quinta-feira, 30 de maio de 2013

Carlos Drummmond de Andrade

Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo

e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas


domingo, 26 de maio de 2013

Algo tão inútil quanto todo o bem que uma Copa do Mundo trará





Escrever começou como uma distração e transformou-se em uma mania. Uma escrita que faz as vezes de terapia de caráter solitário que torna-se algo realizado em grupo à medida que a divido com meus amigos. Esta foi a forma encontrada para eu me comunicar com aqueles, ou aquele, que estavam longe de mim; uma forma de amenizar a minha eternar carência de ser que pensa-se capaz de ser só, mas que, na verdade, está muito longe disso. Uma maneira de dizer minhas asneiras de forma mais concreta e perene. Um calo se pensar que aquilo que fica no papel, mesmo que seja este digital, não pode ser negado posteriormente fácil e cinicamente como aquilo que foi, simplesmente, dito. Pois que o dito fica pelo não dito não se aplica àquilo que é escrito. O escrito ganha vida para além de nós mesmos e, caso tenha valor, sobrevive por muitos mais anos do que os é capaz o próprio autor.

Claro me é que no caso dos meus escritos não há valor algum agregado, a não ser a minha própria e egoísta satisfação de tê-lo feito e algumas palavritas trocadas com amigos a respeito do que foi escrito de forma, quiçá, mediana. Um exercício para a satisfação do meu próprio umbigo, nada mais. Ou seja, algo tão útil à humanidade quanto os domingos passados no mais completo ócio, algo tão benéfico quanto todo o benefício que nós, os brasileiros, teremos com o advento da Copa do Mundo no próximo ano por aqui. Ou seja, nenhum. (sorriso) E afinal toca-se no ponto que deveria estar no princípio deste texto: A tal inutilidade da Copa do Mundo para o nosso país.

Pois que, tal como os meus textos, servirá para distrair-nos, entretanto, terá pouca ou nenhuma importância para a população brasileira. Muito ao revés, nos configura como uma fonte de gastos públicos desmedidos e mal orientados que beneficiará alguns poucos, e já mui ricos, e não trará beneficio algum para o povo que sequer terá condições para adentrar aos tais estádios em dias de Copa. E nada de melhoria em nosso sistema de transporte público que em nossas terras é tido como coisa de pobre, e cujos projetos em todas as cidades sede do famigerado campeonato mundial sequer saíram da prancheta. E nada de milhares de empregos gerados para além do trabalho voluntário e mal pago.

E necas de pitibiribas de modernidade nos aeroportos, porque o que temos são reformas a meio do caminho que, com quase toda certeza, não terão folego para cruzar a linha de chegada até meados de 2014. Não senhores. Mas ganhamos os estádios mais modernos do Mundo, doze deles. E a pergunta que fica é: precisava de tanto estádio novo assim? Precisar não precisava, né? Mas ao que parece, esta era a forma mais óbvia e fácil de arrancar dinheiro público das nossas mãos para distribuí-lo irmãmente entre os eternos donos de nosso país. Espero que o Paul MacCartney, a Madonna, o U2 e muitos outros façam muitos concertos por nossas terras, ou só quero-quero irá caminhar por alguns dos nossos mais-modernos-estádios-do-mundo em cidades que praticamente não têm times de futebol.

Seja lá como for e apesar de todos os pesares, eu, como todo brasileiro, vou adorar ver as seleções do Mundo de perto e, para assegurar tal feito, já garanti minha presença em jogos na Copa das Confederações. Já que os ingressos para a Copa do Mundo estarão além das minhas possibilidades, creio eu. E no melhor estilo “panem et circenses” continuamos nós, latinos em nossa excelência. E que role a bola!

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Invierno



El cambio
Todo cambia aunque no lo quiera yo
nadie
todos.
Todo cambia porque este es el destino de la vida
cambiarse
olvidarse
y pudrirse al final, calmo, en paz.

La paz
La paz huele mal como lo hace todo el
que se queda quieto,
tranquillo
y sin miedos.
A la muerte no le tengo más miedo,
no más. Lo que me asombra es la idea
de seguridad que  viene con el miedo
a la vida.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Bem Querer



Grande e pequeno,
incoerente desde o seu primeiro minuto
por existir sem ter razões para o ser.
Real sem poder se ver,
e verdadeiro apesar de, de fantasia, ter sido feito.
Tênue conexão, forte, que resiste
mesmo contra o meu e o teu (não)querer.
Já não sei dizer de olhos fechados
qual o tamanho deste amor
inventado, 
imaginado,
cultivado, 
eternizado. Não sei.
Sei que está vivo,
sem corpo onde viver; sem destino.
Sei que anda mudo, apenas sendo um bem querer para além
do querer que se pode ter.


segunda-feira, 13 de maio de 2013

O Mané



Escrever nem uma coisa
Nem outra -
A fim de dizer todas -
Ou, pelo menos, nenhumas.

Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.

Manoel de Barros

sábado, 11 de maio de 2013

Depois do filme...





... invadiu-me uma saudade difícil destes meninos, do Legião Urbana, do Renato e da minha infância e adolescência. Cresci com este som e ele, e eu, ainda estamos aqui.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

loucura















Não me importa que haja olhos e dedos em minha direção,
não me importa um caralho nada disso.
Que pensem a todo vapor feito máquina
de uma mesma maneira pela vida inteira. Não me importa.
Não quero colocar meus pensamentos em trilhos
e fazê-los andarem tesos e retos apenas porque assim
pensa a maioria.
Tal como os do Mané, que de barro é feito,
meus pensamentos sempre serão tortos. Matéria plástica
e mole moldada pela paixão deste  sentir
que, dono de mim, diz-me os caminhos de rio que deve tomar
a minha (des)razão.
Não me importa aceitar a loucura nem ouvi-la a chamar-me
desde a boca de alguém. Não me importa.
Pois Loucura é adjetivo usado pela boca
dos covardes para definir a liberdade
de se ver o mundo sem o medo
de o ver
em sua totalidade.



sexta-feira, 3 de maio de 2013

A Ferida




Ana acordara há alguns minutos, porém ainda mantinha os olhos fechados. Como todas as manhãs, ela precisava de um tempo, meia hora, para acostumar-se à vida. Com a consciência vinham as dúvidas, os questionamentos, e a realidade impunha-se. Levava sempre um certo tempo para lembrar-se onde estava, quem era e o que a vida esperava dela. Ultimamente sonhava com a possibilidade de acordar velha. Seria muito bom despertar aos cem anos sem quaisquer expectativas. Seria tranquilo e bom não precisar mais preocupar-se com coisa alguma, nem mesmo com ela. Aos cem anos, Ana acreditava que já não seria mais necessário encontrar finalidade alguma para a vida. Ela estaria, irremediavelmente, a terminar. E a ideia do fim lhe trazia um consolo pesado.

Abriu os olhos e viu-se ainda jovem demais para esperar o fim. Fechou-os com a luz insistente que entrava pela janela aberta e sentiu, ao abrir a boca, uma dor fina vinda do canto direito do lábio inferior. Passou lá a língua e o gosto salgado e suave de sangue fez com que ela levasse a mão à boca.  Não se lembrava daquela ferida. Sentou-se na cama, e sentiu o liquido morno a descer lentamente pelo queixo. Arrastou-se até o banheiro, para o espelho. Sim, lá estava a ferida. Pequena e insípida demais para que trouxesse qualquer preocupação, como tudo mais lhe parecia agora na vida. Mas como e onde ela a havia feito?  Simplesmente surgira? Não se lembrava de dor alguma na noite anterior. Da ferida.

Depois do banho e de vestir-se, saiu à rua. Tinha que lá estar, não por vontade própria, mas por obrigação. Pela inércia obrigatória que estar viva lhe impunha. Para fingir-se adequada e normal, para ganhar dinheiro, para pagar as contas, para parecer um ser responsável, para impedir-se de simplesmente gritar até que todo o ar de seus pulmões chegasse ao fim.

O dia estava cinza, frio o bastante para que as pontas dos dedos, mal-humorados, se ressentissem da obrigação de estar na rua. Dia de garoa fina e magoada, de botas e ombros encolhidos. Dia banal. Ana caminhou até o metrô sem pressa. Via, como quem prestasse qualquer atenção, as pessoas e as coisas a passar por ela. Via as coisas misturadas às pessoas, e tudo parecia-lhe igual. Igualmente sem sentido. Nada tinha sentido. Ela não tinha sentido algum, e percebeu que aos olhos dos outros era, ela também, qualquer coisa; uma coisa. Algo que transitava entre a parede cinza e os trilhos do metrô e que se ficasse quieta, bem quieta, ninguém perceberia. 

Então, chegaram até ela a luz e o som que caminham mais rápidos que os vagões cheios de gente. Vinha o comboio a desacelerar-se diante de seus olhos, indiferente. E abriram-se as portas, rotineiras. Como se abrem todos os dias milhões de vezes. Abriram-se. Os olhos de Ana, indiferentes até aquele instante, pela primeira vez enxergaram o que naquele momento mais ninguém via. No vagão, encostado na parede dos fundos, fones nos ouvidos e sem enxergar o mundo, estava João. De repente, sem aviso, nos olhos de Ana choveu torrencialmente, enquanto as pessoas iam e vinham feito coisas. As pernas não souberam para onde ir, e ali se quedaram até que as portas, como fazem todos os dias, se fechassem novamente. O sangue voltou a correr pelo canto direito da lábio inferior enquanto o comboio partia.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

A beleza além do olhar




Ontem percebi de maneira mais clara, através de um brado sentido e definitivo, que pelos dias que correm os meninos estão tão preocupados com sua aparência quanto as meninas. Assim, enquanto conversava com um de meus sobrinhos e seus 13 anos, me incomodou um pouco esse conceito fixo, fatal e ditatorial que ele leva consigo: “As meninas só gostam dos meninos bonitos. E ser bonito significa ser loiro de cabelos lisos, ter olhos verdes ou azuis, ambos bem claros, e ser magro com o abdômen definido.” Ou seja, não há nenhuma chance de ser um ser interessante se o “desinfeliz” do rapaz nascer moreno ou negro, se seus olhos não refletirem o céu ou o mar, ou se ele tiver uns quilinhos a mais. E o pior é que não basta ter uma das tais características, não senhor! Pois a beleza só se dá com a combinação celestial de todas elas ao mesmo tempo e num mesmo ser escolhido por Deus para ser, assim, o reflexo de uma obra divina.

 Eu, que tive minha adolescência numa época muito mais complacente e humana, um tanto distante de padrões absurdos, nunca senti tal pressão estética mesmo sendo uma menina. E isso me assusta. Assusta-me ver que os meninos hoje preocupam-se tanto com algo que não tem importância alguma. Sei que tanta preocupação é, em grande parte, fruto desta fase de tantas mudanças e poucas certezas pela qual ele passa. Sei disso. Mas fiquei triste porque sempre senti uma inveja doce dos homens e de sua falta de preocupações com as coisas mais fúteis desta vida. Para os meninos a vida parecia mais fácil e livre com seus videogames, discos, bicicletas e a molecada a andar em bando. Sempre me foi tão mais fácil ouvir as conversas dos meninos, e com eles falar, porque nelas não havia sapatos, um peso ideal, produtos que tornassem nossos cabelos tais como os da atriz e besteiras assim. Meninos falavam de futebol, de música e de política, de como podíamos e devíamos mudar o mundo, e de viagens com mochilas nas costas para ver este mesmo Mundo antes que ele mudasse demais.

Não percebo como nem quando chegamos a uma realidade tão estranha como esta que vejo aqui. Quando deixamos de compreender o que realmente vale a pena e nos entregamos a padrões absurdos. Bem, quiçá eles sempre tenham estado aqui e apenas eu não os percebi. Pode ser. Contudo, não há como pensar que a aparência é a única coisa que interessa e que por conta dela, por nós, alguém irá se apaixonar. Não. Da mesma forma que não nos encantamos por um livro pela sua capa, não há como se encantar por alguém por um longo tempo apenas pelos seus dotes físicos. De jeito algum. Pois, hoje e para todo o sempre, é aquilo que está contido no livro, como nas pessoas, que nos encanta mais e mais à medida que viramos suas páginas e vamos, feito viajantes, a descobrir tudo que lá existe com o passar do tempo.

Sei que o meu menino mudará muito ainda e com ele sua opinião também. Espero apenas que ele perceba logo que não existe um padrão de beleza e que o gostar caminha muito longe de um trilho pré-definido. O gostar vaga feito passarinho e, sem querer e sem saber o porquê, pousa seu olhar no olhar de alguém e daí, a verdade, é que o que vemos mais ninguém vê. Vemos a beleza que há para além do olhar.

Aos meus amigos, que são todos do seu jeito e, por isso, igualmente lindos, um beijo.