sábado, 29 de setembro de 2012

Pedra que faz chorar





Nada, nem mesmo milhares de anos, poderia ter me preparado para aquilo que vi ao entrar na Sagrada Família em Barcelona. Não consigo atinar, por mais que eu me esforce, como tamanha beleza e genialidade puderam ser, um dia, pensadas por uma mente humana. O Temple Expiatori de La Sagrada Familia é algo inumano à medida que é pedra e vidro e, mesmo assim, tão poético e cheio de sentimentos que nos emociona profundamente.

Sinto-me impotente ao tentar descrevê-la porque não há palavras que possam fazê-lo como se deveria. Talvez gênios como Fernando Pessoa, Machado de Assis e outros escritores que também nos parecem seres saídos de outro planeta, pudessem descrevê-la como se deve. Talvez.  Entretanto, não há, para mim, vocabulário ou gramática o bastante para explicar a obra deste homem que me alumbrou como nenhum outro fez. Pois esta é uma boa palavra para descrever a obra do Senhor Gaudí: ele nos alumbra; iluminando corpo e alma com sua arquitetura viva e feita de luz.  

Há um contraste gigantesco entre todas as facetas que temos desta igreja como se ela não fosse apenas uma. De longe nos parece algo monumental e austero com seus tons de cinza, um castelo de areia um tanto disforme, como me descreveu Gabriela. À distância, a Sagrada Família nos assusta um pouco com um quê opressor que parece estar nela.

Contudo, basta aproximar-se de sua soleira para entender que o que há nela é tudo, menos opressão. Neste momento, depois de muito tempo viva, constatei que a pedra realmente fala. As estátuas que vi falam; falam e se expressam com uma verborragia que nos impressiona assim que levantamos os olhos em direção a elas. Homens e mulheres, o filho de Deus entre eles, nos contam suas dores, suas mágoas, pesares e sofrimento na fachada da Paixão de Cristo. Nela, Jesus é um homem, o vemos e sentimos como homem e entendemos todo o peso e o pesar da cruz que ele carrega. A igreja é algo vivo e que respira, feita de árvores, de frutos, de animais e de gente, e por isso, deixam de ser feita, simplesmente, de pedra.

Passamos pela sua pesada porta imaginando o que a de haver lá dentro: mais sofrimento, quiçá a penumbra, santos em contrição. Então, invade-nos a luz. Uma luz suave que nos faz pensar que estamos em outro lugar que não cá na Terra. E nos encantam os vitrais, as colunas desproporcionais, o teto que parece respirar sobre nossas cabeças. Há santos majestosos e vigilantes, mas poucos, e um Cristo tão humano flutuando sobre o altar que nos dá vontade de subir até ali e retirá-lo da cruz para acabar com sua dor. Vista por dentro, a Sagrada Família é a obra mais bonita e inspiradora que eu já vi. Ela é algo descomunal.

Apesar de tudo, do princípio ao fim, ser belo e expressivo, nada se compara à fachada da Natividade para mim. Não sei dizer o porquê disso, não sei explicar. Entretanto, ela me tocou mais profundamente que tudo ali. São apenas estátuas, imagens, figuras, mas elas surpreendem fazendo do simples, do comum, do banal a mais divina e sagrada das experiências. O nascimento de Jesus é delicado, belo e melancólico ao mesmo tempo.  E eu, pela primeira vez, chorei por ver algo feito de pedra e vidro, porque já não cabia mais em mim tamanha emoção.


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Janelas (outra paixão)





Porque por elas vemos o mundo e a alma de tudo que está para além de nós mesmos.

Nelson Rodrigues (uma paixão)


Hoje senti viva a saudade de ler Nelson Rodrigues, o reacionário mais moderno que conheço.
Cá está um pouco dele:



Só o inimigo não trai nunca.

A liberdade é mais importante do que o pão.

Sem paixão não dá nem pra chupar um picolé.

Todo amor é eterno. Se não é eterno, não era amor.

Qualquer amor há de sofrer uma perseguição assassina.
Somos impotentes do sentimento e não perdoamos o amor alheio.
Por isso, não deixe ninguém saber que você ama.

Não reparem que eu misture os tratamentos de "tu" e "você".
Não acredito em brasileiro sem erro de concordância.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A Vida de um jeito Diferente

La ventana de mi piso en Barcelona (obsessão minha por janelas)



Sempre que viajo gosto de fazer as coisas que são comuns àqueles que vivem onde estou. Então, ir ao mercado, à farmácia, andar pelo bairro, usar os transportes públicos e ver as pessoas em suas rotinas sempre me agrada muito.  Gosto disso porque são nestes momentos e lugares, muito mais e profundamente do que nos monumentos históricos, que vemos o quão diferente a vida pode ser. Apenas daí percebe-se claramente que este mundo não é o seu e que tudo o que nos é óbvio e corriqueiro deixa de ser.

Claro que de uma boa distância, algo como uma visão macro, todos somos iguais sempre. Hoje, passeando pelo bairro, vi as crianças saindo da escola e aqui, como na minha terra, vemos as meninas pequenas de mãos dadas a sair uniformizadas e falantes pelas calçadas com suas mães caminhando perto delas, ao passo que os meninos vão a correr e brincar enquanto suas mães lhes gritam que esperem. Tudo isso acontece no Brasil também, mas, aqui, assusta-me a facilidade com que as mães deixam as crianças bem pequenas a correr soltas pelas calçadas. E fica a impressão que elas são muito mais independentes e responsáveis do que os nossos meninos. Talvez?

Ir ao mercado é sempre um espetáculo à parte, um assombro e um momento para muitos descobrimentos. Ou não descobrimentos porque há coisas que, simplesmente, não encontramos jamais. Como, por exemplo, um pano de prato ou de chão feito de saco na Espanha e um coador de café no Chile. E me pergunto: Deus do céu, como se seca a louça ou faz-se café nestes lugares?

Dúvidas aparecem o tempo todo e tem-se que aprender como fazer coisas simples como colocar o lixo na rua, abrir a porta dos trens no metrô e entender um endereço. E, assim, vendo a vida dos outros de perto, me sinto cada vez mais brasileira. E me dá uma saudade danada do Pão de Açúcar que eu tanto conheço depois de dar várias voltas no supermercado para encontrar detergente ou arroz, e a expressão “peixe fora d’água” se aplica tão bem neste momento que até dói, afinal, onde está tudo aquilo que eu costumo ter à mão? Cadê a tal da globalização?

Porém, e apesar do sofrimento com o sono que não se encontra com a noite que chega muito antes com este “jet lag” de cinco horas e “otras cositas más”, ver um mundo pensado e criado por outros olhos é um exercício que todos deveríamos fazer. É genial poder caminhar pelas ruas a qualquer hora da noite ou do dia sem perigo algum, perceber o respeito e a noção clara de cidadania que todos têm e ver como, delicadamente, a história desta gente ainda está presente em todo canto por aqui.

Viver, mesmo que seja um pouco, noutro país abre os olhos e a alma da gente e nos faz entender melhor o quão incomum e, por isso mesmo, precioso é o viver de todas as gentes.



segunda-feira, 24 de setembro de 2012

De Lisboa a Barcelona




Quando escrevi sobre Lisboa disse que para mim ela era ainda uma cidade sem som, tão calma e quieta que se mostrou em minha chegada. Agora, pensando um pouco nisso, percebo que o quê me fez falta foram os típicos sons de uma cidade grande para nós brasileiros. Em Lisboa, pelo menos no fim de semana, não se percebe o som de carros a arrancar, buzinas e afins. O som que ela me trouxe foi o da música e o da poesia brasileira e portuguesa num festival que ocorre na cidade. Para os portugueses e para mim começou o ano do Brasil em Portugal. O Rossio foi um pedaço do Brasil, e eu nele.

Já Barcelona apresentou-se de uma forma completamente diferente, talvez porque saiba que será minha casa por três semanas. Aqui tudo foi som. Descubro a primeira vantagem, e talvez a melhor delas, que temos ao viajar sozinhos: conhecer gente. Pois, menos de vinte e quatro horas depois de minha chegada, já conheço quatro brasileiros, dois alemães, uma peruana, um venezuelano, uma holandesa e um mexicano. Com eles vem muita conversa, risadas, música e uma festa pela frente.

Pessoas que entram e saem de nossas vidas feito chuva no sertão: elas são passageiras, mas enquanto caem são uma graça verdadeira.  Tudo isso graças à Gabriela, paulista e corintiana, que em poucas horas me apresentou a toda essa gente. E pela primeira vez sinto aquilo que todos os outros falam do povo brasileiro: somos acolhedores e simpáticos por natureza.

A cidade está no meio do Festival de La Merce, uma das festas mais importantes da cidade que acontece nas ruas durante quase quatro dias; algo como um carnaval catalão com desfiles de bonecos gigantes, apresentações acrobáticas e pirotécnicas e música, claro. Alguém já viu festa sem música?

Ontem pela noite ocorreu o Correfog que consiste em homens e mulheres vestidos de diabo a correr pelas ruas com tridentes em chamas, seguidos por dragões e bandas com percursionistas.  A diversão está em colocar-se frente às chamas dos fogos de artifício com alguma proteção, e dançar abraçado aos diabos que passam pela rua. Eu, sem grandes intenções de abraçar o diabo mesmo em Barcelona, vi a festa da calçada e me lembrei das lutas de espadas de fogo, típicas do nordeste brasileiro, e dos festivais chineses com seus dragões. Quanto mais se anda, mais se percebe que este mundo é mesmo um só. Ficou a primeira impressão de Barcelona: eles são mesmo muito malucos.

Um beijo e saudades de todos


sábado, 22 de setembro de 2012

Um voo solo – Lisboa o início





Pela primeira vez atravesso o Oceano Atlântico rumo à Europa, passando de resvalo pela África.  Depois de quase 13 horas de voo, 02 aeroportos e alguns problemas, cá estou sentada no terraço do hotel onde ficarei apenas por um dia. Amanhã Barcelona e 03 semanas de estudos para um retorno para valer para Lisboa. Hoje, estou apenas de passagem e quero banho e cama mais do que tudo.

Pensei muito se faria um diário sobre a viagem, com fotos e etc. e tal. Achei que isso seria óbvio e chato, algo repetitivo. Afinal, as cidades visitadas já foram mais que fotografadas por muitas pessoas que o fazem muito melhor do que eu.  Resolvi então escrever algo mais pessoal e, por tanto, muito mais inútil por sua essência. Pois que a utilidade da escrita será nenhuma, a não ser a de perceber o quão distraída eu sou.

Bom, comecei esquecendo a máquina fotográfica em casa, ou seja, terei que comprar uma e, por tanto, as primeiras imagens ficarão apenas na memória, e no celular. Mas não posso enviá-las porque há mais de seis meses não sei onde raios foi parar o cabo USB dele.

Viajar sozinho deve ter suas vantagens, mas eu ainda não percebi nenhuma. A única coisa que percebo é que quase não falei com ninguém nas últimas 24 horas, e que a língua fica um pouco incomodada aqui na boca. Claro que conversei com os comissários de bordo, com as nada simpáticas moças da Alfândega de Madrid, com o simpático taxista que me trouxe ao hotel e etc. e tal, mas foi isso.

Pelas poucas pessoas com quem falei aqui em Lisboa percebem-se duas coisas a respeito de quem somos nós, os brasileiros. Primeiro e antes de tudo: somos simpáticos e comunicativos, dados mesmo. Segundo, e talvez não tão bom assim para eles: Estamos viajando para cá como nunca. Pois é, o brasileiro, além de simpático, anda espaçoso que só a ocupar o mundo todo.

Do pouco que vi nestas minhas quase 03 horas de Lisboa me marcaram as seguintes impressões:

O céu daqui é lindo. Lindo de um azul claro e expressivo devido à sua luminosidade que impressiona até a mim que estou acostumada com o céu da iluminada Fortaleza. O céu de Lisboa parece uma pintura feita há muito tempo atrás. Há um quê de eterno nele, de algo imóvel, constante e duradouro. Talvez o fato dos prédios serem muito mais baixos do que aqueles que temos no Brasil dê a este céu está imensidão que impressiona.

Lisboa é uma cidade calma neste sábado onde há poucos carros e pouca gente nas ruas, o que me faz lembrar José Saramago e seu Ensaio sobre a Cegueira de ruas desertas. Não há como imaginar esta tranquilidade em São Paulo nem que tirássemos metade das pessoas que lá estão.

Lisboa ondula pelos morros quando vista de cima. É uma cidade de relevos variados e divertidos, morros feitos de casas, prédios baixos e castelos em tons pastel. Há uma delicadeza nesta parte mais antiga da cidade que parece de brinquedo e me faz compreender de onde veio a arquitetura das cidades históricas de Minas Gerais.

Ainda não descobri o som de Lisboa, pois para mim nela ainda impera o silêncio. Vou andar um pouco para ouvi-la melhor.

Beijo a todos, e já me bate a saudade de minha terra, que isso de ser estrangeira não é fácil.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012


se medo matasse, mas não mata
e em casa ficou o bom senso a dormir
que o desejo acordado
me move
e a qualquer medo engole
com a sua paixão de ver o mundo
de ver a ti



terça-feira, 18 de setembro de 2012

O vestido



Há este vestido que, mais do que a todos,
eu gosto.
E nestes anos todos tentei conservá-lo,
cuidá-lo, para que quando este dia chegasse
você o visse em mim.
Para que eu pudesse vesti-lo numa tarde de outono
de sol carinhoso e folhas divertidas pela brisa.
Mas nem todo o zelo pôde parar o tempo,
e ele ruiu. Pequenos furos lhe rasgam a trama
fina de sentimentos que não aguenta mais água,
nem lágrima.
E tal como está, lacerado, o vestido listrado não pode mais
ser colocado no corpo. Não posso usá-lo.
Fica, então, o vestido guardado no armário:
quieto,
calado,
solitário.
Não posso dá-lo. E ruído, ele fica ali,
nem morto nem vivo,
apenas contínuo num sono sem sonhos, sombra do que foi um dia.
Deus havia de ter ditado uma regra, um mandamento qualquer,
que rezasse que o que é bonito nunca pudesse ter fim.
Mas não é assim. E assim, fica o vestido no silêncio do armário,
acabrunhado .
Inútil porque nunca poderei usá-lo e, ao mesmo tempo, inesquecível para mim.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Bob Marley



Is This Love
Bob Marley

I wanna love you and treat you right
I wanna love you every day and every night
We'll be together with a roof right over our heads
We'll share the shelter of my single bed
We'll share the same room, yeah, oh jah provide the bread
Is this love, is this love, is this love
Is this love that I'm feeling?
Is this love, is this love, is this love
Is this love that I'm feeling?
I wanna know, wanna know, wanna know now
I got to know, got to know, got to know now
I, I, I, I, I, I, I, I, I, I'm willing and able
so I throw my cards on your table
I wanna love you, I wanna love and treat, love and treat you right
I wanna love you every day and every night
We'll be together yeah, with a roof right over our heads
We'll share the shelter yeah, oh yeah, of my single bed
We'll share the same room yeah, oh jah provide the bread
Is this love, is this love, is this love
Is this love that I'm feeling?
Is this love, is this love, is this love
Is this love that I'm feeling?


Redemption Song
Bob Marley

Old pirates, yes, they rob I,
Sold I to the merchant ships,
Minutes after they took I
From the bottomless pit
But my hand was made strong
By the hand of the Almighty
We forward in this generation
Triumphantly

Won't you help to sing,
These songs of freedom?
'Cause all I ever have:
Redemption songs,
Redemption songs!

Emancipate yourselves from mental slavery
None but ourselves can free our minds
Have no fear for atomic energy,
'Cause none of them can stop the time
How long shall they kill our prophets,
While we stand aside and look
Huh, some say it's just a part of it:
We've got to fulfill the Book

Won't you help to sing,
These songs of freedom?
'Cause all I ever have:
Redemption songs,
Redemption songs,
Redemption songs!

Emancipate yourselves from mental slavery
None but ourselves can free our mind
Oh, have no fear for atomic energy,
'Cause none of them-a can-a stop-a-the time
How long shall they kill our prophets,
While we stand aside and look?
Yes, some say it's just a part of it:
We've got to fulfill the Book

Won't you help to sing,
These songs of freedom?
'Cause all I ever had:
Redemption songs,
All I ever had:
Redemption songs!
These songs of freedom,
Songs of freedom!

Porque hoje é dia de Bob Marley para mim, e de pensar no que vale a pena nesta vida. 


terça-feira, 11 de setembro de 2012

Menina



Menina, andas a lutar tanto por tua infância
e por toda a certeza que nela estava contida.
Serias bailarina, ser etéreo feito folha,
feito nuvem,
constituída de sonhos, música e de um tempo
que ainda não havia sido escrito.
Minha menina, sei que lutas para não perder-se
neste corpo que já viu tanta coisa e começa a contar
ao revés seus dias.
Nada simples é esta luta,
mas disso nós, as duas, já sabíamos.
Então, dá-me tua mão que a minha
pra ti está estendida.
Vamos rir alto juntas a flutuar, voar
feito asa de borboleta ou
de anjo que acorda preguiçoso ao meio dia:
leves,
coloridas
e vivas.


domingo, 9 de setembro de 2012

fantasma


Somos tantos e tão múltiplos,
nada únicos nesta falsa unidade
que aparenta ter todo o ser,
que pergunto-me se te reconhecerei
quando passar por ti.
Mesmo conhecendo tanto
tudo que de ti faz parte e me toca:
conheço teus olhos, o formato do nariz,
o tamanho da boca, a curva do queixo,
o desenho  pouco definido das
sobrancelhas.
Mesmo assim, não sei se te reconhecerei quando te vir.
Será o mesmo homem que me habita desde muito tempo
ou um estranho de quem mal sei o nome?
Duvido que me reconhecerás e que, mesmo em ato impensado,
virarás a cabeça quanto por ti eu passar.
Nem mesmo a esse simples gesto reflexo terei direito,
e passarei por ti feito fantasma
fazendo jus a falta de importância da pouca massa
que constitui o meu corpo.
Não existo em tudo o que realmente sou. Sou apenas palavras.
E, tal fantasma, não a de me ver passar.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Carlos Martins com Orquestra - Destino maior amar



com a voz, linda demais, de Mayra Andrade

Sete de Setembro




Hoje fui acordada pelo Sete de Setembro a entrar pela janela aberta do meu quarto às sete da manhã. E eu a sentir uma raiva absurda desta mania de soldado de acordar cedo; já não basta o castigo de ter que lutar em guerras, não? Estas pobres almas têm que acordar cedo todos os dias, sempre, também? E fica a dúvida: guerra só se faz pela manhã? Sendo muito sincera, nem mesmo se eu fosse a mais patriótica das mulheres essa teria sido uma experiência prazerosa. Pois, por mais que eu goste de música, isso de gente marchando ao som dos tambores está para meus ouvidos como os estridentes despertadores da minha infância a acordar cedíssimo para estar às 07:15 no colégio: Desagradáveis.

E passam homens vestidos com seus uniformes verdes, brancos e azuis, tão simétricos e parecidos com seu andar nada natural que chamamos de marcha; tão parecidos entre si que mais parecem brinquedos de corda todos idênticos daqui do apartamento. E passam estudantes que chegaram até a Avenida Beira Mar em ônibus vindos, todos eles, de escolas públicas. Porque no Brasil, como em todos os outros países deste mundo, o amor à Pátria é proporcionalmente maior quanto menor for o poder aquisitivo do cidadão quando a questão é ir dar a cara à tapa e arriscar a vida. Os meninos das escolas particulares estão, como eu, por aí: viajando, descansando, dormindo ou aproveitando o feriadão para fazer o que mais lhes dá prazer.

E já são quase 04 horas de desfile e eu começo a me sentir em Cuba, na China ou na antiga União Soviética, terras nada democráticas e artificialmente patrióticas com seus desfiles e discursos de horas e horas feitos sob medida para povos que não podiam dar-se ao luxo de pensar. Mas hoje, tudo é muito diferente. A União se desfez, Fidel não discursa mais para ninguém, a China de comunista só tem o nome e no Brasil o fato de uma mulher ser a presidente não causa nenhum estranhamento. Quem diria?

E passa banda marcial, carro de polícia e caminhão do exército, em dia de festa, em alto e bom som a concorrer com o Chico Buarque que toca no meu computador. Vencem as sirenes e tambores que parecem que ainda soarão por muito tempo. Agora começo a me arrepender por não ter descido de bandeira verde-amarela na mão para fazer número no desfile, afinal, me é impossível não fazer parte dele mesmo estando dentro da minha casa. Será? E uma pergunta me vem à mente: será que estas viaturas têm mesmo que desfilar com as sirenes ligadas? Não bastava passarem bem quietinhas e imponentes num patriotismo mais discreto? Tem que fazer este barulho todo para mostrar o quê, hein? Pelo amor de Deus!

Pode até parecer que não gosto do meu país por toda esta minha má vontade para com o dever cívico e patriótico. Eu sei. Mas não é bem assim não. Gosto muito de ser brasileira, de fazer parte deste povo mesclado e misturado de cultura rica, múltipla e interessantíssima. Um povo de fala doce e que nasceu para dançar e cantar muito mais do que para a guerra para a minha alegria. Contudo, queria ver neste dia tanto o país quanto seus cidadãos fazendo algo mais importante do que desfilar sob um sol e um calor terríveis numa manhã de feriado. 

Queria ver uma batalha por melhores escolas, por um país mais justo para todos, por uma justiça imparcial e efetiva sempre, pelo respeito às individualidades tanto quanto ao bem comum e social.  Por um punhado de coisas que fazem muita falta à Nação. Mas, e apesar de ter mudado muito nos últimos anos, nem o mundo nem o Brasil dos desfiles, futebol, carnaval e todos os seus eteceteras e tais, mudou tanto assim. Bora desfilar?

Beijo e bom feriado verde-amarelo a todos. 

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Manuel Bamdeira


Nu

Quando estás vestida,
Ninguém imagina
Os mundos que escondes
Sob as tuas roupas.

(Assim, quando é dia,
Não temos noção
Dos astros que luzem
No profundo céu.

Mas a noite é nua,
E, nua na noite,
Palpitam teus mundos
E os mundos da noite.

Brilham teus joelhos,
Brilha o teu umbigo,
Brilha toda a tua
Lira abdominal.

Teus exíguos
- Como na rijeza
Do tronco robusto
Dois frutos pequenos -

Brilham.) Ah, teus seios!
Teus duros mamilos!
Teu dorso! Teus flancos!
Ah, tuas espáduas!

Se nua, teus olhos
Ficam nus também:
Teu olhar, mais longe,
Mais lento, mais líquido.

Então, dentro deles,
Bóio, nado, salto
Baixo num mergulho
Perpendicular.

Baixo até o mais fundo
De teu ser, lá onde
Me sorri tu'alma
Nua, nua, nua...

(Manuel Bandeira)

Picture by Patrick Demarchelier

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O tempo




Relativo, o tempo passa como
acha que deve passar,
e voa feito luz
ou plana feito nuvem no serrado 
sem chuva ou vento; 
preguiçoso.
Às vezes, sente-se certa maldade nele,
que se arrasta em minutos que são horas
sempre que estamos
onde não queremos estar.
O arrastar do tempo tem nome:
Saudade, assim, se chama ele.