domingo, 31 de março de 2019

A passos-de-formiga-desorientada seguimos






A passos-de-formiga-desorientada seguimos

Março termina tão cheio de chuvas quanto de incertezas para a maioria dos brasileiros. Porque, até o momento, não temos nem sinal ínfimo do tão desejado céu-de-brigadeiro sobre as nossas cabeças para que, enfim, depois de alguns anos, deixássemos de uma vez por todas, e a jato, a tal crise econômica que nos assola. Pois é, pelo que parece, ainda teremos muitas nuvens escuras e ameaçadoras pelo caminho. E, pelo que observamos, a possibilidade de tempestades de proporções assustadoras não são tão difíceis de se antever.

A medida que nos afastamos das promessas vazias da última campanha presidencial e nos deparamos com o total e amplo despreparo do atual Presidente da República para o cargo, fica dia a dia mais difícil imaginar que o tal senhor que nos governa tem e/ou terá, em qualquer momento de sua vida, a capacidade intelectual de levar nosso país a uma situação socioeconômica estável e de crescimento.

Verdade seja dita que não tínhamos, como não temos tido há décadas, grandes alternativas para o cargo, entretanto, me parece que na ânsia de fugirmos a qualquer custo de políticos mais experientes, influentes e corruptos nos deixamos governar por um desastre ambulante com rasgos de ditador de direita de filmes B: um estereotipo com nenhuma possibilidade à qualquer profundida que seja para a tal personagem.

Por esses dias, como o tal senhor não deve ter muito com o que se preocupar na vida, vimos e ouvimos o nosso presidente-fã-aparvalhado-de-trump a sugerir, para não dizer tentar obrigar, que celebrássemos o golpe militar de 1964 que institui uma ditadura em nosso país. E a pergunta que fica é, independentemente de qual lado do espectro político no qual alguém possa se encontrar, em que momento celebrar o fim da democracia num país e algo que faça qualquer sentido?

Bem, para o nosso desorientado Senhor Presidente da República tal fato completamente absurdo parece fazer todo o sentido, e a mim me resta a certeza de que ele percebe a realidade de maneira peculiar e assustadoramente destorcida. Ele vive num mundo próprio e que não existe e nós... Bom, nós seguimos a passos de formiga e sem saber muito bem para onde vamos. Estamos perdidos.

sábado, 30 de março de 2019

As Meninas...






Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.
Aninha e suas pedras – Cora Coralina



O vestido

No armário do meu quarto escondo de tempo e traça
meu vestido estampado em fundo preto.
É de seda macia desenhada em campânulas vermelhas
à ponta de longas hastes delicadas.
Eu o quis com paixão e o vesti como um rito,
meu vestido de amante.
Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido.
É só tocá-lo, volatiza-se a memória guardada:
eu estou no cinema e deixo que segurem a minha mão.
De tempo e traça meu vestido me guarda.
O vestido - Adélia Prado



Pus o Meu Sonho Num Navio

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
Pus o Meu Sonho Num Navio – Cecília Meireles

domingo, 24 de março de 2019

“Dream”




When did we become monsters? Why?


I Dreamed a Dream

There was a time when men were kind
When their voices were soft
And their words inviting
There was a time when love was blind
And the world was a song
And the song was exciting
There was a time
Then it all went wrong
I dreamed a dream in times gone by
When hope was high and life worth living
I dreamed, that love would never die
I dreamed that God would be forgiving
Then I was young and unafraid
And dreams were made and used and wasted
There was no ransom to be paid
No song unsung, no wine untasted
But the tigers come at night
With their voices soft as thunder
As they tear your hope apart
As they turn your dream to shame
He slept a summer by my side
He filled my days with endless wonder
He took my childhood in his stride
But he was gone when autumn came
And still I dream he'll come to me
That we will live the years together
But there are dreams that cannot be
And there are storms we cannot weather
I had a dream my life would be
So different from this hell I'm living
So different now from what it seemed
Now life has killed the dream
I dreamed

2019: O Ano mais triste de todos?!




Elucubrações das Minhocas que Moram na Minha Cabeça

2019: O Ano mais triste de todos?!

Por algum motivo incompreendido em sua completude pela minha cachola, decidi n’algum dia deste ano não falar das desgraceiras que nos assolavam. (Eita ano movimentado esse!) Verdade que trisquei no assunto aqui e acolá nas minhas queridas linhas-nada-bem-traçadas. Porém, nada de escrever com foco único sobre as tragédias de modo piegas e pouco racional. Feito princesa na torre, ando um tanto adormecida para o mundo. Acho que é o tal ano sabático, e estou a tirar férias de mim mesma.

Contudo, a insistência da repetição de fatos de quebrar o coração atiçaram a sanha preguiçosa das minhas minhocas a meados do mês de Março e não me foi mais possível segurar: sinto-me psicológica e fisicamente assolada por esse trem de fatos pesarosos. Sendo assim, 2019 ganhou, para mim, em poucos meses, o título de ano mais triste de todos os tempos. 

Brumadinho em lama, aviões a cair, a cidade onde cresci debaixo d’água e antigos companheiros de escola a perder tudo, tiros disparados por uma criança numa escola a matar outras crianças numa cidade aqui ao lado, tiros numa mesquita do outro lado do Mundo; Moçambique, Zimbábue e Malaui alagados e um tanto esquecidos pelos homens virando um mar de lágrimas... O que mais teremos que ver neste ano d’olhos afogados por tanta tristeza?

A verdade é que espero não ouvir mais notícia alguma em 2019 porque para mim já atingimos a cota de fatos ruins com os quais podemos lidar no espaço de 12 meses sem cair em profunda depressão. E não importa se a tal coisa ruim acontece numa rua na qual andei de bicicleta na infância ou num país onde jamais pisarei. O sofrimento de outras pessoas, de outros povos, dói também no peito da gente porque neles nos vemos sempre. Somos feitos da mesma força que nos faz continuar apesar da fragilidade de nossa existência.

Sei que muita gente sofre e morre todo santo dia sem que ninguém saiba porque a vida ou a morte desses não chegou a ser tão interessante assim para sair nos jornais. Sim, há aqueles que sofrem e morrem feito passarinho a piar tão baixinho que nunca são ouvidos. E isso será muito mais cruel do que qualquer sucessão de tragédias narradas nos jornais depois do jantar. Então, mais do que não ouvir nenhuma notícia ruim, peço a Deus uma trégua para o resto desse ano que já viu mortes demais. Uns meses em que a maldade e os desastres, em momento sabático, se esqueçam de nós e tirem férias da nossa Terra.

domingo, 17 de março de 2019

Acordar




Elucubrações das Minhocas que Moram na Minha Cabeça

Acordar

Nunca gostei de dirigir; coisa estranha isso de ir feito sardinha numa latinha por aí. Ainda lembro-me de me sentir muito mal dentro do meu carro nos primeiros meses pós carteira de motorista adquirida. Mais de 20 anos passaram e hoje, por efeito da repetição voluntária, apesar da má vontade minha, dirigir um carro tornou-se natural. Mas, não o é.

Natural é usar as pernas e andar por aí. A vida de verdade não acontece dentro de carros e, às vezes, nem entre as tais quatro paredes. A vida acontece na rua onde, ao invés de faróis, temos olhos para enxergar mais claramente a tudo aquilo que tentamos ignorar por não fazer parte da “nossa vida”. Pois, o fato é que nós buscamos criar uma história bonita e perfeitinha e dela fazer a vida que chamamos de nossa. O problema é que nesse tal faz-de-conta do cotidiano escondemos nas gavetas e em baús escuros todos os defeitos que, para o bem da nação, não vemos.

Quinze minutos caminhando até a estação mais próxima do metrô (porque a minha estação, sim ela será minha, ainda não foi inaugurada) e depois de ver muita coisa que ainda não tinha percebido, apesar de, de carro, já ter passado por este caminho, vejo um homem que de todos se destaca. Saco sujo às costas, roupas pretas por lavar há dias, o cabelo desgrenhado; a conversar com ele mesmo no meio da rua.

Não voltarei a vê-lo, muito provavelmente, porém cá está de braços dados com minhas minhocas na cabeça o tal homem mesmo depois de alguns dias. Alguns passos a minha frente ele observa um resto de comida dentro de um saquinho de papel branco jogado ao chão. Penso: ele vai comê-lo. Ele o apanha e come de maneira tão cotidiana como o tal pensamento que a minha mente me veio. Ambos, ele e eu, conhecemos a vida neste país. A diferença é que me dou ao luxo de ignorá-la quase todo santo dia. Pois... A vida tem destas merdas o tempo todo; 24 por 7 e sem direito a piscar os olhos.

Eu, como sempre faço quando vejo a vida mais de perto, penso: isso é Deus a me sussurrar ao ouvido (e logo pela manhã) – “Acorda, sua filha da puta mimada, e pára de reclamar da sua vida que você não sabe o que é sofrer.” E eu, com medo de que, quiçá, Deus mesmo idoso ainda tenha a mira muito boa e me acerte com um raio na cabeça, concordo em número, gênero e grau. Está na hora de acordar Maristela.

p.s. Não houve como não me lembrar de Manuel Bandeira e de pensar que estamos num ciclo vicioso eterno em nosso país. Então, cá ele está.

O BICHO


Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Rio, 27 de dezembro de 1947




quarta-feira, 6 de março de 2019

A língua que nos pertence...



... E a qual pertencemos. Alma construída pela língua portuguesa e suas variações com muito em comum.

sexta-feira, 1 de março de 2019

A Liberdade na Avenida




A Liberdade na Avenida

Gosto de Carnaval desde que me lembro por gente. Desde que era menina tímida feito avestruz e ficava de canto a observar as outras crianças a pular o Carnaval no salão. Essa menina já não existe há dezenas de anos, verdade 1. Mas também é verdade que a mesma paixão pelo som do batuque e pelo ritmo do samba que nasceram naquela época ainda por cá estão. Amo o Samba como se parte da minha alma tivesse sido construída com um bocado dele. Como bem o disse Zé Queti: “Eu sou o samba.”; pretensões à parte.

Pois, apesar de muitos Carnavais e de ter seguido a trios-elétricos algumas vezes, nesse ano piso na avenida, como parte de uma Escola de Samba, pela primeira vez. E, apesar de já ter assistido a desfiles in loco, ser parte de uma Escola e cantar por toda a avenida será algo que hoje farei pela primeira vez.  Hoje, meu coração agitado baterá compassado.

Hoje represento e me apresento, com muito orgulho, na Acadêmicos do Tucuruvi. Pois, apesar de não ter a conexão visceral que um membro da comunidade tem com a escola de samba - aquela paixão de levar seu estandarte como quem carrega a bandeira do time de coração. Apesar disso, de corpo e alma canto e cantarei o samba enredo de Tucuruvi: Liberdade, o canto retumbante de um povo heroico. No Carnaval falaremos da luta pela liberdade no Brasil com toda a cor e emoção.

Hoje à noite na avenida a ala a qual pertenço representará a Liberdade, com direito a Lei Aurea e o verde das nossas matas por toda a fantasia; e eu adorei.  Adorei porque não posso imaginar algo mais bonito pra eu representar. Representaremos, à la modo carnavalesco (verdade 2), o momento da libertação dos escravos no Brasil.

Eu sei muito bem que até hoje lutamos por isso. Lutamos para que as pessoas sejam verdadeiramente livres independentemente de quaisquer questões particulares: credo, cor, sexo, nacionalidade, religião e todo o etc. e tal. Eu sei. Mesmo assim, mesmo sabendo que a realidade é muito mais complicada e tem cores mais pesadas do que as do Carnaval, eu me sinto muito orgulhosa em representar algo tão importante. Hoje seremos, em forma de música e dança, a Liberdade na avenida.



Liberdade, o canto retumbante de um povo heroico


Senhor, escutai a nossa voz!
A prece que vem do coração
Eu sei que as feridas vão secar
No dia da libertação
No seio da mata surgiu um grito de guerra
Na luta contra a força do invasor
O nosso chão sangrou
Já fui lamento no balanço do tumbeiro
E subo o morro feito um nobre partideiro
ôôô… sou resistência na dor!
Quando o sol vai brilhar, meu Deus?
Reluzindo liberdade
Pra tirar do papel, o sonho
De viver com dignidade
Vem me dê a mão
Preciso de você… que tanto prometeu
Por que se esqueceu dos seus ideais?
Somos todos iguais!
Caminhando contra o vento, eu vou…
Pra quebrar as correntes
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Apesar de você…
Vamos romper as barreiras
Erguer as bandeiras, por mais união
Oh! Meu Brasil!
A liberdade emana do amor
Meu direito à igualdade não representa favor!
Tucuruvi espalha um canto pelo ar
Vai ecoar, vai ecoar
Meu brado é forte, quero mudança
Avante filhos da esperança!