domingo, 21 de agosto de 2016

A Felicidade





A Felicidade

Todos sorriem nas fotos e à distância a felicidade é possível sem se saber o que acontece nas horas escondidas, nos fatos não narrados. João fuma seu cigarro à janela d’uma tarde úmida de domingo. Os filhos saíram para brincar com os amigos e a mulher assiste na TV a qualquer coisa que pouco, ou nada, lhe interessa. João pensa no que lhe incomoda.

O que lhe incomoda mais é o não saber bem o porquê deste sentimento cinza e úmido que, volta e meia, o acorda nas horas de silêncio. João se inunda nestes momentos sem palavras; momentos cheios de pensamentos e sentimentos de uma força incompreensível. Por quê? Ele tem tudo: duas crianças as quais ama mais do que poderia crer, uma boa companheira, um trabalho que lhe dá prazer, amigos para os copos e algum dinheiro para as coisas desimportantes da vida. Nada lhe falta; verdade. Então, por que há dentro dele esta tremenda falta de algo cujo nome próprio ele não pode definir?

Na rua passam caminhando algumas pessoas. Homens a conversar, casais de mãos dadas, crianças apressadas. A vida passa regularmente, tranquila e feliz, da janela de seu apartamento no segundo andar de um prédio antigo. Anos 50, 60 talvez. João rói as unhas das mãos e acende o segundo cigarro. O certo era parar de fumar, ele pensa. Tenho dois filhos e a saúde já não é a mesma que há vinte anos; certamente.

Uma vontade grande de sair se apresenta. Sair pelas escadas abaixo sem dizer nada a ninguém. Sair sem destino e direção. Sair. João morde o canto de seu dedo anular direito um pouco forte demais. O sangue escorre.  Que merda! Pensa ele. Isso vai doer-me amanhã. E amanhã há muito que ser feito. Decisões a tomar, números, ensaios. João se lembra de que há muito para ler, para estudar. Contudo a concentração e o foco andam um tanto turvos nos últimos dias; nos últimos meses. Difícil concentrar-se e, talvez, o melhor fosse mesmo recorrer a um médico. Deve haver drogas para isso. Deve haver uma droga qualquer para tudo isso.

João ouve a voz da filha vindo da rua. Ela e seu irmão correm na calçada com os amigos sem qualquer adulto por perto e, apenas nesse instante, ele se dá conta de quão grande está sua menina. Dez anos já! Como pode ser isso? O que foi que eu deixei para trás? João apaga o cigarro e sai da janela.


Vou descer um pouco e ver os meninos. Grita João para a sua mulher. O mundo silencioso adormece.

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