serão.

Desta maneira, percebo melhor o homem e a mulher que são os meus pais e, para além do amor incondicional de filha, admiro-os cada vez mais. Admiro-os e espero poder fazer por meus sobrinhos e afilhado aquilo que eles fizeram por mim: amá-los e admirá-los, não apesar de qualquer coisa, mas por tudo o que eles são.



Grande Sakamoto!

Não fique apenas com dó. 
Dê carinho a um torcedor homofóbico

Emerson Sheik, corintiano!


Leonardo Sakamoto 19/08/2013


Vi a foto em que o jogador Emerson Sheik, do Corinthians, dá um selinho em um amigo a fim de abrir a discussão sobre o preconceito – o que lhe garantiu, é claro, uma saraivada de homofobia.

De acordo com o UOL Esporte, faixas estendidas por torcedores no estacionamento do clube agrediram o jogador com o que há de melhor do machismo brasileiro. E um diretor de um organizada soltou pérolas, daquelas de guardar para usar em tese de doutorado: ”A nação inteira está freneticamente indignada. Pode até ser a opção dele, mas nós estamos sempre tirando sarro dos bambis [modo pejorativo com o qual é chamada a torcida do São Paulo]. O mínimo que ele tem de fazer é um pedido de desculpas”.

Geeeeeeeeeeeente… Estou com tanta, mas tanta vergonha alheia por conta dessa parte mentecapta da torcida corinthiana que nem cheguei a ter raiva. Apenas dó. Vontade de pegar no colo e abraçar todos esses pequenos bisonhos com a mesma complacência com a qual se trata uma criança que não entendeu ainda que não pode machucar  amiguinhos e amiguinhas só porque eles agem diferentes de nós. Educando, com amor e carinho, quem sabe, um dia vão entender.

Em entrevista ao programa Dono da Bola, da Rede Bandeirantes, nesta segunda (19), ele deu uma aula de respeito à dignidade: “Acho que o mundo do futebol é muito machista. Quero deixar claro que em nenhum momento desrespeitei alguém. Lá era o Emerson pessoa. O Isaac é um cara que eu tenho imenso carinho, que agrega muito na minha vida. E o Isaac é um queridão. A esposa dele está grávida, está vindo um menininho. E daí a galera levou para um lado negativo. Acho que é um preconceito babaca”.

“A gente não quer ser homofóbico, mas tem de ter respeito com a camisa do Corinthians. Aqui não vai ficar beijando homem. Hoje são 5, amanhã são 50 e depois 500. Vamos fazer a vida dele um inferno”, disse ainda o tal diretor da torcida organizada.

Você, que diz que não é homofóbico mas age como tal. Que acha um absurdo homossexuais serem surrados, mas “entende” quando gays “extrapolam” em suas liberdades, tiram outras pessoas do sério e “exageros” acabam acontecendo. Que defende a igualdade perante a lei, mesmo que vivamos em uma sociedade com pessoas que, historicamente, tiveram mais direitos que outras e, portanto, estão em uma situação privilegiada. Que acredita, acima de tudo, na proteção à família cristã, com pai e mãe, como solução para todos os males do mundo. Você pode ser dodói e, talvez, nem perceba. Pois o diabo, ele sim, não está apenas nos grandes atos discriminatórios ou em genocídios, mas também nos detalhes que causam dor no cotidiano.

Você fica no fundo da sala de aula tirando barato da colega só porque descobriu que ela é lésbica? Senta no sofá da sala e concorda com seu pai que alguma coisa precisa ser feita pois o mundo está indo para o buraco e a prova disso é um casal de “bichas” ter se beijado na saída do cinema? Na hora de contratar alguém no escritório, prefere o hétero inexperiente do que a travesti mais do que adequada para a função? Fica possesso por um hétero se juntar a um grupo de gays e reclamar das piadinhas estúpidas e sem sentido que você faz? Vê seu filho brincando de boneca com a amiguinha e, imediatamente, manda ele voltar para casa e nunca mais permite que a veja de novo, pois não quer má influências na formação dele? Acha uma aberração às leis de Deus duas mulheres ou dois homens se dedicarem à criação de uma criança, mas gasta todo o seu tempo livre com amigos, terceirizando seus filhos para uma babá? Considera que falar sobre preconceito, igualdade, tolerância e homofobia para as crianças na escola fazem com que elas “aprendam” a ser gays e lésbicas? Fica lisonjeado quando recebe uma cantada de mulher, mas transtornado quando o gracejo vem de um homem? Acha que beijar uma pessoa do mesmo sexo, demonstrando afeto, faz de você gay?

Os torcedores revoltados morrem de medo do beijo de Sheik. E sabe o porquê? Por medo. Viam no jogador uma referência. E quando essa referência quebra a concepção de macho que eles têm, gera um tilt na cabeça deles. “Como assim? Eu, que sou igual a ele ou desejava ser igual a ele, não beijo outro macho. Se não, sou bicha. Se ele beija outro macho, é bicha. E se sou igual a ele… Não posso ser bicha! Então, ele tem que parar de beijar outro macho já. Ou pagar pelo que fez”.

Já atravessamos uma revolução sexual. Podemos fazer sexo de forma mais livre e com menos culpa que antes. Mas expressar nossos sentimentos é algo longe de acontecer livremente. Chegou a hora de passarmos por uma transformação afetiva. Em outras palavras, o homem hétero precisa fazer sua revolução masculina. Precisa começar a entender que tem direito ao afeto, às emoções, a sentir. Passar a ser homem e não macho.

Ele é programado, desde pequeno, para que seja agressivo. Raramente a ele é dado o direito que considere normal oferecer carinho e afeto para outro amigo em público. Manifestar seus sentimentos é coisa de mina. Ou, pior, é coisa de bicha. De quem está fora do seu papel. E vamos causando outros danos no caminho: há mulheres que, para serem aceitas nesse mundo de homens, buscam nos copiar no que temos de pior.

Gostaria que tivesse chegado o momento de sairmos de nossa zona de conforto e começarmos a educar nossos filhos para viverem sem medo. E não para serem inimigos de quem não tem pênis. Só isso resolve? Não mesmo, o problema é profundo. Mas já ajuda.

Enquanto isso, há outros processos que precisam ser acompanhados. Em 2007, ao arquivar uma denúncia do jogador são-paulino Richarlyson contra o diretor do Palmeiras, José Cirillo Jr., o juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho sugeriu que se o jogador fosse homossexual, “melhor seria que abandonasse os gramados”. Disse também que “quem se recorda da Copa do Mundo de 1970, quem viu o escrete de ouro jogando (…) jamais conceberia um ídolo ser homossexual”. Também proferiu que: “Não que um homossexual não possa jogar bola. Pois que jogue, querendo. Mas forme seu time e inicie uma Federação”. Por fim, arrematou o seu pacote de besteiras dessa forma: “Cada um na sua área, cada macaco no seu galho, cada galo em seu terreiro, cada rei em seu baralho. É assim que penso”. Um gênio.

Uma pessoa com um cargo público com poder de decisão (que deveria garantir que os direitos fossem válidos a todos os cidadãos e proteger as minorias ameaçadas) não poderia nunca construir uma imbecilidade dessas. Age, dessa forma, não para fazer valer o Estado de Direito, mas sim para incentivar a intolerância, empurrando a sociedade para o precipício, baseado em uma formação individual extremamente deficiente.

O pior não é encontrar peças jurídicas com um grau de estupidez, machismo e ignorância como essas. Se elas fossem apenas distorções, vá lá, uma instância superiora célere, competente e honesta seria capaz de desconsiderá-las como argumento ou revertê-las como decisão. O problema é saber que, infelizmente, essas análises refletem um naco da sociedade brasileira formado por ricos e pobres, letrados ou não, torcedores do Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Santos, Flamengo, Fluminense, Botafogo, Vasco…

Não é uma questão educacional pura e simples. É consciência. E isso não se aprende na escola, nem é reserva moral passada de pai para filho nas famílias ricas. Mas sim na vivência comum na sociedade, na tentativa do conhecimento do outro, na busca por, mais do que tolerar, entender as diferenças. O futebol é fruto do tecido social em que está inserido. Muitos assumem em suas declarações como profissionais, o preconceito das piadas maldosas contra gays, lésbicas, transsexuais ou transgêneros ou dos pequenos machismos em que nós (e não me excluo disso) nos afundamos no dia-a-dia. O que difere é o tamanho, não a dor que proporciona.

Coloquemos a culpa no processo de formação do Brasil, na herança do patriarcalismo português, nas imposições religiosas, no Jardim do Éden e por aí vai. É mais fácil atestar que somos frutos de algo, determinados pelo passado, do que tentar romper com uma inércia que mantém cidadãos de primeira classe (homens, ricos, brancos, heterossexuais) e segunda classe (mulheres, pobres, negras e índias, homossexuais etc.) Tem sido uma luta inglória, mas necessária. Que inclui uma profunda reflexão sobre nossos próprios comportamentos e o reconhecimento público daqueles que, com seus atos e palavras, nos fazem avançar como sociedade. Como Sheik.

De tempos em tempos, homossexuais são espancados e assassinados nas ruas só porque ousaram ser diferentes da maioria. Atos que têm o mesmo DNA de faixas homofóbicas exibidas na porta de um clube de futebol. Não é a mão de lideranças de torcidas organizadas que seguram a faca, o revólver ou a lâmpada fluorescente que agridem gays nas ruas de São Paulo, da mesma forma que não são as mãos de lideranças religiosas que pregam contra essa “pouca vergonha”. Mas é a sobreposicão de seus argumentos ao longo do tempo que distorce o mundo e torna o ato de esfaquear, atirar e atacar banais. Ou, melhor dizendo, “necessários”, quase uma ordem. São pessoas assim que alimentam lentamente a intolerância, que depois será consumida pelos malucos que fazem o serviço sujo.


Enfim, este palmeirense ficou fã de Emerson Sheik. Pois é prova viva de que há futuro, não apenas para o futebol, mas para a dignidade nesse país.

Leonardo Sakamoto, o autor.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Melancolia


Tem nome a melancolia
meu personagem favorito nesta vida
que anda por seus caminhos independente, feito homem,
sem respeito nem consideração pelo meu querer,
pelo meu saber.
Ganhou cor e cheiro para que mais real e presente se fizesse
noite e dia. E ri-se de mim com sua gargalhada cheia
e ruidosa. Pecaminosa.
E ri-se porque se sabe dona e senhora de mim,
e ri-se alto enquanto rasga-me as entranhas e descem-me pela face
silenciosas e gordas lágrimas flácidas;
inúteis e perdidas.
Estripa-me.
Tem nome a minha melancolia, personagem
desenhado à quatro mãos em preto e branco,
imaginado
e realizado por mim e pelo meu Chaplin,
Carlitos,
meu Litos.
Tem nome, a minha melancolia,
de homem.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Ferreira Gullar



TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.


Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão

que a vida só consome

o que a alimenta.


a Sereia



Muitos minutos haviam passado sem que ela notasse o tempo, absorta em pensamentos e letras, presa a sentimentos e fotos. O tempo, para Ana, tornara-se algo relativo há algum tempo. Em seus dias corridos, repletos de trabalho, de amigos e de conversas, aparecia o silêncio branco e concreto. Não havia como escapar daqueles momentos insistentes a lembrá-la de que a felicidade não passava de breve ilusão.  Os momentos de vazio eram mais reais do que os outros, pois, neles, apenas neles, Ana conseguia sentir-se completamente.

Agora, deitada na rede da varanda como se o mundo tivesse, pacificamente, parado de girar, Ana olhava o mar indeciso. O mar que não se sabia azul ou verde. E como ele, a mulher sentia-se frouxa, vaga. João havia partido e, com ele, foi-se o tempo em que tudo fazia sentido. A morte chega para tudo, para todos; e até mesmo as palavras haviam morrido. Não havia mais palavras girando em sua cabeça ou povoando seu coração. Não havia mais palavras. Havia o vazio de uma vida que significara pouco, ou nada. Havia a certeza de que falhara, de que perdera aquilo que de mais precioso havia. Ana perdera a sua crença na beleza e na fantasia.

João se foi para nunca mais voltar. Partiu a cantar como sempre o fizera durante os anos que estiveram juntos, juntos mesmo quando entre eles havia muitos quilômetros de águas e o medo de algo que não se pode explicar. João cantava, cantou durante anos para que ela o ouvisse; e aquela música, feita de verdades que não podiam ser ditas, enchia a alma desta mulher que não aprendera a deixar de ser menina. Ana o ouvia, ouvia suas linhas e entrelinhas que viajavam pelos oceanos de águas e medos em caravelas de crença e poesia capazes de vencer o tempo, a distância e o desencanto. E, enquanto o ouvia, a vida lhe parecia bela; perfeita.

De repente, Ana sorri. “João foi minha sereia”, pensou ela. A ideia chega pronta e sem avisos à mente fazendo-a achar graça deste ser tão sem jeito que haveria de ser o representante de sua mitologia particular. João era sem jeito mesmo; longe do perfeito com seu humor terrivelmente seu, suas idiossincrasias cheias de raízes e seu egoísmo de homem. Contudo, e talvez por tudo isso, depois de tanto procurar, apenas nele Ana havia encontrado o que buscara por uma vida. Por toda a vida. Ele era seu Preto, sua poesia. E agora lhe restava, apenas, o mais branco silêncio para o resto de seus dias.

sábado, 10 de agosto de 2013

A língua

A língua
Quero de ti a bruta língua
ignorante e iletrada
e por tanto viva
quero a tua língua de carne
dentro de mim
muda, sem palavras
sem dizer nada
usada para aquilo que
deveria ser seu único fim
quero de ti a língua crua
nua
tua
a descobrir sítios escondidos

dentro de mim


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Vida (Mon Carrousel)


Mon Carrousel
Mayra Andrade

Sans un seul mot la tendresse s'en va
Et plus rien ne sonne comme avant
Coloriant mon âme de gris
Je m'éloigne vers d'autres rives
Où l'hymne à l'amour retentit

Mon carrousel
L'amour fait tourner ma vie
Et sans elle
Je suis face au temps qui passe
Sans amour

Le sac se vide de rêves
Tour à tour encore une fois

Un beau jour et l'étoile de ton regard
Inonde mon cœur de sa lumière
Je chante d'une voix nouvelle
Je me plonge dans le vide
Si libre

Et la vie me sourit

Mon carrousel
L'amour fait tourner ma vie
Et m'entraîne
Dans la folie de l'espoir
Chant d'amour

Fleuve d'émotion qui emporte
Mon coeur
Encore une fois

Tendresse, fleur de ma vie
Printemps d'ivresse
Souffle d'un son qui ouvre mes ailes
Dans le ciel de tes yeux
Instant de rêve

Mon carrousel
L'amour fait tourner ma vie
Et m'entraîne
Dans la folie de l'espoir
Chant d'amour

Fleuve d'émotion qui emporte
Mon coeur
Encore une fois

Tendresse, fleur de ma vie
Printemps d'ivresse
Souffle d'un son qui ouvre mes ailes
Dans le ciel de tes yeux
Instant de rêve

Mon carrousel

L'amour fait tourner ma vie



terça-feira, 6 de agosto de 2013

Can U see the Pride in the Panther


Mos Def]
This song is dedicated
to the mothers and the children of the revolution
From Tupac, to Afeni Shakur
and many many more
This is for you
One love, one life

[Mos Def * singing]
Can you see.. the pride of the panther
As she nurtures.. her young all alone
It's the seed.. that must grow regardless
of the fact that, it's been planted in stone
Can you see.. the pride of the panther
In the concrete jungle, alone with her cub
It's the seed.. that must come to harvest
It's the tree.. that must grow out of love

Can you see the pride in the panther
as he glows in splendor and grace?
Topling obstacles placed
in the way of the progression of his race?
Can you see the pride in the panther
as she nurtures her young, all alone?
The seed must grow regardless
of the fact that it's planted in stone
Can't you see the pride of the panthers
as they unify, as one?
The flower blooms with brilliance and
outshines all the rays of the sun
Keeps bright like the rays of the sun
Carries out like the rays of the sun
Keeps bright like the rays of the sun
Shines bright like a new day begun

[Mos Def]
Can you see the pride in the panther
as he glows in splendor and grace?
Topling the obstacles placed
in the way of the progression of his race
Can you see the pride in the panther
as she nurtures her young all alone?
The seed must grow, regardless
of the fact that it's been planted in stone
Can't you see the pride of the panthers
as they unify as one?
The flower blooms, with brilliance
and outshines all the rays of the sun
It outshines all the rays of the sun
Carries out like a new day begun (uh-huh)
It shines bright like the rays of the sun (hah)
And keeps high like a new day begun

[Mos Def * singing]
Shines bright like the rays of the SUN!
Keeps high like a new day begun
Carry out like the rays of the sun
Keep on like a new day begun, say
Shine bright like the rays of the SUN!
Keep high like a new day begun, say
Shine bright like the rays of the sun (c'mon)
Keep high like a new day begun, say
Shine bright like the rays of the SUN!
Keep high like a new day begun, yes
to shine bright like the rays of the sun (uh-huh)
Carry out like a new day begun, say (c'mon)
SHINE BRIGHT LIKE THE RAYS OF THE SUN (whoo!)
Keep high like a new day begun (ha ha)
Shine bright like the rays of the sun say (c'mon)
Keep it high like the new day begin say
SHINE BRIGHT LIKE THE RAYS OF THE SUN (whoo!)
Keep high like a new day begun (ha ha)
Shine bright like the rays of the sun (yeah)
Carry out like the rays of the sun (huh)
Carry out like a new day begun
A new day begun, a new day begun
A new day begun begun begun begun
begun begun begun.. hoo!
Power to the people! (Power to the people)
He said.. power to the people! (Power to the people)
He said.. power to the people! (Power to the people)
He said.. love is people power (LOVE)
Love is people power (LOVE)
Love is people power (LOVE)
Love is people power (when all else crumbles)
Love is people power (love must prevail)
Love is the people's power

Every revolutionary act is a act of love
And love is the engine of the revolution
I love y'all, like 'Pac loved y'all
like Afeni loved 'Pac, like we love Afeni

like we love love.. one love

domingo, 4 de agosto de 2013

A Flor e a Pedra



Há um par de dias li algo que me diz respeito mais do que eu desejaria – “Tornou-se pedra, a menina que um dia foi flor.” Não sei quem disse isso, nem o porquê do tal dizer. Contudo, é verdade que a vida parece transformar a todas nós, meninas, por um ou outro motivo, por alguns ou vários motivos durante os anos, de flor em pedra. Portanto, mais ou menos duras, no final das contas, não há como negar que não podemos ser as pequenas flores que um dia fomos. O tempo nos endurece, fortalece.

Simplesmente acontece assim porque, provavelmente, simplesmente não há outra maneira de ser. Então, como parte da educação que não nos é dada formalmente na escola ou em casa, aprendemos pela vida que ela não é tão bonita e poética quanto nós pensávamos ser. Aprendemos, também, que somos muito mais fortes do que acham que somos, do que nós mesmas pensávamos ser. Há uma força gigantesca nas mulheres, não a força física, claro, mas a força de sermos, mais do que independentes (e não creio que um dia o seremos realmente) alguém de quem se pode depender. E, talvez, nesta qualidade resida a nossa natureza de rocha. Talvez.

Entretanto, e apesar da força que demonstramos todos os dias, não há como deixar de ser flor porque esta é nossa essência. Característica natural das meninas, ou algo fabricado por nossos costumes que, por mais que pareça distante do que somos à medida que o tempo passa, nunca realmente é deixado para trás. Seremos sempre aquelas que se magoam com a falta de fantasia e beleza com a qual a vida caminha em alguns momentos; as que amam para além da medida certa e que, por isso mesmo, às vezes, deixam de amar. Ou fingem deixar.

Choramos quando o amor acaba porque não entendemos como ele pode deixar de existir. E choramos porque alguém morreu, porque a saudade aperta, porque o filme é belo e, nalguns dias do mês, choramos sem nem ao menos saber o porquê de estarmos chorando. Choramos em abundância, é verdade. Porém, e ao mesmo tempo, temos esta capacidade de assumir todas as responsabilidades que se impõem diante de nós, sejam elas nossas ou não, e, sem titubear por um instante, ir em frente. Somos os seres fracos mais fortes que conhecemos numa dicotomia que parece impossível compreender. 

Creio, então, que mais do que flor ou pedra unicamente, somos a flor e a pedra ao mesmo tempo. Afinal, uma natureza não exclui a outra e o plural parece mesmo a melhor maneira de nos descrever, como o fez tão bem Frida Kahlo, uma das mulheres com mais "plurales" que este mundo viu nascer.