sábado, 11 de março de 2023

Ciranda

 


Ciranda

Diz que sim, diz que não

Não estou à vontade

Diz que sim, diz que não

Talvez, quiçá, você sabe...

Diz que sim, diz que não

Não conhecemos a verdade

Diz que sim, digo que não

Fui ali, volto mais tarde

Diz que sim, diz que não

O Mundo gira, carrossel sem cavalos

Digo que sim, dizes que não

Lá se vai, a vontade

Fomos nós

quarta-feira, 8 de março de 2023

Mulheres

 




De Bénedicte Houart

 

são as mulheres que

fazem chorar as cebolas

como se descascassem a própria vida

e, arredondando-se então, descobrissem

um corpo, o seu

uma vida, a sua

e, no entanto, nada que de verdade

pudessem seu chamar

ou talvez sim, mas só

aquela gota de água salpicando

um canto do avental onde

desponta uma flor de pano colorida que

ainda ontem ali não ardia

 

De Hilda Hilst

Do Desejo (I),

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.

Antes, o cotidiano era um pensar alturas

Buscando Aquele Outro decantado

Surdo à minha humana ladradura.

Visgo e suor, pois nunca se faziam.

Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo

Tomas-me o corpo. E que descanso me dás

Depois das lidas. Sonhei penhascos

Quando havia o jardim aqui ao lado.

Pensei subidas onde não havia rastros.

Extasiada, fodo contigo

Ao invés de ganir diante do Nada.

 

De Conceição Evaristo

 Vozes-mulheres

 

A voz de minha bisavó

ecoou criança

nos porões do navio.

ecoou lamentos

de uma infância perdida.

 

A voz de minha avó

ecoou obediência

aos brancos-donos de tudo.

 

 

A voz de minha mãe

ecoou baixinho revolta

no fundo das cozinhas alheias

debaixo das trouxas

roupagens sujas dos brancos

pelo caminho empoeirado

rumo à favela.

 

A minha voz ainda

ecoa versos perplexos

com rimas de sangue

e

fome.

 

A voz de minha filha

recolhe todas as nossas vozes

recolhe em si

as vozes mudas caladas

engasgadas nas gargantas.

A voz de minha filha

recolhe em si

a fala e o ato.

O ontem – o hoje – o agora.

Na voz de minha filha

se fará ouvir a ressonância

o eco da vida-liberdade.

 

De Alice Ruiz

espero

desde um telefonema

até um poema

 

espero

nem que seja

um problema

esse tema

que eu não toco

não porque tema

e sim

porque não entra

em nenhum esquema

 

espero

dentro da noite

algo que faça

com que eu gema

 

espero

e tudo é espera

nessa noite amena

 

menos teu nome

menos meu telefone

menos este verso

ou será um poema?