terça-feira, 29 de setembro de 2015

O Meu Presente




O Meu Presente

De presente queria um abraço de cinco minutos,
dez talvez.
Podia também ganhar um sonho de noite inteira,
daqueles que nos parecem ter acontecido de verdade
mesmo depois de abrir os olhos de
manhã.
Queria o som da voz mais conhecida a chamar meu nome
de todos os jeitos que ela sabia fazer:
nome de batismo,
nome completo para os momentos de bronca,
nome de filha,
apelido.
De presente, feito super-homem,
queria poder vencer o tempo e voltar para trás uns cem dias,
duzentos talvez,
para ter mais tempo para os beijos que foram guardados
para os anos que ainda havíamos de ter.
Queria de presente mais um abraço de dez minutos,
vinte talvez.
Desses que parecem não ter fim
para eu fazer de conta que ainda sou menina
e fingir,
fingir que posso entre os seus braços,
feito passarinho,
viver.


sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A Cara do Meu País - Nosso Cartão de Visita



Cartão de Visita
Criolo


Acende o incenso de mirra francesa
Algodão fio 600, toalha de mesa
Elegância no trato é o bolo da cereja
Guardanapos gold agradável surpresa
Pra se sentir bem com seus convidados
Carros importados garantindo o translado
Blindados, seguranças fardados
De terno Armani, Loubotin sapatos
Temos de galão Dom Pérignon
Veuve Clicquot pra lavar suas mãos

E pra seu cachorro de estimação
Garantimos um potinho com pouco de Chandon
Mc Lon ta portanto o vip
Tássia tem um blog de fina estirpe
Pra dar um clima cool te ofereço de brinde
Imãs de geladeira com Sartre e Nietzsche
Glitter, glamour, la maison criolê
O sistema exige perfil de tv
Desculpa se não me apresentei a você
Esse é meu cartão, trabalho no buffet

Acha que tá na mamão, tá bom, tá uma festa
Menino no farol cê humilha e detesta
Acha que tá bom, né não, nem te afeta
Parcela no cartão essa gente indigesta
(Nem tudo que brilha é relíquia, nem jóia)

Governo estimula e o consumo acontece
Mamãe de todo mal e a ignorância só cresce
Fgv me ajude nessa prece
O salário mínimo com base no dieese
Em frente a shoppin' marcar rolêzin'
Debater sobre cota, copas e afins
O opressor é omisso e o sistema é cupim

E se eu não existo, por que cobras de mim?
O mamão papaia é cassis
Rum com sorvete de bis
Patrício gosta e quem não quer ser feliz?
Pra garantir o padê dão até o edi
Era tudo mentira, sonhei pra valer
Com você, eu ali, nós dois, cê vê tê
A alma flutua à leite, a criança quer beber
Lázaro, alguém nos ajude a entender

Acha que tá mamão, tá bom, tá uma festa
Menino no farol cê humilha e detesta
Acha que tá bom, né não, nem te afeta
Parcela no cartão essa gente indigesta

Acha que tá bom

Acha que tá mamão

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Saudade




Saudade

Minha saudade anda gorda,
morbidamente obesa.
Sentada feito um paxá na poltrona azul
de minha sala de estar,
ela me olha com a superioridade natural dos
que se sabem importantes;
vitais.
Me mira de cima com seu nariz adunco,
agudo e empinado
a deliciar-se com  meu cheiro de amor perdido, 
meu amor-perfeito.
Impávida a observar minhas inúteis lágrimas incapazes,
silenciosas,
alimenta-se
a saborear, tranquila, toda a minha 
dor
e o meu pesar.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O Gosto pelas Palavras




O Gosto pelas Palavras

Gosto muito de escrever por alguns motivos. Porque através da escrita faço uma auto-análise sem grandes custos e a qualquer hora e desta forma descubro mais claramente quem sou. Porque muitas vezes escrever é mais fácil do que dizer já que no dizer há um sem jeito que me cala. Parece que as palavras certas vêm sempre e apenas assim, em silêncio, ditas apenas dentro da minha cabeça. Lá elas nascem e fluem, feito água, pelos dedos sem que nada nunca as atrapalhe; sem medos ou censura. Sem que a língua se mova e me atrapalhe.

Entretanto, mais do que tudo, sou apaixonada pelas palavras que para mim têm vida própria e, portanto, merecem um corpo. Elas merecem ser escritas.  As palavras têm cor, forma, peso, cheiro e gosto específico e apenas quando são gravadas para sempre no papel, (ou mesmo neste mundo digital que existe sem que possamos realmente tocá-lo), podemos vê-las em toda a sua beleza. São lindas as palavras e, talvez, esta seja a questão para mim. Sou encantada por elas, enamorada mesmo, e as palavras me emocionam como nada mais neste mundo.

Por algum motivo nas palavras vive a minha alma como se elas fossem a minha verdadeira casa. Falta-me o talento, eu sei, porém isso não chega a importar já que não há pretensões para além do livre exercício de expressar-me. Não penso em livros nem na obrigatoriedade de escrever, elas não foram feitas para mim para ganhar a vida. Não. Elas são, muito ao revés de qualquer obrigação, o maior prazer que tenho e conheço; meu recanto encantado, um mundo fantástico onde o tempo e o espaço são ignorados. Escrever é, mais do que qualquer coisa, um desejo que parece ter vida própria e que sai muitas vezes, como agora, sem pedir licença.

É fato que ando meio assim-assim, sem qualquer inspiração e, apesar de querer escrever mais, ando a escrever menos. Escrevo menos desde que descobri que minha mãe estava doente, menos ainda depois que desisti completamente do amor desta vida. Meu amor feito de música e palavras foi o amor mais belo e poético que conheci. Contudo, também acho que é fato que não vou parar de escrever, apesar do meu passo de formiga dos últimos meses; deste ano todo. A vida continua diferente do que era antes, verdade, mas nem por isso menos interessante. Ainda há muito tempo para sentir o gosto que me dá o gosto das palavras, minha paixão sem fim.

Blá blá blá, canção mais linda feita sobre as palavras ditas e escritas.




quinta-feira, 17 de setembro de 2015

a Morte






a Morte

A morte fria e úmida me sorri de longe
com sua boca muda e escancarada.
Acena-me solicita e
delicada.
Silenciosa ela me conta sem palavras de nossa história
conhecida seu final aguardado.
Nas noites frias de inverno numa esquina melancólica,
acendo um cigarro.
Acendo uma vela para a minha fria amiga,
religiosamente,
para ter a certeza de que ela sempre saberá onde me encontrar.
A fria e úmida morte
me abraça e eu beijo sua fronte de gelo;
hoje somos íntimas.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Se eu calo é porque não sei mais... (Apanhador Só)



Vitta, Ian, Cassales
Apanhador Só
 
Dobra uma esquina
Dobra outra esquina
Mais uma esquina
E ainda uma outra mais
E tu voltou pro mesmo lugar

Sem gasolina
Ainda há a buzina
Que te azucrina
Pressiona internamente
A tua cabeça que quer gritar
O olho pisca, querendo saltar
O lábio sobe, querendo rosnar
A veia salta, não vai aguentar

Vitta
Eu tô cansado do pra lá e pra cá
Eu quero brisa leve
Se a vida é faísca
Que brilhe devagar

Lucas
Se o engraçado às vezes faz doer
Eu quero rir com cãibra
Até abrir ferida
Eu tô por me perder

Tu te ilumina
Tomando um uísque com guaraná
Cadê a tua mina?
Tá com a comanda

Ah, fala demais
Fuma demais
Bebe demais

Ah, calcula demais
Planeja demais
E nada demais

Vou ao comício
Faço exercícios
Mas nem um indício
De como eu vou fazer pra ela perceber que se eu pedalo,
Ela é a corrente, e perceber que
Se eu calo é porque
Não sei mais

Se todo vício deixa resquícios
Com que artifícios é que eu vou conseguir fazer ela perceber
Que, se a medalha é minha, é dela
E perceber
Que se eu corro abertamente eu vou mais?

Ian
Tô junto nessa de querer cantar
Um verso com coragem
Que sirva de bandagem
Pro que se quer curar

Cairá um meio tom sem aviso
A conta é tua e o risco
É o próprio riso a cantar

Eu dobro a esquina
O calor no asfalto marola o ar
Procuro a sombra
Eu vou de boa

E o mundo vai ficando grave
Com todo estorvo, precipício
Muro em cima, todo entrave
Ah, grave
Com todo o estorvo, precipício
Muro em cima, todo entrave

Grave

Estorvo


quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Teus Olhos



Teus olhos

Teus olhos olharam os meus olhos
quando os meus viram o mundo pela primeira vez.
De nada eu sabia.
Não me sabia existir ainda, mas para ti eu era a vida;
a vida sendo feita pela primeira vez em nossas vidas.
E tantas e tantas vezes se olharam nossos olhos
que em silêncio completo nos entendíamos.
Teus olhos liam os meus claramente, e os meus te conheciam.
E te olhei sabendo que o mundo era bom nas noites de Natal,
em milhares de almoços depois da escola e aos domingos,
no café da manhã  por toda a minha infância.
Vi teus olhos magoados, bravos, carinhosos, divertidos;
vi teus olhos, pelos meus, apaixonados.
Vi teus olhos quando eu parti.
E para mim, para vida dos meus olhos, os teus olhos sempre estariam ali
 a ver-me mesmo que fosse de tão longe,
mesmo que não fosse mais todo santo dia,
mesmo que fosse apenas nas férias. Mas eles estariam ali a ver-me, sempre.
Porém o sempre também tem fim...
Teus olhos olharam os meus quando os teus se fecharam
pela última vez nesta vida
e mais do nunca percebi que somos duas partes de uma vida só.
Comecei em ti,
Tu terminaste em mim.
Mas em mim ainda continuas viva
e assim, somos duas metades de um todo
que nunca terá fim.

domingo, 6 de setembro de 2015

Indiferentes


Indiferentes

Em alguns momentos durante nossa vida e por motivos nada nobres todos nós, homens e mulheres, damos demonstrações de que a nossa capacidade de compreender o outro, de o reconhecermos como um de nós, falha terrivelmente. De repente, a tal da empatia vai por água abaixo e nos tornamos pequenos monstros, psicopatas quase inofensivos que, apesar de não serem capazes de matar ninguém, tão pouco são capazes de estender a mão para salvar alguém. Por que todos nós temos a capacidade de ignorar o sofrimento alheio? Não deveria ser assim, deveria?

O fato é que seja por qual motivo for – pela falta de dinheiro no bolso do paletó, pela cor da pele que reveste o corpo, pela crença que o outro sustenta, pelo pedaço de terra onde calhou à outra pessoa nascer, por quem se sente tesão, por ter nascido mulher ou, simplesmente, por ser um pouco diferente – nenhum deles deveria interferir em nossa capacidade de perceber que  ali está outro ser humano feito da mesma matéria que somos feitos todos nós. Como, então, não enxergamos e percebemos a dor alheia de forma fácil e automática e deixamos que algumas pessoas sofram? Onde andamos a guardar toda a vergonha e o peso nos ombros que deveríamos sentir por sermos tão omissos como temos sido capazes de ser?

É verdade que podemos dizer que há pecados e pecados, e que o peso de cada um deles pode ser medido. Mas, pode mesmo? É verdadeiramente mais pecador quem lesa a milhões do que quem lesa a centenas de pessoas ou não? Depende de quem lesamos e do tamanho do dolo? São mais cruéis aqueles que empunham uma arma numa favela no meu país ou os homens que andam com seus ternos caros no Congresso Nacional a roubar-nos todo santo dia?  São verdadeiramente muito piores os poucos que matam do que os milhares que deixam que a matança aconteça? Não é tão fácil quanto parece responder a esta questão quando pensamos nos princípios que deveriam nos guiar. É?

Há alguns dias, o mundo inteiro arregalou seus olhos e sentiu-se um tanto culpado e envergonhado, afinal, o que mais podemos sentir quando vemos o corpo de um pequeno menino afogado, com apenas três anos, chegar à praia de qualquer país. Aylan e sua família, como milhares de outros, queriam apenas fugir de uma guerra sem fim e ninguém fez nada para ajudar-los. Não fizemos nada. Há tanta gente que sofre tão perto de nós e fingimos não ver. Não fazemos nada. Por que somos tão egoístas? Não tenho qualquer resposta para tudo isso, mas por estes dias, para mim, anda complicado medir a amplitude de minha empatia que, em muitos momentos, se apresenta tão raquítica que me dói admitir. Por que eu sou assim?



terça-feira, 1 de setembro de 2015

Terça-feira



Acreditava que ainda teríamos muito tempo
e agora toda terça-feira tem cara de véspera,
de dia de mau agouro,
de fim de festa.
Dia em que o tempo estava prestes a fechar-me a tua porta
sem que eu soubesse.
Toda terça-feira aparece em mim uma ponta de mágoa doída. Aperta-me
o peito e a garganta seca.
Toda terça, preparo-me para perder-te mais uma vez,
e ao chegar a manhã seguinte percebo claramente
a tua falta. Dou-me conta de que o tempo não voltará atrás.
Toda quarta-feira choro. Choro e acendo a ti uma vela para que, talvez,
você possa ainda me encontrar apesar de estar
tão longe.
Para que possa se lembrar de mim.
Toda quarta desejo, mais que tudo,
o que não posso ter.
Toda quarta-feira queria poder te ver
mais uma vez.