segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Desgosto (A)gosto



Desgosto  (A)gosto

Agosto é mês de desgosto, reza a crença popular. E eu, com meu próprio desgosto particular para o mês, decidi que este agosto passaria sem ser notado. Dei as boas vindas às Olimpíadas e decidi que afundar-me-ia no sofá, ou na cama, durante os dias dos jogos. Seriam bons dias de pão e circo sem nenhum pensar; pensei eu. Muita correria de gente e bolas e nada a passar por cá na cachola; plano genial e quase perfeito para deixar a realidade do lado de fora.

Contudo, o meu mundo sem problemas durou muito pouco, um quase nada de tempo. Aliás 1, para ser bem sincera, ele nem chegou a existir por poucas horas direito. Um mundo sem problemas e tristezas foi apenas tênue e doce ilusão, uma vontade raquítica que a realidade brasileira, dura e difícil demais por estes dias, sufocou. Pobre ilusão, mortinha da silva antes de nascida.

Em Terra Brasilis anda grande a crise. Falta dinheiro, falta trabalho e sobra a completa e irremediável falta de vergonha na cara daqueles que nos governam, ou melhor: desgovernam. É bem verdade que a classe política nada mais é do que um reflexo colorido e destacado do que somos nós: o povo brasileiro. Não? Não! Sinto-me ofendida comigo mesma todas as vezes que tal ideia nasce e renasce cá dentro. Somos mesmo um povo corrupto e corruptível, desonesto e de moral duvidosa por natureza? Oh São Macunaíma, o que será de nós?!

Em agosto teremos o fim do tal processo de afastamento da Presidente da República, Sra. Dilma Roussef; um show de cinismo de ambas as partes – governo e oposição. Aliás 2, e nem saber direito quem vem a ser governo e oposição anda fácil atualmente por aqui.  E aliás 3, não adianta chorar ou reclamar, nem sair à rua para gritar, porque o fato é que em setembro o presidente do Brasil será outro e não haverá nada a comemorar. Como não havia o que comemorar antes com o governo corrupto e incompetente de Dilma. Estamos a trocar seis por meia dúzia e, se alguém ainda não entendeu os porquês reais do tal Impeachment, recomendo estudar um pouco a nossa História e compreender os porquês das saídas de Jânio Quadros e Fernando Collor do mesmo dito cargo.

Entre tantas tramas e tramoias nas quais somos e fomos envolvidos sem querer, ou pela falta do nosso querer, vimos o indiciamento do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva. O que não significa muito, é verdade. Porém, isso sim, isso me alegra. Alegra-me ver gente graúda e de rabo preso ver-se em maus lençóis, enquadrada e incomodada pela lei que aos pobres enquadra e esmaga sem quaisquer cerimônias.  E se alguém ainda acredita que Sr. Luiz Inácio é um pobre brasileiro injustiçado, preste bem atenção no seguinte: Ele não o é.

Mais do que o mês do desgosto, este agosto está a provar-se o mês do cachorro louco, como bem diria a minha mãe, e eu por minha parte quero mais é ver, do sofá, briga de cachorro grande torcendo para ninguém ganhar.

sábado, 27 de agosto de 2016

MARIANA







MARIANA
de Ricieri Decarli


Canção do amigo Rici
para a cidade que era menina,
verde e linda.
Mariana, e seu mundo que de um repente
não existe mais, morreu.
Desapareceu coberta pela lama feita pelas
mãos de homens.
O rio morreu, a mata morreu, 
e os bichos e os homens morreram e ainda hoje sofrem
pela onda gananciosa da costumeira 
lama brasileira.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Pedaços de Clarice

Frases soltas de uma mulher atemporal...




Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.

... uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi o apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, espararei quanto tempo for preciso.

Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.

Sou uma pessoa insegura, indecisa, sem rumo na vida, sem leme para me guiar: na verdade não sei o que fazer comigo.

Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão.

Não me lembro mais qual foi nosso começo. Sei que não começamos pelo começo. Já era amor antes de ser.

Sinto a falta dele como se me faltasse um dente na frente: excruciante.

Perder-se também é caminho.

Gosto do modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graça no chão.

domingo, 21 de agosto de 2016

A Felicidade





A Felicidade

Todos sorriem nas fotos e à distância a felicidade é possível sem se saber o que acontece nas horas escondidas, nos fatos não narrados. João fuma seu cigarro à janela d’uma tarde úmida de domingo. Os filhos saíram para brincar com os amigos e a mulher assiste na TV a qualquer coisa que pouco, ou nada, lhe interessa. João pensa no que lhe incomoda.

O que lhe incomoda mais é o não saber bem o porquê deste sentimento cinza e úmido que, volta e meia, o acorda nas horas de silêncio. João se inunda nestes momentos sem palavras; momentos cheios de pensamentos e sentimentos de uma força incompreensível. Por quê? Ele tem tudo: duas crianças as quais ama mais do que poderia crer, uma boa companheira, um trabalho que lhe dá prazer, amigos para os copos e algum dinheiro para as coisas desimportantes da vida. Nada lhe falta; verdade. Então, por que há dentro dele esta tremenda falta de algo cujo nome próprio ele não pode definir?

Na rua passam caminhando algumas pessoas. Homens a conversar, casais de mãos dadas, crianças apressadas. A vida passa regularmente, tranquila e feliz, da janela de seu apartamento no segundo andar de um prédio antigo. Anos 50, 60 talvez. João rói as unhas das mãos e acende o segundo cigarro. O certo era parar de fumar, ele pensa. Tenho dois filhos e a saúde já não é a mesma que há vinte anos; certamente.

Uma vontade grande de sair se apresenta. Sair pelas escadas abaixo sem dizer nada a ninguém. Sair sem destino e direção. Sair. João morde o canto de seu dedo anular direito um pouco forte demais. O sangue escorre.  Que merda! Pensa ele. Isso vai doer-me amanhã. E amanhã há muito que ser feito. Decisões a tomar, números, ensaios. João se lembra de que há muito para ler, para estudar. Contudo a concentração e o foco andam um tanto turvos nos últimos dias; nos últimos meses. Difícil concentrar-se e, talvez, o melhor fosse mesmo recorrer a um médico. Deve haver drogas para isso. Deve haver uma droga qualquer para tudo isso.

João ouve a voz da filha vindo da rua. Ela e seu irmão correm na calçada com os amigos sem qualquer adulto por perto e, apenas nesse instante, ele se dá conta de quão grande está sua menina. Dez anos já! Como pode ser isso? O que foi que eu deixei para trás? João apaga o cigarro e sai da janela.


Vou descer um pouco e ver os meninos. Grita João para a sua mulher. O mundo silencioso adormece.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

A BorBoLeTa



A BorBoLeTa


A boba borboleta bamboleia iludida pela luz tênue

das palavras do poeta.

Sol artificial e frio feito de ideias repletas de sentimentos,

Ideias d’alma.

Palavras furtivas,

                      reticentes

e esguias

dançam diante dos olhos da borboleta;

pequenos olhos d’água que ao se emocionarem

transbordam.

As palavras fazem tanto sentido para a menina e por isso

são as mais belas já ouvidas na vida.

(A borboleta sabe que as palavras não foram pensadas,

ditas ou escritas

para ela)

Voa iludida ao redor do poeta a encantada borboleta

em busca de sentir o verdadeiro calor

do seu sol de mentira.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Minha Saudade





Minha Saudade

Saudade não tem forma nem se conta,
é imensurável, amorfa,
gigantesca.
Grão de areia no canto dos olhos,
nó no estômago, buraco que com o tempo vai ganhando tamanho n’alma,
madeira roída por broca silenciosa.
Saudade não tem corpo nem peso,
mas pesa feito chumbo nos dias de olhos marejados
e lembranças bonitas.
Saudade não tem gosto certo,
pois ao mesmo tempo que amarga a boca
adoça o peito.
Saudade, minha companheira, abraço-me contigo
e sozinha não sigo;
meu anjo particular.



À minha mãe que há um ano ganhou asas e tornou-se meu anjo particulas.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Para Sempre




Poema escolhido pelo meu pai para o dia de hoje. 
Dia que a saudade se agiganta e, feito praga, pelo peito alastra
Saudades de ti, Mima.




Para Sempre

Carlos Drummond de Andrade
 
Por que Deus permite
Que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite
É tempo sem hora
Luz que não apaga
Quando sopra o vento
E chuva desaba
Veludo escondido
Na pele enrugada
Água pura, ar puro
Puro pensamento
Morrer acontece
Com o que é breve e passa
Sem deixar vestígio
Mãe, na sua graça
É eternidade
Por que Deus se lembra
- Mistério profundo -
De tirá-la um dia?
Fosse eu rei do mundo
Baixava uma lei:
Mãe não morre nunca
Mãe ficará sempre
Junto de seu filho
E ele, velho embora
Será pequenino
Feito grão de milho

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

"Habemus Circus"



“Habemus Circus”

Contagem regressiva para a abertura das Olimpíadas brasileiras, ou melhor, cariocas; e eu já me organizo para “a minha cerimonia particular”: assistir a tal abertura com direito à tela grande e pipoca. Habemus Circus! Curiosidade a mil na cachola... Daremos vexame? Teremos uma cerimônia digna do nome, cheia de pompa e circunstância, ou não? Anita no tal pontapé inicial já denota um mau agouro, para mim, e sinal de que as coisas não serão tão boas assim. Eu sei; preconceito meu. Ok. Mas, meu Deus, na terra de Marisa Monte, Chico Buarque, Milton Nascimento, Ney Matogrosso, Criolo, Vanessa da Mata, Roberto Carlos e Rita Lee; na terra de uma Ivete Sangalo e seu carnaval eterno entre tantos outros, teremos Anita?! Pobres ouvidos...

Depois da tal inauguração fenomenal virão as poucas horas de sono num frisson danado e completamente irracional no qual eu entro e que me faz querer assistir a qualquer porcaria que esteja sendo disputada em reprises noturnas. Viro fã de qualquer puto esporte que eu mal conheço e que jamais acompanho num “status normalis” de vida. Contudo, como é bom esquecer este mundo por alguns dias, não? Afinal, quão lindo fica o mundo sem sinal dos “Trumps da vida”, nada de guerras, de problemas econômicos ou de inflação no meu país, zero de Dilma e de Temer, nadica de nada de problemas sociais e ou quaisquer outros. Vivas ao adormecimento temporário e ao esquecimento! Vivas às férias cerebrais e a alma distraída com índices, pontos e regras desportivas!

Eu sei que esta postura minha é muito feia, para dizer o mínimo. Ela é mesmo egoísta e um tanto quanto acéfala. Principalmente para mim, moradora consciente de um país de terceiro-mundo com sonhos eternos de grandeza e poucas realizações efetivas. Lugar de muita desigualdade social, muita corrupção e muita violência. Pois, não deveríamos nunca ser sede de eventos tão sem importância para a vida real, feito Olímpiadas e Copa do Mundo, e que aqui não geram legado algum para os cidadãos para além de dívidas e estruturas gigantescas e abandonadas. Já vimos isso acontecer na tal Copa do Mundo que nos deixou estádios de futebol frequentemente vazios num país que há algum tempo demonstra que já se esqueceu de como é que se joga bola.


Aliás, antes mesmo da abertura das nossas Olimpíadas já demos sinais do que nos espera com o primeiro jogo da seleção olímpica masculina de futebol; grandes decepções no campo desportivo. Porém, e apesar de tudo isso, não podemos dizer que não merecemos, vez ou outra, férias deste nosso terceiro mundo complicado e injusto. Podemos? Então, que venham elas: as lindas, alegres e festivas Olimpíadas em terras Brasilis. Já posso ouvir os surdos, as caixas, os pandeiros, os tamborins e as cuícas a soar no meu peito porque festa no Brasil sem samba não existe. Amanhã faremos batucada para o Mundo inteiro ouvir e isso, para mim, é uma das coisas mais bonitas de se ver e ouvir. Que soem os tambores!

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

O Rio



O Rio


O silêncio solene e perene serpenteia

pela página branca

arrastando sua cauda para todo o sempre.

Rio de poeira de cor cobre e pedras coloridas arredondadas pelo tempo...

Brancas

Pretas

Cinzas.

Pés enterrados na terra rachada e dura, mente nas nuvens finas e estáticas.

Sento-me à beira do rio com sede e de olhos cerrados a esperar

pelas águas que jamais  virão;

eu sei.

E apesar disso sinto nos ossos a presença das águas,

o olfato as pressente no ar de outros mundos

e alma desnuda

no barro seco

mergulha.